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Em Angoulême, brasileiro fala da dificuldade de ser desenhista profissional no país

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O desenhista Carlos Rafael Duarte foi um dos raros artistas brasileiros no Festival Internacional de Histórias em Quadrinhos de Angoulême, que se encerra no domingo na cidade francesa. O carioca tem uma carreira internacional consolidada nos Estados Unidos e agora começa a explorar o mercado europeu.

Maxence, o personagem desenhado por Carlos Rafael Duarte.
Maxence, o personagem desenhado por Carlos Rafael Duarte. Divulgação/ Le Lombard
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Ele trouxe ao evento o seu último trabalho, o livro Maxence, feito em parceria com o francês Romain Sardou. Em entrevista à RFI Brasil, Carlos Rafael fala sobre as dificuldades do mercado brasileiro, o processo de criação dos personagens e o jornal Charlie Hebdo, que marcou a 42a edição do festival.

Que panorama você faz do desenhista profissional do Brasil? É difícil fazer carreira no país?
É muito difícil. O mais fácil é ter alguma coisa mais garantida lá fora. Foi o que eu fiz, porque no Brasil a gente não tem muita oportunidade. O Brasil não tem um mercado grande para os seus desenhistas. É um mercado muito pequeno e depende muito do esforço do próprio artista para conseguir alguma coisa.

Quando você dava aulas, percebia que havia muitos alunos com talento, que eram promissores? Que dica dava para eles?
Eu tive muitos alunos com muita vontade. Alguns realmente conseguiram e têm carreira em outras editoras fora do país. Mas a maioria não consegue seguir porque a falta de mercado é um bloqueio muito grande para a gente. Chega uma hora em que ou a pessoa decide a conseguir o que quer, não importa como, ou ela acha melhor arranjar outra coisa mais garantida. Infelizmente é assim.

Você traz a Angoulême o seu mais recente trabalho, Maxence, feito em parceria com o francês Romain Sardou. Como foi fazer esse trabalho, ele estando na França e você, no Brasil?
A equipe toda da editora Le Lombard, incluindo o Romain Sardou, é de uma grande simpatia. Para mim, não teve problema nenhum. Foi um trabalho que prezou mais a qualidade do que o tempo. Para o artista, isso é muito bom. Às vezes, a gente tem um prazo muito pequeno para fazer um trabalho e acabamos insatisfeitos com a qualidade final.

Quem é o Maxence?
Ele é um personagem da época Bizantina e ele está vivendo um momento histórico difícil de Constantinopla, que o leitor vai ver. Ele é um treinador de grandes felinos, como leões e tigres, e tem um tigre de estimação, que pode atacar, se ele mandar. Mas no decorrer da história, a gente percebe que ele é muito mais do que isso: ele tem uma descendência importante e tem uma grande influência no governo, sempre mantendo os próprios ideais.

Essa é a primeira vez que você vem a Angoulême. No que você mais se interessou no festival?
No Brasil, a gente não tem muita publicação de material estrangeiro da Europa. Temos mais dos Estados Unidos. Estou conhecendo muita coisa aqui, aproveitando os colegas para me mostrar as inspirações deles. Ver o material europeu é o que é mais interessante para mim.

Como é o seu trabalho de pesquisa para construir os personagens? O Maxence vivia em Constantinopla, por exemplo. Um trabalho como esse exige uma bagagem cultural, ou ao menos bastante pesquisa histórica, não?
Isso começou quando eu fiz o Highlander, que tinha muita coisa histórica. Eu comecei a pesquisar e me interessei por isso. Enriquece muito o nosso trabalho. E no Maxence ainda mais, porque não foi muito fácil encontrar material sobre esse período histórico. Se fosse Roma, haveria muito mais material. Constantinopla é um império romano ainda, mas em outro lugar, com vestimentas um pouco diferentes, em uma época um pouco diferente. Foi mais difícil de achar. Fiz muita pesquisa.

Você tem temas ou épocas preferidas?
Tem tanta coisa... Cada uma é interessante e cada uma eu acrescento ao meu trabalho.

O festival deste ano está marcado pela morte dos cartunistas do jornal Charlie Hebdo, com muitas homenagens. A discussão sobre “ser ou não Charlie” também está presente. Como você se coloca nesse debate? A liberdade de expressão, inclusive dos desenhistas, deve ou não ter limites?
Eu acho que a liberdade de expressão não tem limites. Cada um vai se colocar de uma forma e as pessoas vão aceitar aquilo ou não. Eu acho que o mais importante nessa situação foi o modo bárbaro como tudo aconteceu. Isso não pode acontecer. Se alguém tem algo contra, não é dessa forma que vai impor a oposição, senão daqui a pouco mesmo coisas bobas vão começar a ser punidas com alguém entrando e metralhando todo mundo. Não é assim que o mundo tem que caminhar.

Outra discussão, que é antiga em Angoulême, é sobre se os desenhos de imprensa, como os publicados no jornal Charlie Hebdo, fazem ou não parte da mesma família das histórias em quadrinhos. Alguns organizadores do festival avaliam que o espaço ocupado pelo Charlie Hebdo no evento estava exagerado. O que você acha?
Não conheço essa discussão, mas eu acho que no quadrinho, enquanto arte, cabe tudo. Acho que cabe qualquer coisa aqui. Expandir sempre é bom. Em festivais dos Estados Unidos tem até videogame, colecionáveis. Você não precisa fechar as portas. Uma coisa puxa a outra.

Qual é o seu mais alto objetivo da carreira? Sonha em desenhar personagens que já são famosos e foram referência para você?
Eu vou desenhar quadrinhos a vida toda, então a minha meta é fazer cada vez melhor o meu trabalho. Eu já fiz tanta coisa diferente e agora estou na Europa, que era um mercado que não se tinha muito conhecimento nem muitas publicações no Brasil. Eu vou poder desenhar tantos personagens interessantes, mas eu gostaria, sim, de desenhar algum personagem que eu sempre gostei, como os superheróis que eu cresci admirando, o Batman e o Super Homem. São personagens eternos que eu teria vontade de desenhá-los, sim. Mas também é bom ter novidade e conhecer novos personagens, participar de novas coisas.

Você comentou que às vezes tem pouco tempo para fazer os trabalhos, como ter de desenhar uma página do livro por dia. Lidar com os prazos exigidos pelos editores é um problema nesta profissão?
Eu não diria que é um problema. Eu diria que é uma coisa que faz parte do nosso trabalho, inerente a ele. A gente sempre vai lidar com prazo e qualidade, fazer um paralelo com essas duas questões. Se você tiver mais prazo, sempre vai ter uma qualidade melhor. Se te cortarem o prazo, terá de fazer um trabalho piorado. A gente precisa lidar com isso – o desenhista nunca foge disso.

Como você se dá com as ferramentas digitais de desenho?
Eu faço os esboços em um tablet, o que me facilitou muito porque as mudanças são mais fáceis de serem feitas. A gente usa ferramentas digitais que nos fazem usar menos papel. Quando o desenho está pronto e eu sei que não vai mudar nada é que eu passo para o papel. É bom não só para a gente, mas para o meio ambiente. A ferramenta digital veio para facilitar o nosso trabalho, mas eu gosto muito de trabalhar no papel e no lápis.

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