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França celebra os 40 anos da lei a favor do aborto: saiba como funciona

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A França comemora nesta semana o aniversário de uma das mais importantes conquistas para o direito das mulheres, a lei que autoriza a prática de aborto. Mas quarenta anos depois, movimentos feministas protestam contra a diminuição dos centros de interrupção de gravidez indesejada e a recusa, por uma parcela dos médicos, de realizar o procedimento no terceiro mês de gestação, conforme determina a lei.

Simone Veil defendendo a lei do aborto na Assembleia Nacional francesa, há 40 anos.
Simone Veil defendendo a lei do aborto na Assembleia Nacional francesa, há 40 anos. Reprodução vídeo
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Tudo começou em 26 de novembro de 1974, quando a Assembleia Nacional francesa iniciou o debate do texto, proposto pela ministra da Saúde da época, Simone Veil. “Eu gostaria, antes de mais nada, compartilhar com vocês uma convicção enquanto mulher. E me desculpo por fazer isso diante de uma assembleia composta quase exclusivamente por homens”, declarou Veil, que se tornou um ícone do feminismo no país. “Nenhuma mulher fica feliz de recorrer ao aborto. Basta escutá-las: é sempre um drama, e será para sempre um drama.”

A lei foi adotada dois meses depois, por uma ampla maioria dos parlamentares. Nesta quarta-feira, os deputados realizam uma sessão excepcional para votar uma resolução, reafirmando “o comprometimento em defender e promover o acesso seguro e legal ao aborto e a promover a progressão dos direitos das mulheres na sociedade”.

Na França, o procedimento é inteiramente confidencial e gratuito na rede pública de saúde. O aborto pode ser realizado por qualquer mulher, até a 12ª semana de gestação. As menores de idade devem estar acompanhadas por um maior, que não precisa ser da família.

Evolução ao longo dos anos

Mas nem sempre foi assim - a lei evolui ao longo dos anos, como lembra Maya Surduts, militante histórica pelos direitos das mulheres e uma das fundadoras da Coordenação das Associações para o Direito ao Aborto e à Contracepção.

“Nós temos um verdadeiro problema de diminuição do número de hospitais. A maioria dos abortos acontece nas maternidades. De acordo com os nossos dados, havia 1.200 maternidades até pouco tempo atrás, e hoje só restam 500”, afirma.

“Para completar, está cheio de médicos que se recusam a fazer aborto, alegando a ‘cláusula de consciência, principalmente entre a 10ª e a 12ª semana de gestação. Sem falar que o clima geral na França é de aumento das ideias reacionárias”, destaca Surduts, relatando que, na porta de alguns centros de interrupção da gravidez, militantes anti-aborto ficam à espera das mulheres. “Imagine como elas são recebidas”, diz.

Escolha é da paciente

E o que acontece quando uma mulher decide abortar? Brigitte Rocher, diretora da associação Planning Familial de Rennes, que ajuda as mulheres a por fim à gestação, explica como é o processo.

“Em um primeiro momento, a pessoa é recebida por uma enfermeira, que vai lhe apresentar três opções: interrupção da gravidez por aspiração, por medicamentos ou por cirurgia, com anestesia geral. A gente tenta ver com a paciente qual seria a solução mais adaptada para ela”, observa. “E é ela quem faz a escolha.”

Rocher destaca que, muitas vezes, as mulheres não sabem que o limite para realizar o aborto é de três meses de gravidez. “Uma das primeiras coisas que nós dizemos às mulheres é explicar os prazos previstos na lei, para elas não perderem tempo. Se elas passarem do prazo, e se elas desejarem, nós podemos orientá-las a procurar outro país da Europa onde será possível fazer a interrupção da gravidez”, ressalta.

Melhorias no atendimento

Como lembrou Simone Veil em seu discurso, a experiência de um aborto dificilmente deixa boas lembranças. A auxiliar de enfermagem Coralie, de 31 anos, já passou por dois, aos 18 e aos 25 anos. Ela ficou impressionada com a impessoalidade do procedimento e sentiu falta de mais apoio pelos profissionais que a atenderam.

“Eu sofri, gritei de dor, e não sabia o que estava me acontecendo. Com apenas 18 anos, eu não tinha informações suficientes. Na minha cabeça, eles me dariam o medicamento e logo acabaria, mas não foi assim. Levei dois anos para me recuperar do trauma”, conta, referindo-se à primeira interrupção da gravidez. “Eu acho que o apoio psicológico deveria ser bem maior, para todas, e que as mulheres deveriam receber mais informações sobre o todo o processo que vai acontecer.”

Apesar das recordações dolorosas, Coralie considera a liberalização do aborto uma conquista inestimável para as mulheres. “Com certeza é uma sorte termos esse direito, que me permitiu escolher o meu nível de vida. Se eu tivesse tido um filho com 18 anos e o meu marido tivesse me abandonado, seria terrível. Eu ainda não tinha nada, nem uma profissão”, lembra. “Para mim, foi um momento de escolha de vida.”

O aborto no mundo

O aborto é totalmente liberado na América do Norte e em quase todos os países europeus. Na América Latina, apenas o Uruguai autoriza a prática sem restrições. No Brasil, é legalizado somente em casos de estupro, risco para a mãe e feto anencefálico. Uma a cada cinco brasileiras até 40 anos já realizou um aborto ilegal no país.

 

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