"Quando o gato não está, os ratinhos dançam", dizem os franceses. Transposto para a política internacional, o ditado é bem menos alegre. Neste mundo cada vez mais multipolar, com uma super potência cada vez mais reticente em assumir responsabilidades externas, ratões, ratazanas e ratinhos começam a sair da toca. E não é para o bem.
Não são só os pequenos camundongos terroristas que andam semeando morte e destruição pelo mundo afora sem que ninguém saiba realmente como enfrentar esse perigo.
Grandes e poderosos Estados parecem querer voltar para os velhos nacionalismos dos séculos 19 e 20. Não é só Vladimir Putin que resolveu desafiar abertamente a ordem internacional estabelecida graças à criação das Nações Unidas no final da Segunda Guerra Mundial. Uma ordem cuja coluna de sustentação é o respeito das fronteiras e das soberanias nacionais.
O desmembramento da Geórgia e a anexação da Crimeia pela força abre uma terrível caixa de Pandora. Problemas fronteiriços e minorias insatisfeitas pululam no mundo inteiro. Deixar a Rússia estabelecer princípio de que a intervenção armada é legítima para promover a secessão ou a autonomia de populações consideradas afins é abrir caminho para um sem fim de guerras civis ou de vizinhança.
"Zonas de influências"
É voltar à famigerada noção das "zonas de influência", onde existem países de primeira e países de segunda categoria. E que estes últimos não têm o direito de escolher suas políticas externas e suas alianças, só o de aceitar um alinhamento com a grande potência mais próxima.
Esse caminho perigosíssimo para a paz mundial também está começando a ser trilhado pela China no que ela considera ser o seu "entorno estratégico" - os mares da China oriental e meridional. As recentes e violentas manifestações antichinesas no Vietnã vêm lembrar que a situação na região é cada dia mais explosiva.
Pequim vem multiplicando as demonstrações de força marítima contra seus vizinhos do Sudeste asiático e o Japão, só para deixar claro que quem manda nesses mares adjacentes são os chineses. E, pior ainda, que todas as ilhotas, águas territoriais e recursos naturais destes mares são só dá China. E os vizinhos que se danem.
O aumento das tensões é imediato. O Japão está voltando a se armar seriamente e quer rever a sua Constituição pacifista para poder ter de novo as mãos livres para projetar forças militares. Todos os vizinhos da China estão pedindo a brados que a frota dos Estados Unidos aumente a sua presença na região para contrabalançar o poder chinês.
Riscos para a região Ásia-Pacífico
O presidente-eleito indiano, o ultra-nacionalista Narendra Modi, já se mostrou irritado com as reivindicações territoriais chinesas no norte da Índia. E nos últimos anos, indianos e japoneses vêm reforçando, pela primeira vez na História, a sua cooperação militar. Tudo isso está criando um verdadeiro clima de tensão e perigo de incidentes graves podendo escorregar para a guerra aberta.
É todo o equilíbrio estratégico da Ásia do Pacífico que está ameaçado. Acrescentando a ameaça de uma nova Guerra Fria na Europa, são duas regiões chaves para a paz no mundo e a boa marcha da economia global que podem recair nos horríveis dramas do século passado.
Nos últimos anos, aplaudindo a política externa mais retraída dos Estados Unidos de Barack Obama, inocentes desinformados vêm celebrando o surgir de um mundo multipolar, liderado pelos grandes países emergentes. Um mundo onde, graças ao fim da hegemonia americana, imperariam a paz e o multilateralismo.
Esquecem eles que uma ordem fundada em instituições multilaterais só pode existir se houver alguém com bastante poder (e vontade política para usá-lo), capaz de garantir o multilateralismo contra as ameaças nacionalistas e imperiais. Um mundo sem gato é o paraíso dos ratões mais fortes e arrogantes arrebentando com os mais fracos. O mundo multipolar é o reino da brutalidade.
NewsletterReceba a newsletter diária RFI: noticiários, reportagens, entrevistas, análises, perfis, emissões, programas.
Me registro