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Preservação/ Patrimônio Histórico

Saiba como se tornar dono de um castelo na França

“Vire Senhor por € 50”, diz o material de divulgação de uma start up francesa. Senhor, aqui, é sinônimo de dono de castelo – sim, o senhor feudal, aquele mesmo, o da Idade Média. O anúncio pode parecer insólito no país que fez uma Revolução, depôs a monarquia e não hesitou em guilhotinar o rei em praça pública, mas, para o historiador Julien Marquis, “tudo depende de como vemos a palavra”.

O castelo de La Mothe-Chandoniers fica no Vale do Loire, na França.
O castelo de La Mothe-Chandoniers fica no Vale do Loire, na França. A. Delaroiere
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Veja o vídeo no final desta matéria

Marquis é fundador da associação Adote um Castelo e diretor de Castelos da start up francesa Dartagnans, que trabalham juntas e inovaram ao propor um crowdfunding para recuperar castelos em ruínas, vendendo títulos de copropriedade. Funciona como um site de compras coletivas qualquer, mas, ao invés de comprar um sapato por um preço mais baixo, a pessoa pode comprar um castelo. “Com isso, nós democratizamos a palavra Senhor. Todo mundo pode ser dono de castelo”, explica.

Ao contrário dos bilionários franceses que recentemente doaram milhões de euros para a recuperação da Catedral de Notre-Dame, devastada por um incêndio no dia 15 de abril, causando polêmica no país, os membros do “exército de salvação” dos castelos franceses, podem comprar títulos a partir de € 50  (R$ 222 ) e, ao invés de se inscreverem como doadores, ganham um título de coproprietários.

Mosqueteiros do patrimônio

Criada em 2017 e com dois castelos recém-comprados a partir de campanhas lançadas nas redes sociais, a start up Dartagnans reúne mais de 30 mil coproprietários de 115 países e tem como missão preservar o patrimônio histórico francês. Por isso, se autodenominam “os mosqueteiros do patrimônio”.

Julien Marquis, diretor de Castelos da start up Dartagnans, em frente ao castelo La Mothe-Chandeniers
Julien Marquis, diretor de Castelos da start up Dartagnans, em frente ao castelo La Mothe-Chandeniers A. Delaroiere

Segundo Marquis, o perfil de quem compra os títulos é bem diferente daquele dos grandes doadores. “Nas nossas compras coletivas, as pessoas têm entre 35 e 40 anos, têm diversas origens sociais e pagam, em média, € 90 (R$  400). Em comum, eles vêm com a ideia de ajudar a salvar um monumento histórico”.

O que acontece depois da compra do título e do fim da campanha de financiamento, é que é formada uma assembleia de acionários para tomar decisões e gerir os castelos, que são da start up. “Nós tivemos esta ideia e passamos cerca de um ano e meio só pesquisando como viabilizá-la juridicamente, até que, em 2017, lançamos a primeira campanha”, conta.

Hoje, além de prospectar castelos em perigo e lançar campanhas para comprá-los e em seguida restaura-los, os “mosqueteiros” criam e/ou apoiam financeiramente iniciativas locais ligadas ao patrimônio em vilarejos em toda a França. Projetos que vão desde a recuperação de um sino de uma igreja à restauração da casa do compositor Georges Bizet.

Presente de Natal

Quem compra o castelo não só ajuda a restaurá-lo, como vira uma espécie de “embaixador” do mesmo. Muitos também se voluntariam para colocar a mão na massa e ajudar nas obras de restauração. É o caso de Jean-Christophe Lippmann, que trabalha na área de segurança de transportes. A história dele com o castelo começou com um presente de Natal.

“Era outubro de 2017 e eu perguntei à minha mulher o que ela queria ganhar de presente de Natal. Ela me disse: ‘Surpreenda-me’. Um dia depois, fui a um restaurante com uma colega, que me falou da campanha para arrecadar fundos para a compra e restauração do castelo La Mothe Chandeniers. Eu me apaixonei pelo castelo. Para nós, é o castelo mais lindo do mundo”, diz ele, que refere-se ao castelo como “uma obra de arte”.

