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Eleições europeias

“Europa é fênix que renasce das cinzas”: Estrasburgo se prepara para eleições europeias

A uma semana do pleito que vai definir o futuro do bloco, a cidade de Estrasburgo, sede do Parlamento europeu, reflete as hesitações e esperanças dessa nova velha ideia chamada “Europa”. Vitrine deste marco civilizatório, a cidade, na fronteira com a Alemanha, evoca através de sua história o tratado de paz que reformou o mundo após a Segunda Guerra e aposta suas fichas na renovação do pacto europeu. É o que pensam, pelo menos, parte de seus moradores que conversaram com a RFI neste sábado (18). Seja recebendo o turbilhão de turistas na cidade velha, ou nas imensas alamedas despovoadas do quarteirão europeu, neste último fim de semana antes das eleições, eles sonham com uma “Europa social” que seja capaz de refundar o já desgastado bloco econômico. Sonho ou realidade: saberemos a resposta na noite de 26 de maio.

Os vidros da sede do Parlamento Europeu em Estrasburgo, na margem esquerda do rio Reno, refletem o complexo arquitetônico do outro lado, que abriga o Conselho da Europa e seus 47 paises-membros.
Os vidros da sede do Parlamento Europeu em Estrasburgo, na margem esquerda do rio Reno, refletem o complexo arquitetônico do outro lado, que abriga o Conselho da Europa e seus 47 paises-membros. RFI/Marcia Bechara
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Enviada especial a Estrasburgo

É muito fácil perceber que você desembarcou em Estrasburgo, na região da Alsácia, no extremo leste da França. Basta olhar as bancas de jornais: enfileiradas ao lado dos principais títulos franceses, uma série de manchetes alemãs competem pelo olhar do leitor mais avisado. Um pouco mais adiante, e a constatação é inequívoca: as placas das ruas são bilíngues, em francês e alemão. Mas antes de pedir o seu chucrute e um bom vinho alsaciano para acompanhar, é bom se perguntar o que está em jogo no complexo cardápio plurinacional destas eleições europeias.

Crise migratória. Fronteiras e alfândegas. Mudanças climáticas. Ecologia. Energia nuclear. Internet. Moeda única. Brexit. Visões às vezes opostas do mundo e do bem viver, a maioria das questões levantadas pelas eleições que começam em 23 de maio é indigesta para qualquer europeu. De um lado do ringue, a liga dos populistas, encabeçada por nomes como Marine Le Pen (França), Matteo Salvini (Itália) e Geert Wilderzs (Holanda). Os “Vingadores” da extrema direita europeia receberam o apoio nesta sexta-feira (17) de seu “Capitão América”, que desembarcou em Paris pronto para novas aventuras: o ex-conselheiro de Donald Trump, o bilionário Steve Bannon, prometeu um verdadeiro “terremoto” populista nestas eleições, em entrevista ao jornal francês Le Parisien. Bannon, que é interlocutor no Brasil do deputado Eduardo Bolsonaro, filho do presidente brasileiro, a quem classificou como “líder sul-americano da direita populista”, em fevereiro deste ano.

Nada disso, no entanto, assusta Christine Dennefeld, bióloga francesa aposentada, nascida em Lille, no norte da França, e que mora em Estrasburgo desde os quatro anos de idade. “Sou muito ativa desde a juventude em atividades associativas. Participo de um coletivo que se chama ‘Por uma outra política migratória’, que federa uma quinzena de associações como a Oxfam, a Cimade, Médicos do Mundo, a Pastoral de Migrantes, Liga dos Direitos do Homem, o Comitê Católico pelo Desenvolvimento, entre outros. São associações que defendem os direitos dos migrantes e que lhes ajudam concretamente em termos de assistência médica e de documentos, por exemplo”, diz.

Uma pequena vitória, no entanto, já está garantida. Cerca de 140 candidatos franceses das 33 listas que concorrem nestas eleições europeias, já assinaram as 12 propostas sobre tudo o que concerne o universo dos refugiados e migrantes, uma iniciativa formalizada pelo coletivo de Christine. Neste domingo (19), os ativistas promovem uma grande manifestação em frente ao Parlamento Europeu, em Estrasburgo, por ocasião do evento Portas Abertas da instituição. “Achamos que seria um bom momento para interpelarmos os cidadãos sobre os migrantes. A ideia é que eles assinem a petição com as 12 iniciativas e pressionem os candidatos”, afirma.

“Somos mais acolhedores do que querem nos fazer acreditar”

“Tanta gente morre às portas da Europa. Os migrantes se desidratam no Saara, ou congelam na fronteira dos Alpes entre a Itália e a França. Nós achamos isso inadmissível”, diz Dennefeld. “A onda da extrema direita não vai nos sufocar. É um risco, mas não vai nos derrubar. Nossos países europeus são construídos a partir da migração, desde sempre. E os europeus foram migrantes durante muitos anos durante e ao fim da Segunda Guerra. Então, mais do que um risco, eu considero este momento uma oportunidade”, afirma.

“Gostaríamos de acolher dignamente os migrantes que pedem asilo. Acho, inclusive, que somos muito mais hospitaleiros e acolhedores do que querem nos fazer acreditar”, rebate Christine. “Existem muitas iniciativas cidadãs como os Estados gerais da Imigração, que reúnem 1.600 associações na França que trabalham pelos direitos dos migrantes. Sim, houve uma crise migratória em 2015, mas hoje somos capazes de acolher essas pessoas dignamente”, diz.

Perguntada se concorda com a possibilidade de um “terremoto populista”, como o evocado por Steve Bannon, Christine Dennefeld sorri. “Espero que isso não aconteça! Que as pessoas acordem antes, mas, antes de tudo, que tenham a coragem de ir votar [o voto não é obrigatório na França]. É preciso não escutar os ‘urubus de plantão’”, afirma a aposentada.  “Talvez a ideia dos alarmistas seja forçar as pessoas a irem votar. Mas isso também pode causar medo”, equaciona a aposentada.

