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França

Sexismo afasta engenheiras francesas do "boom" da era digital

A França faz uma constatação desalentadora na semana em que se comemora o Dia Internacional da Mulher, na sexta-feira, 8 de março. O número de engenheiras da computação, que chegava a um terço dos efetivos há 30 anos, recuou para 15% na atualidade. O motivo? O fracasso das políticas públicas de incentivo à presença feminina nessa área e sobretudo as discriminações persistentes num meio dominado por homens.

Escola da Microsoft dedicada à inteligência artificial em Issy-les-Moulineaux, na região parisiense, estimula a diversidade entre os estudantes.
Escola da Microsoft dedicada à inteligência artificial em Issy-les-Moulineaux, na região parisiense, estimula a diversidade entre os estudantes. AFP/Gérard Julien
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No momento em que o mundo trava uma corrida pela inovação, faltam talentos no mercado francês, e principalmente mulheres, para preencher as vagas de desenvolvedoras, cientistas de dados e engenheiras da computação.

A Fondation Femmes@numérique, um coletivo que reúne seis associações profissionais e 42 empresas comprometidas com a feminização do setor, constata que apenas 33% dos empregos na área são ocupados por mulheres. Desse total, a grande maioria, 75%, trabalha em funções de suporte, recursos humanos, administração, marketing e comunicação.

As desenvolvedoras de banco de dados, engenheiras de codificação, scripts e processos, de sistemas de nuvem, especialistas em "internet das coisas" e chefes de projetos de informática, que correspondem aos cargos de maior salário e prestígio, somam hoje apenas 15% dos profissionais. O recuo é lamentável, uma vez que, na década de 1980, metade das mulheres que se formavam em engenharia na França eram especializadas em ciências da computação.

O Brasil passou pelo mesmo processo. Na década de 1970, cerca de 70% dos alunos do curso de ciências da computação do Instituto de Matemática e Estatística (IME) da Universidade de São Paulo eram mulheres. Em 2018, o número caiu para 15%. Essa realidade não se restringiu à USP.

O que mudou num intervalo relativamente curto de tempo para causar um tal retrocesso, se na realidade as perspectivas profissionais só cresceram na área?

Homens construíram exclusão

Especialistas de várias regiões do mundo estão de acordo que a criação do computador pessoal deu impulso à inversão dos gêneros na área de tecnologia. O equipamento invadiu a casa de milhares de famílias e passou a ser usado como suporte de jogos, principalmente para meninos, criando o estigma de objeto masculino por definição.

A partir desse período, estudos apontam a construção de uma narrativa de que trabalhar com TI e algoritmos não era adaptado às mulheres. Dois pesquisadores americanos, Jane Margolis, socióloga na Universidade da Califórnia, e Allan Fisher, cientista da computação da Universidade Carnegie Mellon, citados pelo jornal Le Monde, constataram em suas pesquisas que os homens se tornaram os "heróis" do universo da computação, a pretexto de que eram os únicos apaixonados por tecnologia. Outras representações pejorativas se agregaram para consolidar o estereótipo: computadores e informática não são objetos de estudo atraentes para mulheres. Pior: elas seriam incompetentes nessa área, como fizeram crer os magos da Silicon Valley.

Preconceitos infundados

A Fondation Femmes@numérique luta contra a misoginia reinante no setor e pressiona o poder público a realizar campanhas nas escolas francesas para combater esses preconceitos infundados. Curioso é que o fenômento é mais acentuado na Europa e nos Estados Unidos do que no norte da África ou na Ásia, onde mulheres têm visto na informática um vetor de emancipação. Esta é pelo menos a experiência da francesa Aude Barral, cofundadora da start-up CodinGame, que recruta desenvolvedores de videogames em uma rede de 1,3 milhão participantes espalhados em 63 países. Em entrevista ao Le Monde, Barral afirma que a cada ano cresce o número de mulheres na criação de games.

A violência do sexismo na computação não é diferente do que em outras áreas da ciência; a natureza do preconceito é a mesma. O que impressiona é a pequena quantidade de mulheres no setor e nos cargos da alta hierarquia. Mas para as grandes empresas que hoje investem em inteligência artificial e objetos conectados, a diversidade é crucial.

Entre as soluções para avançar rapidamente na corrida global que atravessa o setor, a Fondation Femmes@numérique sugere a adoção de cotas para mulheres nas faculdades de ciências da computação, como fez a Universidade de Trondheim, na Noruega, que passou de 7% de alunas para 40% com a instauração dessa política.

O governo francês, que lançou em 2015 a Grande Escola Digital, tem a meta de integrar 30% de mulheres nos próximos anos e busca realizar esse objetivo direcionando bolsas de estudo e outros incentivos para as estudantes em prioridade. Porém, especialistas acreditam que mudar essa configuração do setor vai exigir um trabalho de desconstrução dos estereótipos "colados" às mulheres. Um trabalho que deve começar ainda no ensino fundamental.

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