Jean-Christophe Lippmann ofereceu um título de Senhora do castelo à sua mulher como presente da Natal
Jean-Christophe Lippmann ofereceu um título de Senhora do castelo à sua mulher como presente da Natal P. Varón

A paixão foi tão grande que eles, que moravam na região parisiense, se mudaram para perto do castelo, que fica a 309km de Paris. “Nós vendemos a nossa casa lá e viemos morar aqui, perto do nosso castelo”, diz este orgulhoso Senhor, que, apesar de não ter nenhuma experiência prévia em canteiro de obras ou restauração virou uma referência para os voluntários que vão trabalhar nas obras durante os fins de semana.

Assim como Lippmann, a responsável medical Chrystelle Holst é coproprietária e voluntária nas obras: “Eu me sinto um pouco em casa aqui. Me sinto à vontade. É sempre um grande prazer ir ao canteiro, encontrar as pessoas. Antes, eu não conhecia ninguém, mas hoje tenho amigos que também são coproprietários e voluntários.

“Para mim é um grande orgulho dizer que, da minha maneira, eu sou Senhora, eu contribuo para preservar um castelo. É muito enriquecedor também humanamente, porque a gente encontra pessoas de todos os horizontes, mas com a mesma paixão. É uma aventura cada vez mais bela”, relata ela, que mora em Poitiers.

O empresário parisiense Thomas Nokin foi ajudar nas obras do castelo de La Mothe Chandeniers, do qual também é coproprietário, pela primeira vez no dia em que a reportagem da RFI esteve lá: “Eu fui atraído pela beleza das imagens e também pela vontade de ajudar a salvar o castelo. Ele é realmente impressionante. [Comprar um título] Foi uma oportunidade de fazer uma boa ação”, disse ele, que pretende voltar com a família.

Coproprietários se voluntariam para ajudar no canteiro de obras montado para a restauração do castelo
Coproprietários se voluntariam para ajudar no canteiro de obras montado para a restauração do castelo A. Delaroiere

Vale do Loire

Nenhum deles tinha o sonho de se tornarem Senhores, mas a ideia de contribuir para preservar um patrimônio histórico os animou. O castelo de La Mothe Chandeniers, que fica no Vale do Loire, não muito longe dos mais famosos castelos franceses, teve sua primeira vida ainda no século XIII, mas foi construído e reconstruído várias vezes, tomando a forma atual no século XIX.

Rodeado de água por todos os lados, La Mothe Chandeniers é inspirado nos famosos castelos vizinhos, em particular o de Azay-le-Rideau, que recebe turistas o ano inteiro (o valor do bilhete é de € 10,5 euros ou  R$  46,6).

“Verdadeira loucura arquitetônica neogótica do século XIX”, o castelo, assim como Notre-Dame; foi devastado por um incêndio em 1932. Desde então, explica Marquis, o edifício em ruínas foi “invadido” por árvores e arbustos, “criando um ambiente mágico, em simbiose com a natureza”. Os Dartagnans pretendem restaurar o castelo mantendo esta interação.

O La Mothe Chandeniers foi comprado das mãos de seu último proprietário, que, por sua vez, o comprou em ruínas nos anos 1980 pensando em restaurá-lo, mas nunca teve fôlego para levar o projeto adiante. O fato de ver que os jovens mosqueteiros queriam dar uma nova vida ao castelo o encorajou a vendê-lo.

“A gente nunca termina de conhecer este castelo, sempre tem uma nova descoberta, uma nova sensação, a cada vez que o visitamos. Este é o charme”, descreve Holst. Os coproprietários, além de participarem da gestão dos monumentos por meio de uma plataforma criada para isso, no site da Dartagnans, têm o direito de visitar os castelos gratuitamente. Se depender da admiração que ele causa em seus embaixadores – o que Marquis chama de “efeito uau” –  ele será tão visitado quanto os seus vizinhos.

 

 

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