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Fato em Foco

Novo premiê indiano deve fortalecer relações com Brics

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O novo primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, assume o poder no país nesta segunda-feira (26). Originário de uma baixa casta e vendedor de chás na infância, o nacionalista hindu tem a missão de trazer de volta os altos índices de crescimento que o país registrava antes da crise econômica internacional. Oliver Stüenkel, professor da Fundação Getulio Vargas e especialista no país, esclarece os principais desafios do próximo governo.

Premiê Narendra Modi convidou o líder do Paquistão para a posse, nesta segunda-feira (26).
Premiê Narendra Modi convidou o líder do Paquistão para a posse, nesta segunda-feira (26). REUTERS/Amit Dave
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O novo primeiro-ministro vem de um partido nacionalista hindu e, durante a campanha a, minorias muçulmanas e cristãs da Índia demonstraram preocupação com uma deriva autoritária do novo governo contra as demais religiões. Esse risco é real?
Sempre existe o risco de que o novo primeiro-ministro fique refém das partes mais radicais do seu partido. O BJP (Bharatiya Janata) tem um histórico de não se dar muito bem com as minorias e muitas pessoas ficaram preocupadas com esse cenário. Mas a gente vê que, já nas suas primeiras iniciativas, Modi tem feito de tudo para reduzir essas preocupações. O mais importante é o convite que ele fez ao primeiro-ministro do Paquistão.

O convite feito por Modi ao premiê do Paquistão, Nawaz Sharif, para a cerimônia de posse é histórico?
É histórico não apenas por isso. Nunca houve a presença de líderes estrangeiros nas posses na Índia. É um evento muito doméstico e o país tem se isolado bastante. O gesto de convidar todos os líderes da região é realmente histórico. Também é importante porque Modi não consultou os grupos mais radicais sobre essa decisão, que foi dele. Ele quis deixar claro que é ele quem está no comando e quem manda.

O convite deve marcar um passo à frente na aproximação entre Índia e Paquistão, dois países rivais?
O Modi tem um projeto de fazer um milagre econômico na Índia, da mesma maneira como ocorreu na China. E ele sabe que para realizar esse sonho, precisa estabelecer relações tranquilas com todos os vizinhos. Um fator que tem inibido o crescimento econômico da Índia é o isolamento econômico na região, ou seja, não existe livre comércio entre a Índia e o Paquistão. Eu não acho que seja um projeto fácil. Mas, a princípio, esse gesto pode significar um primeiro passo nessa direção. É também um teste porque o líder paquistanês não necessariamente tem a capacidade de aceitar o convite, afinal os militares paquistaneses têm um poder especial.

Apesar dos altos índices de crescimento econômico da Índia nos últimos anos, o desenvolvimento social do país deixa muito a desejar, com uma forte desigualdade e uma industrialização precária.
Sim, a Índia tem crescido bastante, mas a parte da população que se beneficiou disso é pequena. Ainda temos hoje, na Índia, mais pessoas pobres do que na África inteira. O grande desafio, além de reiniciar o crescimento, será de estabelecer um processo de crescimento mais inclusivo. O governo indiano tem estudado bastante o modelo brasileiro porque, das potências emergentes, o Brasil é o único país com uma desigualdade decrescente. A classe média e a classe alta indiana, com cerca de 300 milhões de pessoas, ficam cada vez mais ricas. Mas eu não diria que o tamanho do país limita essa capacidade. Acho que simplesmente a Índia precisa investir mais em educação e infraestrutura para incluir os grupos mais pobres na economia formal.

A informalidade é um traço da cultura indiana. É uma barreira grave para mais desenvolvimento no país?
A gente sempre tem a impressão de que países que ainda não conseguiram se desenvolver enfrentam limitações culturais ou históricas. Mas a gente viu exemplos de países como a Coreia do Sul ou a China, que três décadas atrás tinham um PIB per capita igual ao da Índia. Esses fatores geralmente não limitam a capacidade de um país. O problema na Índia tem sido principalmente o governo. A economia cresce não por causa do governo, mas apesar do governo indiano, que tem realmente dificultado o trabalho das empresas, etc. É uma burocracia que limita muito a liberdade de atuação. Eu acho que uma gestão boa pode levar a Índia a uma trajetória parecida como a da China.

Outro problema no país é a alta corrupção. Independentemente dos discursos, você acha que há esperanças de que esse governo lute de fato contra a corrupção?
O novo governo pode ser um símbolo: o Modi pode falar do tema, tentar implementar novos mecanismos para limitar o problema da corrupção, que é uma das principais preocupações no debate público nos últimos anos. Houve grandes protestos contra a corrupção. Mas é preciso reconhecer que a Índia é um país altamente descentralizado. O governo federal consegue influenciar a situação, mas os governos estaduais continuam atuando de maneira independente. Ou seja, nenhum líder consegue combater esse problema rapidamente, de maneira eficiente. Outro problema é que a corrupção se vê todos os dias no país. As pessoas precisam pagar subornos para renovar documentos, serem admitidas em hospitais. São histórias que se ouve todos os dias. O cidadão indiano tem que pagar todos os passos que deveriam ser gratuitos. É preciso uma mudança cultural. O primeiro-ministro pode iniciar esse processo, mas é um processo que demora.

Você diria que há muito mais corrupção na Índia do que no Brasil?
Muito mais. A corrupção é muito mais enraizada, visível. No dia a dia, a gente ouve histórias extremas de pessoas que querem acesso a serviços públicos e não conseguem obtê-los por se recusarem a pagar por eles. É algo muito maior do que no Brasil, sem dúvida.

E sobre a relação com os outros países membros do grupo Brics? Essa abertura à qual você se referiu, inclusive econômica, deve se refletir nas trocas com os Brics?
Eu acho que eleição do Modi é positiva para o Brics porque o grupo tem sofrido bastante com um crescimento mais baixo. Eu acho que, por definição, o crescimento na Índia vai aumentar porque, com a eleição dele, haverá mais investimentos estrangeiros. Mesmo que ele não adote certas políticas, a Índia vai se tornar novamente um mercado atraente. O Modi também sabe que para realizar o projeto de crescimento da Índia, é preciso ter boas relações com a China. Sem uma relação construtiva com a China, ele não consegue crescer porque o comércio com Pequim é crucial - é o parceiro comercial mais importante da Índia. A primeira grande viagem dele será ao Brasil, para a cúpula do Brics, onde ele tentará mostrar que leva esse grupo a sério e tentará dar passos tangíveis para fortalecer as relações com esses países. Os encontros mais importantes serão bilaterais com a China e a Rússia – que é o maior fornecedor de armas para a Índia, a maior importadora de armas do mundo.

E sobre as relações com o Brasil?
Melhoraram bastante desde a época do Lula, que disse que a relação entre os dois países era uma prioridade. Mas desde então não se viu muitos avanços. Houve uma visita muito importante do Lula à Índia em 2004 e muitas promessas foram feitas, sobretudo em relação ao comércio. Mas o comércio não cresceu muito em termos absolutos. Ainda é insignificante. Ainda não há um tratado que facilite o comércio entre os dois países. A relação permanece meramente simbólica. Não há uma relação de grande substância.

 

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