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O Mundo Agora

Adiamento do acordo entre Irã e grandes potências era previsível

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Mais uma vez um acordo sobre o programa nuclear iraniano foi postergado. Mais uma vez as grandes potências e o Irã empurraram com a barriga, alegando que faltava tempo para clarificar e redigir diversos pontos técnicos.

As negociações entre o Irã e os governos de seis grandes potências mundiais sobre o polêmico programa nuclear devem continuar até junho.
As negociações entre o Irã e os governos de seis grandes potências mundiais sobre o polêmico programa nuclear devem continuar até junho. REUTERS/Leonhard Foeger
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Não há dúvida que o lado técnico da conversa é cabeludo. Não é nada evidente encontrar um jeito para que o Irã possa manter um programa nuclear pacífico (incluindo uma capacidade residual de enriquecimento de urânio), mas sem condições materiais e tecnológicas para construir uma bomba atômica. E que tudo isso possa ser controlado para impedir qualquer trapaça por parte de Teerã – que passou anos ludibriando os tratados e as inspeções internacionais.

Mas é óbvio que o que está em jogo não é uma questão técnica, mas eminentemente, política. Trata-se nada mais nada menos do que do futuro estratégico do Oriente Médio. O tabuleiro estratégico regional definido depois da Primeira Guerra Mundial com a destruição do Império Otomano fragmentou-se a ponto de vários Estados – como a Síria, o Iraque, a Jordânia e até algumas monarquias do Golfo – estarem ameaçados de violências internas permanentes e de perderem qualquer viabilidade.

As velhas rivalidades entre turcos, iranianos, curdos, sauditas, sunitas e xiitas, (sem falar na questão Israel-Palestina) tomaram conta da política regional e tentam ser resolvidas a tiros e ações terroristas cada vez mais sangrentas e inumanas. E o mundo não pode simplesmente ficar esperando que os protagonistas locais acabem cansando de se matar uns aos outros.

O Oriente Médio tornou-se um exportador de terrorismo para o mundo

O Oriente Médio não é só o maior barril de petróleo do planeta, mas a situação de guerra permanente de todos contra todos faz com que ele seja o maior exportador de violência terrorista para o resto do mundo. Pior ainda, além dos principais atores regionais – Turquia, Arábia Saudita, Israel e Irã – todas as grandes potências não param de por a mão nessa cumbuca incandescente.

A verdade é que não haverá solução sem arranjo entre as potências externas e os grandes protagonistas locais. Missão impossível haja vista as rivalidades e tensões cada vez mais fortes entre eles. Um possível acordo nuclear com o Irã não foge desta sina. Esse acordo faria do regime de Teerã um interlocutor frequentável e legítimo na região. E, sobretudo, poderia representar um primeiro passo para deslanchar uma cooperação pragmática entre americanos e iranianos reminiscente da tradicional aliança entre os Estados Unidos e o Irã da época do Xá, antes da revolução islâmica de 1979.

O Irã é sem dúvida o Estado mais poderoso e bem organizado da região. Uma cooperação com os americanos, nem que seja informal, faria dos iranianos a chave mestra dos equilíbrios regionais. Só que isso é pisar em muitos calos ao mesmo tempo.

Aproximação do Irã com os EUA preocupa a Arábia Saudita e Israel

A Arábia Saudita, inimigo figadal do Irã, não pode aceitar que Teerã venha a ser, com a ajuda discreta dos americanos, o verdadeiro manda-chuva na região. Israel também está preocupadíssimo, não só pela possibilidade dos aiatolás iranianos se dotarem de uma arma atômica, mas, também, de perder a condição de interlocutor estratégico único de Washington.

A Turquia sunita, que tem que enfrentar o regime sírio apoiado pelos iranianos e que está atolada num conflito nas suas fronteiras com os terroristas islâmicos sunitas e a oposição curda, também não acha graça num diálogo Irã - Estados Unidos. A Rússia também não gosta nada desta aproximação que limitaria drasticamente o seu espaço de atuação no Oriente Médio. Portanto, não tem muita gente na região – e fora dela – aplaudindo as negociações sem pesadas segundas intenções.

Assinar um acordo nessas condições é uma verdadeira façanha. Mas ficar protelando é sempre possível e até desejável. A única alternativa à negociação é uma guerra geral no Oriente Médio. Não mais por procuração, mas diretamente entre os principais Estados da região e seus aliados interessados extra-regionais.

* Alfredo Valladão, do Instituto de Estudos Políticos de Paris, escreve às terças-feiras para a RFI 

 

 

 

 

 

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