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“O que faz uma família é o afeto”: Luta LGBT+ em vias de mais uma conquista

Conselho de Ministros da França analisou nesta quarta-feira (24) o projeto de lei que permite aos casais de mulheres lésbicas fazer inseminação artificial. No Brasil, a prática foi institucionalizada em 2013 e entidades civis lutam para que avanços como este não sejam ameaçados.

O Conselho dos Ministros do presidente Macron recebeu o projeto de Lei Bioética, medida que estende a Reprodução Assistida e garante o procedimento de inseminação artificial a todas as mulheres
O Conselho dos Ministros do presidente Macron recebeu o projeto de Lei Bioética, medida que estende a Reprodução Assistida e garante o procedimento de inseminação artificial a todas as mulheres ERIC CABANIS / AFP
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Lucas Senra, colaboração para a RFI

O Conselho dos Ministros do presidente Emmanuel Macron recebeu nesta quarta-feira o projeto de Lei Bioética, medida que estende a Reprodução Assistida (PMA, na sigla em francês), e garante o procedimento de inseminação artificial a todas as mulheres, incluindo aos casais de lésbicas e as solteiras. Se aprovada, a matéria é considera a primeira grande reforma do Governo na área de direitos individuais.

O texto, apresentado pelas ministras Agnès Buzyn (Saúde), Nicole Belloubet (Justiça), e Frédérique Vidal (Ensino Superior, Pesquisa e Inovação), contém 32 artigos, que além da abrangência do tratamento, traz pontos referentes ao fim do anonimato do doador do esperma e questões de pertinência médica, como pesquisas embrionárias, congelamento de óvulos para mulheres acima de 35 anos, e testes genéticos com células-tronco embrionárias, que segundo a ministra Vidal, auxiliará no tratamento de doenças cardíacas, hepáticas, entre outras. .

A inseminação artificial corresponde a 3,4% dos processos de natalidade na França. A lei atual em vigor, de 1994, limita a Reprodução Assistida aos casais heterossexuais; em setembro de 2018, o Comitê de consulta nacional sobre ética validou o projeto de revisão deste texto. A abertura do PMA de forma irrestrita é uma reivindicação defendida há vários anos pelas associações dos direitos LGBT+. Após apreciação pelo Conselho de Ministros, o texto será enviado em setembro para Assembleia Nacional.

Um direito e uma necessidade

A militante Laurènce Chesnel, do coletivo Inter-LGBT, organizadora da “Marche de Fiertés”, a Parada LGBT+ de maior abrangência na França, está confiante de que o texto irá ser aprovado na Assembleia. “Finalmente estamos prestes a ter um texto que permite a abertura da Procriação Assistida a todas as outras mulheres que até então estão excluídas. Para nós, é um grande avanço esta autonomia das mulheres, e o reconhecimento de sua família homoparental”, disse em entrevista à RFI Brasil.

O projeto, que já havia sido discutido antes no Parlamento, foi engavetado por falta de consenso. A expectativa agora é que no Palácio Bourbon parte dos deputados da ala conservadora continue rejeitando o novo texto. Do grupo, a grande maioria é do partido Os Republicanos, que ocupa 104 das 577 cadeiras. Eles já se posicionam abertamente de maneira contrária ao que está sendo apresentado. No entanto, o governo Macron possui ampla maioria, sendo 304 deputados vinculados ao República Em Marcha, mesmo partido do presidente. O primeiro-ministro francês, Edouard Philippe, disse estar convicto que o parlamento terá um debate “sério e sereno” acerca da matéria.

Laurènce se mostra otimista com a eventual aprovação da revisão da Lei Bioética: “Esse direito nos legitima, nos beneficia ao sermos encaradas como iguais perante a sociedade, permite nos proteger contra a discriminação. A lei será uma concretização do nosso direito em ter uma família, agora poderemos de fato fundar a nossa”. Sobre o engajamento do coletivo, ela ressalta: “Ainda tem muito trabalho a ser feito, sobretudo no plano da educação; por isso, precisamos nos mobilizar, fazer com que o poder público aja, e mostrar que a comunidade LGBT não está sozinha, ela tem seus aliados”.

