50 anos após golpe no Brasil, vítimas da ditadura militar criticam impunidade
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O golpe militar de 1964, que completa 50 anos nesta segunda-feira (31), marcou o início de um dos capítulos mais tristes da história do Brasil. Os 21 anos do regime foram pontuados pelo desrespeito dos direitos constitucionais, censura, perseguição política e repressão. Enquanto nos vizinhos latino-americanos vários processos foram realizados para punir os responsáveis pelos regimes ditatoriais, no Brasil, cinco décadas após a tomada do poder pelos militares, as vítimas ainda esperam justiça.
Com os 50 anos do golpe, volta à tona o debate sobre a punição dos responsáveis pelos crimes cometidos durante os anos de regime militar no Brasil. Mesmo se há provas de que milhares de brasileiros e brasileiras foram presos, interrogados, torturados, e que muitos deles não sobreviveram aos métodos aplicados durante a ditadura, as vítimas contestam a falta de ações concretas para julgar e punir os culpados. “Eu não entendo como a gente deixa assassinos sem punição. São pessoas que destruíram a vida de famílias inteiras”, se indigna a atriz, escritora e tradutora Tuna Dwek, que foi presa e torturada em São Paulo, em 1977, antes de se exilar por dois anos na Europa. “Será que eu vou morrer sem sentir o sabor da justiça? Eu não estou falando de vingança, e sim de justiça”.
Para o escritor e professor de literatura da UFRJ, Godofredo de Oliveira Neto, que também se exilou na Europa durante seis anos na década de 70, a situação tem mudado aos poucos. “Com a volta dos exilados e a abertura política, as pessoas não queriam mais falar do passado, o que eu acho que foi um erro. Mas no últimos dez anos, ficou insustentável não analisar a história com mais clareza e objetividade e, obviamente, punir os culpados”, comenta o brasileiro, autor do livro Amores Exilados, um romance que se passa durante a ditadura militar.
Uma das razões para a falta de punição é a Lei da Anistia, aprovada em 1979, que protege os autores de crimes cometidos em nome do Estado. No entanto, nos vizinhos latino-americanos, que sofreram com regimes ditatoriais e que também dispõem de legislações semelhantes, o dispositivo foi driblado com o passar dos anos. “Enquanto no Brasil a lei jamais foi efetivamente derrogada, na Argentina as medidas de impunidade foram suspensas pelo governo de Raúl Alfonsín e por sucessivas medidas parlamentares que permitiram uma série de julgamentos. Já no Chile, a Suprema Corte iniciou alguns julgamentos, mesmo com a validade da Lei de Anistia, considerando que graves violações de Direitos Humanos não podem ser objeto de perdão”, explica o pesquisador convidado da Universidade de Oxford, Marcelo Torelly, autor do livro Justiça de Transição e Estado Constitucional de Direito.
Comissão Nacional da Verdade
A criação da Comissão Nacional da Verdade (CNV), em 2012, chegou a ser vista por muitos como o início da tão esperada justiça. O dispositivo, que visa apurar os delitos ocorridos entre 1946 e 1988, tinha tudo para desembocar em processos e punições, mas o caminho ainda é longo. “A CNV tem cumprido um papel fundamental de permitir que a população conheça o que foram as violações de Direitos Humanos que aconteceram durante o regime e qual foi a extensão desses crimes. Isso pode criar um movimento para que essas violações sejam enfrentadas pelo judiciário, que é algo que não aconteceu até o momento”, ressalta Torelly, que entre 2007 e 2013 também fez parte da comissão de anistia do ministério brasileiro da Justiça. Para ele, o fato de se conhecer exatamente o contexto da repressão pode avançar o processo. “Muito da impunidade no Brasil repousa nessa ideia que de o país teve uma ditadura menos severa que as ditaduras vizinhas, o que nao é verdade. As pessoas desconhecem o que aconteceu pela combinação da censura com a falta de abertura de arquivos”, analisa.
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