Começa nesta terça-feira (29) a contagem regressiva para um calote da dívida da Argentina. As próximas 24 horas serão decisivas para o país evitar um novo default, o segundo em quase 13 anos. Seria o primeiro na história provocado por um impasse judicial. Como o default não interessa a nenhuma das partes, pode haver uma saída de última hora, mas o cenário, a esta altura, é o do calote.
Do correspondente da RFI em Buenos Aires, Márcio Resende
A disputa entre a Argentina e os credores que ficaram de fora das reestruturações anteriores, os chamados “holdouts”, pode continuar pelos próximos dias, semanas e até meses. O que se esgota hoje é o tempo para se chegar a um acordo antes de um novo calote.
Calote técnico, seletivo, parcial, temporário, vale ressaltar. Mas calote com todas as letras por uma questão simples: calote não é só quando não se paga; é também quando o credor não recebe. É isso o que está no contrato da Argentina com os credores.
As próximas 24 horas serão vertiginosas. Daqui a pouco, ao meio dia de Brasília, começa em Nova York uma audiência de mediação entre representantes da Argentina com o mediador indicado pelo juiz. Mas, ao longo do dia, haverá negociações encobertas e até secretas. Essas negociações são contra o relógio, porque é necessário chegar a um acordo ainda hoje para dar tempo de fazer as transferências bancárias até amanhã.
Prazo de carência
Nesta quarta-feira (30), vence o prazo de carência de 30 dias de uma parcela da dívida aos credores que aceitaram as reestruturações de 2005 e de 2010. Esses US$ 539 milhões foram pagos, mas estão congelados por ordem do juiz Thomas Griesa de Nova York.
A sentença desse juiz diz que a Argentina não pode continuar a cumprir com os credores normalizados, se não pagar ao mesmo tempo aos fundos especulativos que não aceitaram as reestruturações anteriores. São os chamados ‘fundos abutre’ aos quais, por decisão judicial, a Argentina deve cerca de US$ 1,6 bilhão.
Impasse argentino
A muralha do labirinto argentino chama-se RUFO. Essas são as iniciais, em inglês, de Direitos Sobre Ofertas Futuras. A cláusula está nos títulos públicos reestruturados e estabelece que, se a Argentina conceder voluntariamente uma melhora parcial a qualquer credor, está obrigada a estender a mesma vantagem a todos os credores que aceitaram as reestruturações anteriores. Ou seja: se a Argentina pagar integralmente o que deve aos fundos especulativos como manda a sentença, deve pagar também a todos os credores. Na conta argentina, são US$ 120 bilhões a mais.
A saída para esse cláusula é uma liminar que suspenda temporariamente a execução da sentença, de preferência até depois de 31 de dezembro, quando vence a cláusula RUFO.
Essa suspensão, através de uma liminar, permitiria continuar a pagar aos credores que participaram das reestruturações anteriores e, assim, evitar o calote, enquanto continuam as negociações.
Acontece que o juiz já negou esse pedido da Argentina duas vezes nos últimos dias. Ele só emitiria uma liminar se os fundos abutres pedissem. E os ‘fundos abutre’ indicam que, só vão pedir, se virem uma proposta firme por parte da Argentina. É que tanto o juiz quanto os abutres desconfiam que o país não cumpra depois.
O calote não convém a ninguém. Nem ao governo argentino, nem aos ‘fundos abutre’ nem ao juiz e muito menos ao povo argentino que vai padecer as consequências. A questão é quem vai ceder. É como um jogo de quem pisca primeiro.
Consequências para o futuro
Ainda que a Argentina evite um calote agora e pague aos abutres a partir de janeiro, a sentença cria jurisprudência para outros credores que ficaram de fora das reestruturações anteriores e que já demandam a Argentina em Nova York e na Europa. Seriam outros US$ 15 bilhões, metade das atuais reservas internacionais do Banco Central argentino.
E, se não acatar a sentença e preferir o calote, a Argentina corre ainda outro risco: o chamado Cross Default. Os credores que aceitaram a reestruturação podem pedir o pagamento antecipado de todos os títulos soberanos. Aquilo que a Argentina combinou pagar até 2038 pode ser acelerado a um prazo de apenas 24 horas. Basta o apoio de 25% dos credores.
A presidente Cristina Kirchner vai usar hoje a Cúpula do Mercosul em Caracas como um palanque internacional perante o mundo e contar com o apoio da região, especialmente do Brasil.
Para ouvir a análise completa no link acima.
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