Família homoparental: amor e engajamento

A legislação brasileira, na PL n° 2855, de 1997, prevê em seu artigo 4° que “toda mulher capaz, independentemente de seu estado civil, poderá ser usuária das técnicas de Reprodução Humana Assistida”. Ainda não havia um tópico especificando a inseminação feita por casais lésbicos, mas a partir de 2013, quando o casamento homoafetivo vigorou no Brasil, as famílias homoparentais puderam ser constituídas a partir das adoções.

No mesmo ano, o Conselho Federal de Medicina publicou resolução que definiu o direito de casais femininos terem o direito de recorrer à Reprodução Assistida, o que acontece de duas formas, com a inseminação artificial, retirando o material genético do banco de sêmen, ou através da fertilização in vitro, que permite que uma das mulheres possa conceber um filho legitimo do casal.

A jornalista Marília Serra, de 48 anos, é mãe de 3 crianças. A mais velha foi concebida pela sua então companheira e ela deu à luz a gêmeos anos depois. Em 2010, período do nascimento das crianças, ainda não era possível o registo imediato dos bebês por parte do casal, tendo elas que recorrerem a um tramite jurídico de adoção, até posteriormente registrá-los com o nome de ambas as mães.

Famílias constituídas por casais homoafetivos no Brasil, assim como em todo o mundo, ainda é algo que extrapola os limites da privacidade familiar e atinge os cenários políticos. Diante da necessidade de garantir os direitos conquistados, no ano de 2015 foi criada a Associação Brasileira de Famílias Homotransafetivas (ABRAFH). No início, se tratava de reuniões de confraternização e trocas de experiências, mas logo assumiu este papel de dar voz às reinvindicações. O grupo, que chegou a atuar em seminários no Congresso brasileiro sobre os direitos LGBT+, quer sobretudo ser visto e ouvido: “ Queremos que eles ouçam a nossa voz. Quando a gente ouve família no singular, a gente sempre sente essa agressão; somos pagadores de impostos, somos cidadãos comuns, exigimos a defesa da nossa família, não importa a sua configuração”, afirma Marília.

Idas e vindas

Marília avalia que apesar dos avanços recentes, o Brasil atualmente vive um retrocesso, o que é perceptível através da perseguição de Organizações não Governamentais, sendo estas cada vez mais afastadas das discussões. No entanto, avalia que existem instituições no governo que estão avançando as pautas de forma a assegurar os direitos adquiridos, como a decisão do STF de enquadrar a homofobia no mesmo crime de racismo, por exemplo.

Contudo, muito deste avanço se deve sobretudo às militâncias que há anos mantém vivas essa luta, “inclusive de mães que já perderam filhos para a homofobia”. Segundo ela, a ABRAFH foi criada para proteger suas famílias e suas crianças vítimas de bulling, acompanhar as pautas de discussões e ampliar os mecanismos de reinvindicação: “A gente quer respeito, inclusive da retórica do nosso atual representante, que não representa ninguém; essa agressão verbal diária é terrível porque acaba influindo no comportamento das pessoas que o segue. Esse preconceito não nos inclui em nada, fazem mil agressões para tentar desviar a atenção do foco do problema, que é não legitimar, não reconhecer que nossas famílias existem. O que nós queremos é somente respeito e uma vida segura”.

A jornalista reitera: “O movimento continua, apesar deste sentimento de apreensão e incômodo gerado pelo discurso reacionário. O que faz uma família é o amor e o afeto, é isso o que a gente defende; eu gostaria que não nos esquecessem quando forem analisar as políticas e as leis”.

Segundo a legislação, o Sistema Único de Saúde deve cobrir todo e qualquer método destinado ao planejamento familiar visando a gravidez, e que a mulher que desejar passar por este tratamento, deve se dirigir até a Unidade de Saúde Pública para a realização detalhada de exames a fim de analisar a possibilidade concreta da realização de tais meios de reprodução artificial.

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