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Reportagem

Para especialista, negociação sobre taxa de retorno motivou adiamento de trem-bala

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Por várias razões políticas e econômicas, o governo federal adiou pela terceira vez o prazo para a apresentação de candidatos para a construção do trem-bala entre o Rio de Janeiro e São Paulo. Por trás desta decisão está também um jogo de forças entre o poder público e as empresas interessadas sobre a margem de lucro que a gigantesca obra vai resultar para as companhias, tendo a corrupção no setor da infraestrutura como pano de fundo.

César Borges, Ministro dos Transportes do Brasil.
César Borges, Ministro dos Transportes do Brasil. Wikipedia
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Na opinião de José Carlos de Oliveira, professor de direito administrativo da Unesp e especialista em licitações, esta negociação comercial é a principal razão de duas interessadas na obra, a alemã Siemens e o consórcio espanhol Renfe e Talgo, terem pedido mais prazo para apresentar um projeto. Com apenas uma companhia oficialmente interessada, a francesa Alstom, o governo achou melhor adiar todo o processo, que não deve ocorrer antes de “pelo menos um ano”, de acordo com o ministro dos Transportes, César Borges.

“As empresas criam uma barreira com o governo para impor uma determinada vontade. Desde o início ficou muito claro que elas querem uma taxa de retorno interno bem mais alta do que a que o governo se dispõe a aceitar”, afirma Oliveira. Brasília gostaria que este índice fosse de em torno de 7%, mas as empresas gostariam de aumentá-lo para 8,5%. As companhias alegam que outros custos, como os da corrupção ou da demora por licenças ambientais, tornam as obras mais caras do que as previsões. “O panorama de fundo, que na verdade é o que se discute, é essa taxa”.

Eduardo Padilha, especialista em infrestrutura do Insper, em São Paulo, acha que o governo federal se impõe demais nas negociações com a iniciativa privada, o que acaba afastando as empresas. “Em vez de deixar temas como as taxas de retorno serem regulados em leilão, o governo tenta forçar para que negócio seja extremamente regulado. Mas quando você regula demais, você tem que diminuir os riscos – mas ele ainda transfere todo o risco de demanda para o operador”, explica o professor, que também é consultor para empresas do setor. “Existe uma soberba do governo de achar que investir em um país maduro, como os europeus, é muito parecido com investir aqui. E nós sabemos que não é.”

Escândalos de corrupção

O prazo para a entrega das candidaturas, que deveria se encerrar nesta sexta, acontecia em um momento de pleno desgaste do setor, com o escândalo de propinas pagas pela Siemens e provavelmente outras empresas a membros do governo de São Paulo. Para Oliveira, nada garante que futuras licitações estarão a salvo deste problema.

“Aquele que tem de ser fiscalizado promove benefícios para o fiscalizador. E o fiscalizador faz de conta que não vê nada”, ironiza. “Existe um submundo de proteção, embora a nossa legislação seja suficiente e extremamente rígida para estes casos.”

Apesar das polêmicas, os especialistas concordam que o trem-bala entre Rio de Janeiro e São Paulo é uma obra importante. O momento político do país, entretanto, não é o mais adequado para um gasto estimado de 38 bilhões de reais, enquanto a mobilidade urbana nas cidades permanece precária. O engenheiro dos Transportes Hostílio Ratton Neto, da UFRJ, avalia que além de desafogar aeroportos e rodovias, a opção pelo trem também é mais ecológica.

“A gente tem hoje cerca de 95% dos deslocamentos de pessoas utilizando transporte com combustível não-renovável, o que no futuro é insustentável”, argumenta. “O trem de alta velocidade usa energia elétrica, que no Brasil é majoritariamente de fonte renovável. Acho que o trem de Rio a São Paulo deve ser o primeiro de vários outros trechos.”

 

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