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Radar econômico

CPI do HSBC quer forçar Brasil a agir sobre SwissLeaks

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Na última sexta-feira (27), o senador Randolfe Rodrigues, do PSOL do Amapá, reuniu 33 assinaturas para instalar a CPI do HSBC. São seis a mais do que o mínimo exigido para que uma comissão seja instaurada. Ou seja, ela deve mesmo entrar em atividade, com o objetivo de investigar possíveis crimes cometidos por brasileiros por meio da filial do banco na Suíça. De acordo com o o ICIJ (Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos, na sigla em inglês), que investiga o caso que ficou conhecido como Swiss Leaks, 8667 pessoas ligadas ao Brasil mantiveram 6.606 contas no HSBC de Genebra, nas quais circularam mais de US$ 7 bilhões entre 2006 e 2007.

Sede social do HSBC, em Londres
Sede social do HSBC, em Londres REUTERS/Peter Nicholls
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Esses números colocam o país em 4° lugar no total de clientes e 9° em termos de valores, no mais importante vazamento de dados de evasão fiscal de toda a história. Isso, para Randolfe Rodrigues, é motivo de sobra para a instalação da CPI: "Trata-se do maior escândalo de evasão fiscal do planeta. E é um escândalo que envolve o Brasil diretamente", observa o senador.

"A movimentação financeira do Brasil (...) é superior à dos cheiks da Arábia, à de paraísos fiscais como Liechtenstein, Luxemburgo e Ilhas Virgens. Então, é inaceitável que um escândalo dessa proporção ocorra tendo o Brasil no centro e não tenha nenhum tipo de inquérito ou de investigação, seja pelas autoridades brasileiras, seja pelo parlamento".

Se o ICIJ só teve acesso aos dados em novembro de 2014, quando eles foram compartilhados pelo jornal francês Le Monde, o Governo brasileiro poderia tê-los bem antes. Em 2010, o governo francês ofereceu a abertura do dossiê aos países que requisitassem. Mas o Brasil simplesmente não se interessou. No final do ano passado, o jornalista Fernando Rodrigues, do UOL, recebeu os dados do ICIJ (do qual é membro) e apresentou uma mostragem ao Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras).

A ideia dele era que as autoridades fiscais pudessem, a partir daquela amostra, determinar se a maioria das contas foi ou não declarada no imposto de renda. "Isso daria uma segurança muito maior para a divulgação de tudo ou de grande parte", repara Fernando Rodrigues. Mas há quatro meses que estes órgãos detêm 342 nomes de brasileiros com contas na Suíça, sem dar qualquer prosseguimento aos dados.

"Leniência" e "cafajestice"

Não a toa, Randolfe Rodrigues escolheu o Coaf e a Receita como pontos de partida para a CPI. "Nós temos que descobrir se houve leniência ou se houve omissão por parte do Coaf e por parte da Receita Federal. Por isso, a minha ideia é que as investigações comecem por aí: ouvindo as autoridades dessas duas instituições. Eu gostaria de saber como passaram para fora do Brasil mais de 8 mil contas e não teve devido acompanhamento da Receita Federal", indaga o senador.

Mas, se os 342 nomes ficaram engavetados por todo este tempo, 15 deles viram a luz do dia neste fim de semana, em matérias publicadas pelas revistas Época e Istoé Dinheiro. Para Fernando Rodrigues, isso é mais um sintoma da displiscência com que as autoridades têm tratado o caso: "Vazaram, de maneira irresponsável, uma lista ainda preliminar e incompleta para tentar fazer algum barulho. É uma pena que o governo seja tão cafajeste, irresponsável e, alguns diriam, até criminoso porque essas pessoas que tiveram seus nomes expostos podem ou não ter cometido um crime. Se não cometeram, para o resto da vida, serão referidas como 'fulano de tal', que tem conta na Suíça"

Fernando Rodrigues lista, entre os atos de "cafajestice" da administração o fato de que, depois de "não fazer nada", ela afirmou ter tido acesso a 342 nomes, "quando o próprio governo sabe que não é que ele teve acesso porque investigou, mas porque eu propus um acordo absolutamente legítimo de apresentar um extrato do material para que eles fizessem um teste sobre o percentual de pessoas que não teria declarado". O jornalista reconhece que a maioria possivelmente não declarou, mas se reserva o direito de não fazer o trabalho de adivinho.

