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Christiane Jatahy em Avignon: “Há no Brasil um pensamento ditatorial para calar a diferença”

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Celebrada na cena teatral europeia, a carioca Christiane Jatahy, que apresenta a partir dessa sexta-feira (5) no Festival de Avignon sua peça “O Agora que Demora”, acredita que tem uma missão no exterior: falar sobre a situação do Brasil atual. Ela aceita como elogio o fato de ser apresentada como “ativista do teatro” e insiste que “quanto mais oportunidades, maior é a responsabilidade do artista”.

Christiane Jatahy estreia peça “O Agora que Demora” em Avignon
Christiane Jatahy estreia peça “O Agora que Demora” em Avignon Siegfried Forster / RFI
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Não faltam oportunidades nesse momento para Jatahy se expressar. Primeira e única diretora brasileira a encenar uma peça na reputada Comédie Française em 2017, ela inova o teatro contemporâneo europeu com sua linguagem cênica ao mesmo tempo criativa e engajada. O interesse da crítica especializada é tal, que a grande mídia francesa enviou jornalistas para entrevistá-la em São Paulo antes da estreia europeia de sua peça nesse festival.

Em entrevista exclusiva à RFI em Avignon, ela explica porque o seu “lugar de fala atual” é explicar o que está acontecendo com o povo brasileiro. A diretora faz um paralelo entre a longa viagem de Ulisses a sua Ítaca natal, narrada pela Odisseia de Homero que inspira a sua peça, e o Brasil: “Não acredito que existirá um Ulisses herói que salvará Ítaca. Os Ulisses e as Penélopes somos todos nós em busca de nossos desejos”, diz ela.

“Ulisses reais”

Para realizar a peça “O Agora que Demora”, segunda parte de seu vasto trabalho sobre a Odisseia do poeta grego Homero, que começou com o espetáculo Ítaca em 2018, Christiane foi ao encontro dos “Ulisses reais”, ou seja, os migrantes, os exilados, os que são injustiçados em seus próprios países. Ela filmou durante quatro meses testemunhos na Palestina, no Líbano, na África do Sul, terminando a sua Odisseia junto aos índios Kaiapó na Amazônia. 

“Eu quis falar da questão dos refugiados porque os muros estão cada vez maiores. Mais as paredes se fecham. Por isso é absurdo essa pregação contra essas pessoas que não vêm roubar um lugar e sim se salvar”, ressalta ela. Para criar essa peça, ela recolhe histórias de pessoas que estão em transição, nas fronteiras, e lembra que a situação do exilado “é sempre uma situação de melancolia”.

Porque os testemunhos dos povos da Amazônia? Jatahy acha importante dizer que o exilio não é só o fato de sair do país. “Sermos exilados dos nossos direitos é uma maneira também de exílio. É o caso dos índios Kaiapó, que podem ser exilados de suas terras”.

Criminalização dos artistas 

A diretora de teatro não perde oportunidades também para denunciar o que ela chama de uma privação dos direitos de expressão no Brasil. “A gente tem sido exilada de nossos direitos a cada dia”, lamenta. “Eu nasci numa ditadura, cresci numa ditadura, gritei pelo fim dessa ditadura, meus pais lutaram pelo fim dessa ditadura. É muito impressionante que, tão proximamente, a gente esteja convivendo com uma sociedade que pensa como esse governo, que deseja a volta de um estado de restrição, de expulsão, de não ver os brasileiros com igualdade, de não aceitar as diferenças”. E cita uma bela frase que ouviu de um índio Kaiapó : “Afinal, nós somos todos brasileiros”.

Jatahy faz questão de ressaltar à imprensa internacional um contexto de cerceamento da liberdade de expressão artística: “Estamos vivendo a criminalização dos artistas, dos intelectuais, a criminalização do pensamento e um desejo de calar. Isso é um pensamento ditatorial: calar a diferença”, conclui.

A peça “O Agora que Demora” que fez uma temporada no Sesc Pinheiros, em São Paulo, no mês de junho passado, fica em cartaz no Festival de Avignon até 11 de julho.

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