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O Mundo Agora

Rússia enfraquecida pode ser mais perigosa

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Não é bem uma nova Guerra Fria, mas tem toda a pinta. Vladimir Putin foi tratado como um pária na recente reunião do G20 na Austrália. Todos os dirigentes ocidentais só tinham uma mensagem para o chefe do Kremlin: “Saia da Ucrânia!”. E ameaçaram os governantes russos com mais sanções se continuarem mandando, na moita, tanques, soldados e armas pesadas para reforçar os separatistas.

O presidente russo, Vladimir Putin, durante reunião do G20 na Austrália.
O presidente russo, Vladimir Putin, durante reunião do G20 na Austrália. REUTERS/Mikhail Klimentyev/RIA Novosti/Kremlin
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Putin foi até abertamente esnobado durante o churrasco oferecido aos chefes de Estado: ficou sentado sozinho numa mesa, só com Dilma Rousseff na frente mas sem muito papo. Nenhum dos outros países emergentes, nem a China, se dispôs a defendê-lo. Só Dilma fez questão de ficar em cima do muro. A hostilidade foi tanta que Putin abandonou a cúpula antes do fim e saiu voando de volta para Moscou.

É claro que ninguém está a fim de morrer pela Ucrânia. Mas pelo visto, uma maioria do G20 também não está disposta a aceitar um conflito permanente no leste da Ucrânia e a própria anexação da Crimeia. A Rússia hoje é uma potência “revisionista”: decidiu não aceitar mais as regras do jogo internacional e a exigência de respeitar a integridade territorial e a soberania dos Estados. Depois de ter anexado pedaços da Geórgia e agora a Crimeia, qual será o próximo alvo? A Moldávia? Os países bálticos?

Apego ao passado

Putin acaba de celebrar com orgulho o pacto de não agressão russo-alemão Molotov-Ribbentrop de 1939, quando Hitler e Stalin simplesmente se aliaram para dividir a Europa central e oriental. A referência é explícita: trata-se de uma concepção do mundo em que as grandes potências têm todo o direito de possuir “zonas de influência” e exercer um controle total sobre os vizinhos menos poderosos. Os grandes se equilibram e os pequenos não têm outra opção senão se alinharem e obedecer. Mas o mundo está farto de saber que esses jogos geopolíticos de equilíbrio de potências acabam quase sempre em sangrentas guerras mundiais. Ou na angústia de um holocausto nuclear.

Claro, por enquanto ainda não chegamos nesse ponto. Mas quando se mexe em fronteiras na Europa, tudo é possível. Até o pior. A sorte é que a Rússia de hoje não tem, nem de longe, o poderio da velha União Soviética. É um país caindo aos pedaços, com uma população que diminui e envelhece rapidamente, e uma economia em frangalhos que vive – mal – da exportação de petróleo, gás, minérios e armas. Só manter a Crimeia já é um peso tremendo para as finanças russas.

A queda brutal do preço do petróleo no mercado internacional é uma catástrofe para um regime que depende de um preço acima de US$ 100 por barril para fechar o orçamento. E as sanções ocidentais também estão começando a morder, com o rublo despencando e os investimentos quase parando.

Cartada nacionalista é solução de desespero

O problema é que esta Rússia enfraquecida pode ser mais perigosa. O regime centralizado e autoritário de Vladimir Putin não pode mais contar com uma certa prosperidade econômica para se manter no poder. E decidiu partir para a solução de desespero: jogar uma cartada nacionalista e inventar um inimigo exterior implacável para deslanchar um movimento de opinião patriótico em torno da política do governo.

Por enquanto está funcionando: a propaganda e a mentira sistemática convenceram boa parte da população russa de que a Europa e os Estados Unidos querem destruir o país. Só que esse expediente tradicional das ditaduras do século XX não pode durar, se as condições de vida das pessoas não melhorarem. E isto não vai acontecer tão cedo.

Para se manter no poder, Putin precisa continuar uma escalada agressiva contra os Ocidentais. O presidente russo, que se acha um Tzar redivivo, precisa de uma verdadeira Guerra Fria para salvar o seu trono. E quanto mais fraco, mais agressivo, arriscando até uma guerra quente. Só muita unidade, sangue frio e paciência dos Ocidentais, como na velha Guerra Fria, pode evitar um novo desastre que, sem dúvida, engolfaria o mundo inteiro.

* Alfredo Valladão, do Instituto de Estudos Políticos de Paris, escreve às terças-feiras para a RFI

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