Para Christine, o que está em jogo nestas eleições é a continuidade da Europa. “É preciso avançar nessa construção. Existe o Brexit, alguns falam em Frexit. Mas é preciso retomar os valores de base e construir uma Europa social, não uma Europa econômica. Quando vejo a quantidade de europeus se mobilizando contra as mudanças climáticas, também fico otimista. Esta é outra questão europeia essencial”, conclui.

“Europa é como a fênix, ela vai ressurgir das cinzas”

Antoine Berry é o encarregado da recepção no Lieu d’Europe, o Lugar da Europa: basicamente o lugar certo, se você deseja entender as questões centrais da micro geopolítica de Estrasburgo, cidade-vitrine e metonímia da Europa. No andar de baixo do prédio, uma exposição permanente gratuita conta, por meio de recursos digitais e audiovisuais, um pouco da exuberante história dessa vocação europeia. No segundo andar, catálogos, mapas, folders, tutoriais, cartões e cartazes em 24 idiomas explicam aos visitantes o perímetro europeu que eles acabam de cruzar. “Temos até em português, veja, recebemos visitantes de São Paulo recentemente”, conta alegremente Berry, que interrompeu seu almoço para fazer mais um tour pela instituição.

“Nasci num vilarejo aqui ao norte de Estrasburgo, onde cresci, bem típico alsaciano. A primeira vez que me senti europeu foi durante um momento que passei em Londres. Eu dividia apartamento com um italiano e uma alemã, e conversávamos em inglês. Quando voltei para a França, decidi que queria trabalhar na área de Relações Internacionais Europeias, e é por isso que vim parar aqui”, conta Antoine.

O francês de 38 anos trabalha no Lugar da Europa desde sua abertura, em 2014. “Vou votar nestas eleições europeias. Acho importante que a gente se expresse, quando temos esse direito. Pouco importa qual o pleito, o partido. É um dever, mas é também uma possibilidade”, diz. Pergunto a Antoine se ele teme que a extrema direita consiga cadeiras o suficiente no Parlamento para realizar o que andam dizendo que farão – “expulsar os burocratas” de Estrasburgo. “Com certeza sentimos o aumento do populismo, a chegada dos extremos, um pouco em todos os lugares, cada vez mais perto do poder. Mas não posso me pronunciar sobre isso, tenho que manter uma neutralidade”, diz.

“A Europa se encontra ameaçada?”, insisto. Timido, Berry diz que não se sente preparado para responder a essa questão, enquanto funcionário da administração de Estrasburgo. “Existe o risco do voto-sanção nestas eleições”, diz. “Mas eu acho que é necessário votar pela Europa, e não com um espírito de punição, de sanção [de governos nacionais]. Os desafios europeus ultrapassam os desafios nacionais, é preciso se informar”, reforça.

“Não tenho medo pela Europa”, afirma Antoine. “Penso que atravessamos um período de evolução e depois, como a fênix [ave sagrada da mitologia grega], vamos nos levantar ainda mais fortes das cinzas. Não tenho medo e não estou preocupado”, diz. “Uma vez, acolhi aqui no museu uma velha senhora, que viveu a Segunda Guerra Mundial. Ela entrou aqui um pouco cética, mas queria conhecer o lugar. Ela acabou ficando muito tempo na exposição e saiu com os olhos cheios de água. Ela ficou tocada com os fatos que lembramos aqui e me disse que viveu coisas atrozes durante a guerra. Me falou que a Europa era importante para a paz. Ela me pediu para continuar a fazer o meu trabalho. Isso me emocionou muito”, finaliza Berry.

Um pouco de história

Capital da Europa, símbolo da reconciliação franco-alemã, cidade multicultural, conhecida por sua catedral e seu mercado natalino, Estrasburgo vê surgir, na sequência do Armistício, a primeira instituição do chamado Velho Continente: o conselho da Europa. A partir de 1952, esse organismo, encarregado então de promover os Direitos Humanos, começa a compartilhar seu espaço com a assembleia da recém-criada comunidade europeia do carvão e do aço (CECA). Em 1965, a CECA fusiona com a CEE, a comunidade econômica da Europa. Posteriormente, o “quarteirão europeu” de Estrasburgo recebera outras entidades, como a Corte Europeia dos Direitos Humanos e a Farmacopeia Europeia, que legisla sobre medicamentos dentro do bloco.

Pouco a pouco, vários países como Portugal, Espanha e Grécia, recém-saídos de ditaduras, vão se juntando ao novo bloco, que começa a se transformar em uma potência que termina por abolir suas fronteiras, estabelece uma moeda única e oferece uma série de vantagens a seus integrantes.

A União Europeia começa a se fragilizar a partir da má gestão do conflito iugoslavo, que foi incapaz de gerir satisfatoriamente. Sua credibilidade é mais uma vez ameaçada a partir da crise econômica, deflagrada em 2008, quando a solidariedade europeia é posta em xeque, com a resistência dos países do “Norte” em socorrerem seus irmãos meridionais, menos afeitos ao “rigor das contas públicas”. A difícil gestão da crise grega na ocasião é um dos exemplos desta fragilidade.

A crise migratória de 2015 lança novos desafios ao continente europeu, que não consegue estabelecer uma coesão no acolhimento aos refugiados. A partir do momento em que países como Polônia, Hungria e Áustria levantam cercas de arame farpado e fecham suas fronteiras, uma nova urgência geopolítica se instala no bloco, muito além das prerrogativas econômicas. Estes e outros desafios serão colocados à prova nestas eleições europeias de 2019.

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