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Saúde em dia

Oito milhões de brasileiros são viciados em internet, aponta estudo

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Dois documentários exibidos na edição deste ano do festival de cinema de Sundance, que terminou no último fim de semana, o “Web Junkie” e o “Love Child”, causaram um grande impacto e reabriram as discussões sobre as consequências que o uso desenfreado da internet podem acarretar. No Brasil, o vício em novas tecnologias, especialmente de usuários jovens, é um assunto frequente na mídia e uma preocupação de pais e educadores. Uma recente pesquisa do Hospital das Clínicas de São Paulo aponta que oito milhões de pessoas apresentam sintomas de dependência na rede, o que corresponde a 4% da população nacional.

A necessidade de estar constantemente online é um dos principais sintomas da dependência em internet.
A necessidade de estar constantemente online é um dos principais sintomas da dependência em internet. Flickr/Creative Commons
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O festival de Sundance trouxe este ano dois documentários sobre casos extremos da dependência em novas tecnologias. O triste "Love Child", da diretora Valerie Veatch, se concentra em um fato que abalou a Coreia do Sul em 2010. O vício de um casal em jogos de rede era tão intenso que o tempo que passavam em cyber cafés era maior do que o dedicado a seu bebê, que acabou morrendo de desnutrição.

Já o documentário "Web Junkie", das israelenses Shosh Shlam e Hilla Medalia, relata a rotina de adolescentes dependentes da web em centros militares de desintoxicação na China - o primeiro país no mundo que passou a considerar a dependência da internet como uma doença. Atualmente, cerca de 400 centros de tratamento deste distúrbio abrigam adolescentes de 13 a 18 anos considerados viciados na rede ou em jogos online, estimados em 24 milhões.

A presidente do Conselho Federal de Psicologia, Mariza Monteiro Borges, se diz cética quanto à caracterização da dependência em internet como uma patologia. Em entrevista à RFI, ela criticou os tratamentos forçados e que isolam o paciente "para uma chamada ‘desintoxicação’ – um termo completamente inadequado, já que a intoxicação se dá através de substâncias químicas. Há jovens que são levados dopados para estes lugares”, diz. Para ela, o objetivo deste tipo de tratamento realizado na China é de “criar indivíduos dóceis, obedientes e disciplinados”.

Dra. Mariza defende que não há evidências que mostrem que o uso exagerado da internet possa ser uma doença. “Em momentos distintos da nossa História, os avanços tecnológicos foram vistos como algo que poderia desorganizar a sociedade. Este fenômeno foi vivido no período em que a imprensa foi inventada, o mesmo aconteceu com o cinema e com o desenvolvimento de quase todos os meios de comunicação. E nenhuma das previsões pessimistas quanto ao aparecimento de cada nova tecnologia se converteram em realidade”, explica.

Abuso versus vício

A mestre em saúde mental e diretora do instituto PsicoInfo, Luciana Nunes, acredita que é necessário diferenciar vício de abuso de utilização da rede. A psicóloga estima que 10% dos internautas brasileiros acessam a internet de forma excessiva. “Na prática, cerca de 4% dos internautas brasileiros apresentam sintomas do vício à web”, ressalta.

Luciana enumera os principais indícios deste problema: a preocupação constante em estar online ou offline; a necessidade contínua e crescente de utilizar a rede para suprir algum tipo de excitação ou necessidade; a irritação ao tentar reduzir o tempo conectado; a utilização da internet como tentativa de fugir dos problemas ou de aliviar alguns sentimentos relacionados à ansiedade ou depressão, entre outros. “Também há casos em que a pessoa começa a mentir para os familiares ou as pessoas mais próximas, com o objetivo de encobrir aquele envolvimento exagerado nas atividades online”, reitera.

Para a psicóloga, um dos pontos mais graves do vício é quando o uso excessivo da internet começa a comprometer as relações sociais, afetivas e profissionais do indivíduo. “Se o internauta começa a se interessar somente por atividades dentro da rede, a deixar de lado programas sociais que antes eram prazerosos, a ter problemas de relacionamento com sua família e amigos e, além disso, não consegue gerenciar suas atividades profissionais, é sinal de que a dependência em internet se tornou realmente grave”, completa.

O editor do portal RMax, Richard Max, se diz “100% viciado na internet”. Ele reconhece alguns destes sintomas citados pela psicóloga em seu comportamento e conta que sente dificuldades ao tentar controlar seu acesso à internet.

“Eu uso Facebook, Twitter, Whatsapp, FourSquare, tudo o que for possível, e quase o dia inteiro através do celular. Se estou jantando, estou olhando o celular. Se estou assistindo à televisão, estou mandando mensagem ou lendo alguma coisa na internet que alguém me enviou. Quando acordo, antes de fazer qualquer outra coisa, eu vou consultar meu celular pra ver o que aconteceu, ou se alguém me mandou alguma mensagem ou e-mail. Eu sinto que há mais pontos negativos de estar sempre online, mas chego a abrir mão até mesmo da minha vida social. Se tento me controlar, me sinto estressado. Às vezes minha esposa reclama e tira o celular da minha mão, mas, sem ele, é como se faltasse alguma coisa”, conta.

Responsabilidade e bom senso

O psicólogo coordenador do grupo Dependência de Internet do Hospital das Clínicas de São Paulo, Cristiano Nabuco de Abreu, acredita que a utilização responsável da internet, baseada no bom senso, é a chave para se auto-educar quanto a um acesso correto à rede.

Ele alerta que até hoje ainda não há estudos que mostrem de forma exata todos os tipos de conseqüência que o uso desenfreado da internet pode causar. “Há um número grande de pesquisas hoje que mostram que esse exagero quanto à exposição dos indivíduos às novas tecnologias resultam no déficit de atenção dos usuários. Atualmente, estudos estimam que a concentração de um jovem se limita a 3 minutos”, sublinha.

O especialista também aponta que outros problemas podem estar por trás desta dependência da rede. “A pessoa que não consegue ter uma vida sexual satisfatória vai abusar dos sites de pornografia e erotismo. Quem se sente carente socialmente, vai apelar para as redes sociais. Jovens que se isolam, que têm dificuldades para fazer amizades, podem recorrer a jogos em rede”, analisa. Para ele, este “aprisionamento”, é o que leva o uso das plataformas como uma forma de compensação.
 

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