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Fato em Foco

Europeus se dividem sobre comemorações da Primeira Guerra

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O 14 de Julho, a data nacional da França, homenageia neste ano os combatentes da Primeira Guerra Mundial. Esse é apenas um entre as centenas de eventos para lembrar a Grande Guerra, um conflito de uma violência rara que matou 18,6 milhões de pessoas na Europa, entre 1914 e 1918.

Soldados desfilam com uniformes da Primeira Guerra Mundial na tradicional parada militar de 14 de julho na avenida Champs-Elysées, em Paris, nesta segunda-feira (14).
Soldados desfilam com uniformes da Primeira Guerra Mundial na tradicional parada militar de 14 de julho na avenida Champs-Elysées, em Paris, nesta segunda-feira (14). Reuters
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Foi na Primeira Guerra que o uso de armas químicas e biológicas foi inaugurado nas trincheiras. O desenvolvimento industrial da época também resultou numa quantidade de vítimas jamais vista na Europa até então, além de deixar 6 milhões de soldados amputados, deformados, surdos ou cegos.

Filmes, exposições, debates, palestras, livros tornam o assunto incontornável na França neste momento. O historiador Joseph Zimet, diretor-geral da Missão do Centenário, que organiza as comemorações no país, explica por que essa data não poderia passar em branco.

“A França saiu da Grande Guerra completamente atordoada, no plano demográfico, intelectual, econômico, industrial. O país mobilizou 8 milhões de homens, e 1,4 milhão morreram nos combates. A Grande Guerra deixou traços em todas as famílias, em todos os vilarejos”, conta. “Hoje todos os veteranos franceses da Primeira Guerra já morreram, portanto há uma necessidade de transmissão da memória deste conflito para as gerações atuais e futuras. As comemorações vão servir para encontrar novas formas de transmissão, adaptadas aos nossos tempos”, acrescenta ele.

Alemanha é mais discreta

As comemorações pela Europa variam conforme o papel de cada país no conflito. Os perdedores tendem a manter a discrição, enquanto os vencedores, como a Grã-Bretanha, planejaram dezenas de atividades.

A imprensa francesa critica a Alemanha por não ter organizado nenhum evento oficial para marcar a data. Quem vai participar de alguns compromissos internacionais sobre o tema é o presidente alemão, Joaquim Glauk, e não a chanceler, Angela Merkel. O historiador francês, no entanto, discorda que os alemães não estejam interessados no tema.

“Pela primeira vez, há um debate na sociedade alemã, por meio do livro do historiador Christopher Clark, 'Os Sonâmbulos'. Este livro tem um impacto e uma influência consideráveis no debate público na Alemanha hoje”, ressalta. “A mobilização na Alemanha pode até parecer menor que na França, mas ela existe. Há debates, muitos livros, documentários, e a sociedade alemã está curiosa porque é a primeira vez que existem tantas discussões sobre a Primeira Guerra no espaço público alemão. É como se a sociedade tivesse recuperado a memória sobre os seus 1, 9  milhão de mortos.”

O livro citado por Zimet foi um fenômeno de vendas na Alemanha - mais de 100 mil exemplares foram comercializados -, ao amenizar as responsabilidades do país no conflito e pontuar a incapacidade dos líderes da época em negociar. O tema provoca uma intensa polêmica entre especialistas. O historiador Jean-Yves Le Naour, autor de diversas obras sobre a Primeira Guerra Mundial, observa que essa relativização do papel dos alemães pode ser importante para a reconciliação, mas os fatos não podem ser esquecidos.

“Talvez hoje essa mentira, digamos, seja importante para os alemães e para os europeus, porque vivemos uma era de vitimização. Todo mundo quer se reconhecer enquanto vítima, porque esse status nos permite nos unirmos em torno de uma grande cova europeia, na qual todos os nossos ancestrais estão enterrados”, considera. “Mas o papel do historiador é de colocar o dedo na ferida. Os europeus foram vítimas da história, mas há também carrascos e responsabilidades. O fato que elas sejam compartilhadas não significa que sejam iguais.”

Le Naour observa que alguns países, como a Rússia, sempre minimizaram a importância da Primeira Guerra Mundial, mas têm aproveitado a ocasião para objetivos políticos. “As comemorações voltaram na Rússia, com todo um programa, a presença de Vladimir Putin. Isso acontece só porque, por trás dos 100 anos de 1914, há a celebração da grandeza da Rússia, com uma dimensão nacionalista”, afirma. “As autoridades russas estão se vangloriando da Rússia imperial. Elas não tentam apagar a União Soviética, mas se apegar a um passado glorioso, cheio de pompa. Ou seja, utilizam a história de uma maneira nacionalista”, explica.

União Europeia

Para Zimet, as celebrações são importantes para valorizar a conquista da paz na Europa, que foi possível graças à construção da União Europeia. O centenário acontece em um momento em que o bloco é contestado em diversos países, que registram um aumento do nacionalismo e do populismo, canalizados pelos partidos extremistas.

“Essas comemorações devem trazer uma mensagem de orgulho para os europeus, de terem construído a União Europeia, que é uma resposta aos dois grandes conflitos mundiais. Esse é um dos ensinamentos importantes dessas comemorações, em um momento em que os cidadãos duvidam do apoio e dos benefícios que as organizações regionais e internacionais podem trazer”, avalia.

No total, 72 países participaram da Primeira Guerra Mundial. Todos foram convidados pelo presidente francês, François Hollande, para acompanhar a cerimônia do 14 de Julho, em Paris.

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