Mas isso deve se tornar público em breve, e pelas vias legais, promete Randolfe Rodrigues: "Assim que for instalada a Comissão Parlamentar de Inquérito, além de procurarmos as autoridades brasileiras, é óbvio que nós vamos procurar todas as medidas para buscar o acesso a essa lista. Inclusive, a cooperação junto com o Ministério Público francês que, segundo nossas informações, já se encontra com essas investigações mais avançadas".

Interesse midiático

Para o senador do PSOL, uma das vantagens da instalação da CPI será o aumento do interesse midiático sobre o caso: "A imprensa brasileira tinha, até agora, dispensado pouca atenção ao caso. Estou convencido de que é o maior caso de evasão fiscal do mundo, um dos maiores escândalos de corrupção do planeta. Por conta disso, eu acredito e espero que, a partir de agora, tenha uma atenção maior por parte da imprensa brasileira, assim como tem tido a imprensa de todo o planeta".

De fato: a cobertura do francês Le Monde causou a ira até de um acionista do jornal, o milionário Pierre Bergé, que acusou o vespertino de ser "populista" e "atirar pessoas aos lobos". Isso porque o diário publicou nomes de gente que tinha contas no HSBC de Genebra, sem que houvesse prova de atividades ilegais. Peter Oborne, editor e principal comentarista de política do inglês Daily Telegraph, pediu demissão e acusou o veículo de ser uma "fraude", por ter, segundo ele, censurado matérias sobre o caso e sobreposto o interesse comercial ao editorial.

Acusações

Talvez por causa de casos como esses, pela inércia do governo, pelo relativo silêncio que se estabeleceu na mídia brasileira e até pelo histórico do HSBC - um banco que nasceu para assegurar o tráfico de ópio na China e, em 150 anos, serviu de lavanderia geral, do tráfico de drogas e armas aos diamantes de sangue - sobraram críticas à decisão de Fernando Rodrigues de não publicar diretamente os nomes dos brasileiros que movimentaram fortunas no banco.

Blogueiros e comentaristas fizeram graves acusações contra ele: desde que ele fazia divulgação seletiva dos nomes de pessoas ligadas a Operação Lava-Jato; até de que defendia os interesses publicitários do UOL acima dos interesses do público - principalmente depois que o presidente do banco, Stuart Gulliver, declarou abertamente cortaria a propaganda de veículos que fizessem "cobertura hostil" do caso. Fernando Rodrigues se defende:

"Eu sou jornalista. Todo dinheiro que ganhei na vida foi como jornalista. O que aprendi no jornalismo é que tenho que checar devidamente todos os fatos antes de publicar. O caminho que me parece mais correto e honesto, trilhado desde o final do ano passado, é tentar verificar da maneira mais séria possível, com órgãos competentes, se seria possível dizer que a maioria dessas contas na Suíça não foi declarada ao imposto de renda brasileiro. Isso daria uma segurança muito maior para a divulgação de tudo ou de grande parte.

Eu sei que a maioria possivelmente não declarou no imposto de renda. Agora, jornalista não faz previsão nem tem esse tipo de inferência. Jornalista tem de lidar com os fatos. No momento, como o governo não está investigando, os fatos permitem apenas que eu escolha (divulgar) nomes que têm uma relação com casos de desvios anteriores de dinheiro, que estão sendo processados, que estão presos ou que ocupam funções públicas.

Esses, eu estou investigando, continuarei a investigar e, no tempo devido, com responsabilidade, interesse público e jornalístico, vou publicar. Mas não vou publicar por interesse político de alguns. Não é assim que se faz jornalismo".

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