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Dança/França

Montpellier Danse celebra centenário de Merce Cunningham, pioneiro da dança contemporânea

Com um programação imperdível e praticamente todas as apresentações com ingressos já esgotados, a 39ª edição do festival Montpellier Danse, um dos maiores encontros da dança contemporânea da França, abre suas portas neste sábado (22) para celebrar a arte de um de seus ícones, o pioneiro norte-americano Merce Cunningham, com duas obras revisitadas pelo balé da Ópera de Lyon: Summerspace (1958) e Exchange (1978). No cardápio, o festival traz ainda o esperado retorno de William Forsythe com a estreia de A Quiet Evening of Dance e a nova criação da belga Anne Therese de Keersmaeker, Les six Concertos brandebourgeois, além de jovens talentos emergentes dos quatro cantos do planeta. Jean-Paul Montanari, diretor de Montpellier Danse e personalidade indiscutível no meio da dança na França, conversou com a RFI sobre os destaques desta edição, que deve ser a penúltima sob sua batuta.

O bailarino e coreógrafo Merce Cunningham (à esq. na cadeira de rodas, ao lado de Trevor Carlson), que morreu aos 90 anos em 2009, completaria 100 anos este ano e é o grande homenageado do festival Montpellier Danse 2019.
O bailarino e coreógrafo Merce Cunningham (à esq. na cadeira de rodas, ao lado de Trevor Carlson), que morreu aos 90 anos em 2009, completaria 100 anos este ano e é o grande homenageado do festival Montpellier Danse 2019. Foto: Montpellier Danse/Lourdes Delgado
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Quando morreu aos 90 anos de idade, em 2009, Merce Cunningham pediu que uma parte de suas cinzas fosse espalhada pela Agora, antigo Convento das Ursulinas do século 14, que se transformou na Cité Internationale de La Danse (Cidade Internacional da Dança, em português), sede do festival Montpellier Danse, que celebra há quase 40 anos a dança contemporânea.

“Merce Cunningham esteve presente desde muito cedo aqui no festival. Desde que assumi a direção de Montpellier Danse, já tinha desejo de convidá-lo para se apresentar na programação. Cunningham já aparecia, no fim dos anos 1980, como o grande coreógrafo do século 20, o grande criador da modernidade coreográfica”, conta Jean-Paul Montanari.

“Sua arte e a de Trisha Brown me convenceram a abandonar o teatro onde trabalhava para me consagrar à dança. Porque Cunningham impunha a dança como uma arte de primeira grandeza, que se desenvolvia de uma maneira extraordinário”, conta o diretor veterano. A presença de Merce se impôs em Montpellier até a criação, em 1998, “desta peça imensa que é Ocean”, lembra Montanari. “Produzimos a obra no Zenith de Montpellier. Eram necessários 102 músicos para tocar a partitura composta por [John] Cage (parceiro e companheiro de Cunningham), e a orquestra de Montpellier topou participar”, diz.

Montanari lembra que o coreógrafo norte-americano teve “uma relação de amor durante décadas com a cidade”. “Fiquei muito emocionado quando recebi suas cinzas, após sua morte, porque ele queria que uma parte dele ficasse para sempre em alguns lugares aqui do festival, lugares que ele amava muito, como a Agora”, conta.

A grande cena nova-iorquina

Para Jean-Paul Montanari, a 39ª edição do festival pretende trazer um testemunho da vitalidade da dança em Nova Iorque no século passado, um cenário que trazia artistas como Merce Cunningham, Trisha Brown e Marta Graham. “Nestas algumas décadas do meio do século passado, Nova Iorque era incontestavelmente a grande meca, a capital absoluta da criação coreográfica moderna”, lembra o diretor.

E qual seria a meca da dança contemporânea em 2019? “É mais difuso, mas eu falaria a Europa, sem dúvida. Um pouco em Bruxelas (Bélgica), é inegável, e também com certeza em Berlim, mas cada vez menos. Paris continua sendo uma cidade onde se concentram muitos artistas. Curiosamente Tel-Aviv (Israel) vem se tornando também uma grande capital coreográfica, com muitos dançarinos, um lugar onde muitas formas novas de dança são inventadas. É disso que se trata a vitalidade de uma cidade enquanto lugar coreográfico”, avalia.

