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França

De onde vem a fama de sujos dos franceses?

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Quem nunca veio a Paris e ficou impressionado com o mau cheiro no metrô? No mundo todo, os franceses são conhecidos pela aversão à higiene pessoal – uma fama que na verdade está longe de ser apenas um clichê. De acordo com uma pesquisa realizada pelo Instituto francês BVA, publicada em 2012, 20% da população toma banho a cada dois dias e 3,5% se lava apenas 1 vez por semana. Em compensação, 11,5% deles tomam várias duchas por dia.

Flikcr/ Creative Commons
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A desilusão dos franceses com a água merece uma explicação histórica. Na Antiguidade, os banhos públicos eram frequentados pela maioria dos europeus e foram popularizados pelos habitantes de Roma, onde cada romano consumia em média cerca de 1000 litros d'água por dia. Mas, a partir do século 15, com o aumento da influência da igreja católica, as termas, que na Idade Média eram mistas, foram fechadas.

“As termas eram consideradas como lugares de prostituição, de perdição e libertinagem”, explica Marylis Macé, diretora do Centro de Informação sobre a Água, em Paris. Foi nessa época, afirma, que as pesssoas passaram a se limpar com toalhas e aos poucos foram perdendo o hábito do banho.

“O banho começou a ser responsabilizado pelo enfraquecimento do corpo porque entrava pelas narinas, era o que se pensava. Também se dizia que mergulhar nu era uma atitude pagã. Aos poucos, a educação católica passou incutir na cabeça das pessoas que se lavar nu era um incentivo à masturbação. Isso durou muito tempo e o banho se tornou algo excepcional, apenas em casos de doença”, conta. Um caso emblemático, diz, é o do rei Luís 14, conhecido como o rei Sol. Ele morreu aos 75 anos e tomou apenas um banho em toda sua vida, depois de uma cirurgia.

Georges Vigarello, um dos maiores especialistas franceses do assunto e autor do livro “Le Propre et le Sale, L'hygiène du corps depuis le Moyen Âge” (O Limpo e o Sujo, a Higiene do Corpo desde a Idade Média) defende que a ideia do francês sujo é falsa e se trata apenas de uma percepção. “É um problema complexo, que não se limita a uma questão de diferenças culturais, mas ligado, sobretudo, a uma questão de diferenças industriais”, declara. Segundo ele, foram as marcas que transformaram o banho em um momento de prazer.

Movimento higienista populariza banho (mas nem tanto)

A partir de 1850, depois de uma epidemia de cólera, a França vive um movimento higienista, e novos hábitos passam a ser disseminados nas escolas. Essa transformação social também foi resultado das descobertas de Louis Pasteur sobre o papel das bactérias e dos microorganismos na transmissão das doenças, associadas ao consumo de água contaminada. Só no século 19, entretanto, a água encanada passou a ser distribuída para a população, mas de maneira lenta e reservada à elite. Em 1923, apenas 23% das pessoas tinham acesso à água potável, que, durante muito tempo, era trazida por carregadores.

A água encanada só se expandiu em todo o território francês na década de 1980. Para se ter uma ideia, em 1978, 25% das residências francesas ainda não tinham banheiro, contra 99% hoje, inclusive na zona rural. Atualmente, de acordo com o Centro de Tratamento da Água, cada francês consome cerca de 150 litros por dia. “O acesso à agua encanada certamente melhorou as coisas, mas não resolveu o problema da higiene”, declara Marylis Macé.

Um exemplo é a lavagem das mãos. De acordo com o diretora do Centro de Tratamento da Água, apenas 20% dos franceses lavam as mãos antes das refeições. Outro exemplo: a maioria da população também não limpa as mãos depois de ir ao banheiro. Mas, paradoxalmente, 90% o faz antes de cozinhar. Marylis Macé conta que esteve recentemente no Brasil e ficou impressionada com a limpeza da população em geral e com a noção de higiene, apesar de o país ter uma infraestrutura mais precária do que a França. E questiona: “São os franceses que se lavam pouco ou os outros que se lavam muito?”
 

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