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Produtores europeus não têm razão para temer acordo UE-Mercosul, diz Marcos Troyjo

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Um dos principais articuladores do acordo histórico entre a União Europeia e o Mercosul, o secretário de Comércio Exterior e Assuntos Internacionais do Ministério da Economia, Marcos Troyjo, responde às preocupações de representantes do governo francês que deixaram claro, nesta terça-feira (2), que a ratificação do tratado não será simples. Professor, economista, cientista político e diplomata, ele explica como esse pacto poderá facilitar a inserção de Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai em cadeias da economia mundial.

Marcos Troyjo, Secretário de Comércio Exterior e Assuntos Internacionais do Ministério da Economia.
Marcos Troyjo, Secretário de Comércio Exterior e Assuntos Internacionais do Ministério da Economia. Divulgação
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“É uma negociação muito longa, do final dos anos 1990, quando o mundo se organizava em torno de gigantescos blocos comerciais, um processo que até ultrapassou as fronteiras da economia, no caso europeu, com a criação de um parlamento comum em Bruxelas e de uma corte comum em Estrasburgo”, contextualiza Marcos Troyjo. “O Mercosul também se converteu numa união aduaneira, passando a praticar uma tarifa externa comum. Mas depois, a partir dos anos 2000, sobretudo por causa da relutância da Europa em ter uma posição mais aberta às exportações do agronegócio brasileiro, as negociações acabaram esfriando”, completa.

A ascensão da China, que acabou absorvendo uma parte importante das commodities agrícolas do Mercosul também atrasou as negociações, segundo o secretário. “E a percepção de que o acordo deveria ser uma prioridade para os dois blocos só veio mais recentemente, de uns dois anos e meio para cá,” lembra. 

Porém, quatro dias depois da assinatura do acordo, o ministro francês do Meio Ambiente, François de Rugy, afirmou que o tratado "só será ratificado se o Brasil respeitar os seus compromissos", especialmente em relação à luta contra o desmatamento da Amazônia. Mais cedo, a porta-voz do governo francês, Sibeth Ndiaye, havia indicado que "a França não está pronta para ratificar" o compromisso.

“São países democráticos que formam esse acordo de associação Mercosul-União Europeia. Haverá debates. Eu acho que não há motivo de preocupação”, afirma o secretário de Comércio Exterior brasileiro. “A política do Brasil é de preservação, de utilização sustentável dos recursos naturais e eu tenho certeza que o povo francês e os diferentes atores da sociedade francesa vão perceber que é um bom acordo para a França”, diz. 

Sem motivos para receio

Agricultores europeus, no entanto, temem a concorrência desleal de produtores do Mercosul.

“Não há nenhuma razão para esse receio”, responde Troyjo. “O Brasil e os países do Mercosul têm vantagens comparativas em algumas áreas e fazem negócios em diferentes partes do mundo. Muitos deles têm os seus principais parceiros no Sudeste Asiático. Além disso, nós estamos aderindo a regras bastante claras, portanto não há motivo de preocupação. O que haverá é acesso a novos negócios e aos produtos de qualidade feitos no Mercosul. Produtos mais baratos, com mais gama de escolha, isso vale para os dois lados”, afirma.

As negociações do acordo UE-Mercosul foram criticadas em uma carta aberta por mais de 300 ONGs da Europa e da América do Sul, incluindo o Greenpeace e Amigos da Terra, por questões ligadas ao meio ambiente e aos direitos humanos.

“Eu acho natural, vemos esse tipo de reação em outros acordos internacionais firmados e vai ser muito importante que nós e nossos sócios europeus tenhamos uma boa comunicação e mostremos, de maneira clara, os benefícios do novo tratado, que eu tenho certeza vai vencer muitas resistências”, acredita.

Um bom negócio para os dois lados.

Apesar de gerar controvérsias na Europa, Marcos Troyjo mostra que o acordo será vantajoso para os dois lados.

“Os europeus estão se associando a um mercado de 260 milhões de pessoas, que tem como principal ator a oitava maior economia do mundo, a segunda maior do continente americano e maior da América Latina”.

Já para o Brasil, o novo pacto comercial significa uma mudança de modelo, de um comportamento comercial mais insular, baseado no protecionismo e nas substituições de importações, por mais abertura.

“A filosofia de política industrial e comercial do Brasil sempre foi a do protecionismo, a do nacional-desenvolvimentismo, uma filosofia que emerge nos anos 1940 e que ganhou muita força entre nós. E ela teve efeitos positivos durante um certo tempo”, diz.

“Mas se você analisar a experiência de sucesso de países de industrialização recente do Sudeste Asiático, você vai perceber que eles também adotaram políticas de substituição de importações, mas com métricas de sucesso ou fracasso muito claras e fizeram substituição de importações não para conseguir reserva de mercado interno, mas para promover exportações”, explica. 