“O tempo e as condições políticas e econômicas farão com que não haja, daqui para frente, apenas uma capital da dança no mundo. Historicamente, se essa capital foi Nova Iorque no meio do século passado, foi por razões muito específicas”, analisa Montanari. Jean-Paul não acredita, no entanto, que os novos centros da criação coreográfica se desloquem nesse momento para continentes abaixo da linha do Equador. “Infelizmente, é uma questão econômica, conhecemos e amamos criadores como [a brasileira] Lia Rodrigues, mas conhecemos as terríveis condições financeiras que ela enfrenta no Brasil. Sem fomento aos artistas, não existe possibilidade de um desenvolvimento verdadeiro da dança”, diz.

“Regimes autoritários não são favoráveis aos artistas. Não se pode desenvolver um imaginário num país, por exemplo, como a China, um imenso país, sem dúvida um imenso reservatório de artistas, mas reduzidos ao silêncio”, afirma. E o Brasil? “Conheço menos o Brasil, precisamos esperar um pouco. É certo que o desenvolvimento econômico de grandes cidades como Rio ou São Paulo pode dar espaço a artistas e companhias importantes", avalia.

Mas será que isso será suficiente para que o imaginário da dança contemporânea se desloque para um desses países? Talvez, veja o Marrocos, que começa a produzir, inclusive no plano coreográfico, aristas interessantes”, afirma Montanari. “Um dos países mais interessante hoje em dia, na Europa, é com certeza a Grécia, do coreógrafo Dimitris Papaioannu”, lembra. “Só existe uma regra geral, na origem de tudo: há sempre um grande artista que começa a surgir, seja Papaioannu em Atenas, seja Ohad Naharin da companhia Batsheva, em Tel Aviv, seja Anne Therese de Keersmaeker em Bruxelas”, diz.

A volta de William Forsythe

Cena de "A Quiet Evening of Dance", nova criação de William Forsythe.
Cena de "A Quiet Evening of Dance", nova criação de William Forsythe. Montpellier Danse/Bill Cooper

Segundo Jean-Paul Montanari, além da extensa programação dedicada a Merce Cunningham, o grande momento do “verão coreográfico” de Montpellier Danse 2019 será “a volta de William Forsythe”. “Depois de experiências variadas, inclusive nas artes plásticas, ele volta com uma grande obra de dança, A Quiet Evening of Dance, com um grupo de bailarinos excepcionais de Los Angeles, na Califórnia. Ele deixou a Europa e voltou para os Estados Unidos, hoje mora perto de Nova Iorque”, relata o diretor.

Anne Therese de Keersmaeker apresenta seu Les six Concertos brandebourgeois, recentemente estreado em Berlim, há poucas semanas. “Já posso confirmá-la inclusive para o ano que vem, ela deve retomar as Variações Goldberg de Bach ao piano, dizem que ela mesma deverá apresentar a peça, terminando então seu tríptico sobre Jean-Sébastien Bach”, diz Montanari.

Este ano, Montpellier Danse traz ainda uma série de jovens criadores, mais ou menos já conhecidos do público francês como Miguel Guterrez (This Bridge Called My Ass), Angelin Preljocaj (Soul Kitchen, criado dentro de um presídio feminino, com detentas), o senegalês Amala Dianor (The Falling Stardust, com grande influência da cultura hip hop) ou a canadense Dana Michel (Cutlass Spring).

“Este ano praticamente não temos mais ingressos para nenhuma apresentação. Temos um programa imponente em 2019, mas é importante ressaltar que estamos na 39ª edição do festival, há décadas trabalhamos esse público que ama a dança em Montpellier (Sul) e na região”, comemora o diretor do festival, Jean-Paul Montanari, personalidade histórica do panorama da dança na França, que deve deixar abandonar a batuta de Montpellier Danse em 2020. “Será meu último festival. Serão 40 anos à frente desta programação, está na hora de parar”, diz.

O festival Montpellier Danse fica em cartaz até o dia 6 de julho.

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