“Hoje nós somos um país de 210 milhões de pessoas que está enfrentando uma outra década perdida justamente pelo seu isolamento, por políticas de ‘campeões nacionais’ por protecionismo comercial e políticas industriais ultrapassadas, que acabaram criando o ecossistema perfeito para que a corrupção também florescesse”, diz Marcos Troyjo. 

Mudança de rumo

O presidente Jair Bolsonaro, que tem sofrido duras críticas no exterior, muitas delas ligadas a dificuldades de diálogo em âmbito internacional, teve, segundo Troyjo, um papel importante no fechamento desse acordo.

“O presidente Bolsonaro nos orientou a fazer negócios com todos os países do mundo sem viés ideológico. Além disso, por compartilhar perspectivas semelhantes com o presidente Mauricio Macri, da Argentina, permitiu um alinhamento que é bastante raro nas relações Brasil-Argentina e mesmo na postura negociadora do Mercosul. Isso nos permitiu vencer dificuldades internas e partimos de mãos dadas com Paraguai e Uruguai e conseguimos chegar ao maior acordo comercial da história envolvendo blocos econômicos”.

O acordo abrange quase 90% da atividade econômica da UE e do Mercosul, incluindo o setor agrícola, serviços, tecnologia, serviços financeiros e bens manufaturados.

“É um acordo muito abrangente, que envolve mais de 90% de toda a atividade econômica da UE e do Mercosul, numa dinâmica gradativa, o que vai fazer com que produtores tenham tempo necessário para adaptações. E no caso especifico do Brasil, para que as reformas estruturais possam ganhar corpo”, acredita. “Se tem uma lição que a história nos mostra é que os acordos internacionais funcionam como um acelerador de reformas internas, para poder competir externamente”, argumenta. 

Atualmente, somando-se as exportações e importações brasileiras chega-se a 23% do PIB. É uma das menores proporções, entre as 15 maiores economias do mundo. Um resultado que, segundo Troyjo, se deve ao isolamento comercial do país.

“O Brasil e a Argentina adotaram, durante muito tempo, a doutrina de substituição de importações, enquanto negociações internacionais eram apenas uma forma de encontrar uma brecha para comercializar as suas commodities agrícolas e os bens em que tinham vantagens comparativas, e dizer não para todo o resto. Isso não pode deixar de ser levado em consideração para tentar explicar, no caso do Brasil, esses 40 anos de marasmo econômico. Portanto com essa mudança de patamar mais voltada para cadeias de produção global, aumentando a corrente de comércio, o Brasil começa a vencer uma anomalia que sempre caracterizou o nosso perfil econômico: que foi ter na corrente de comércio, ou seja, na soma de exportações e importações uma parcela muito pequena do nosso Produto Interno Bruto”.

A força das exportações

O Ministério da Economia calcula que o pacto entre Mercosul e União Europeia representará um aumento do PIB brasileiro de US$ 87,5 bilhões a US$ 125 bilhões, em 15 anos.

“Eu diria que esse número é maior, porque está centrado na relação Mercosul-UE. Mas um país como o Brasil, que faz parte do Mercosul e tem esse tipo de acordo, passa a ser visto com outros olhos por terceiros mercados. Eu acho que um dos principais impactos positivos desse acordo vai ser a mudança qualitativa da natureza do investimento estrangeiro direto que vem para o Brasil”, acrescenta o secretário de Comércio Exterior e Assuntos Internacionais do Ministério da Economia.

“Porque no momento em que um país de 210 milhões de pessoas está fechado por barreiras protecionistas, o investimento vem para produzir localmente e para vender localmente. Ao contrário dos países de mais sucesso que se tornaram centros de exportação. Com essa nova fase, o Brasil ganha porque tem a escala e o volume necessários do ponto de vista do mercado interno, mas é também um lugar onde as empresas podem juntar as suas diferentes fases de produção e agregar valor com vistas, também, a exportação”, estima.

“Outros países que conseguiram uma arremetida importante nesses últimos anos, como China, Chile, Coreia do Sul e Cingapura mostram que o comércio exterior talvez seja a principal alavanca, a principal força motriz do crescimento econômico no mundo globalizado”. 

Perspectivas futuras

O texto do acordo segue agora para uma fase de revisão legal, antes de ser remetido para tradução para as diferentes línguas do Parlamento Europeu. Depois, será submetido à apreciação dos Congressos para a aprovação, um processo que deve demorar de um ano e meio a dois anos. Entretanto, já pode começar a gerar consequências.

“É um erro imaginar que vai demorar esse tempo todo para o acordo gerar efeitos. Pelo contrário. Ele já está gerando efeitos porque a economia é o resultado de fundamentos e de expectativas e as empresas já precisam colocar hoje na tela do radar que esse acordo existe, para decisões de investimento e planejamento estratégico”, diz Troyjo. “Eu acho que haverá uma expansão de joint ventures entre empresas europeias e do Mercosul, ganhando escala para aproveitar essas oportunidades, eu tenho a expectativa de um ciclo muito virtuoso para as economias da região”, conclui.  

Ouça a entrevista na íntegra, clicando na foto.

 

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