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Escritor francês Edouard Louis diz que “coletes amarelos” dão visibilidade a corpos excluídos

O romancista Edouard Louis, autor de “O fim de Eddy”, disse ter “sentido um choque” ao ver as primeiras imagens dos protestos na França. “Faz vários dias que tento escrever um texto sobre e para os "coletes amarelos", mas não consigo terminar”, disse o escritor, em um artigo de opinião publicado nas redes sociais.

O escritor francês deu apoio ao movimento dos "coletes amarelos"
O escritor francês deu apoio ao movimento dos "coletes amarelos" Reprodução Facebook/Edouard Louis
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“Estou paralisado pela extrema violência e o desprezo de classe que se abate sobre esse movimento porque, de uma certa forma, me sinto pessoalmente visado”, confessou o autor em seu perfil no Twitter e no Facebook. Ele disse ter visto, nas fotos das manifestações, corpos que não ocupam nunca o espaço público e a mídia francesa.

“São corpos que sofrem, abalados pelo trabalho, pelo cansaço, pela fome, pela humilhação permanente dos dominantes contra os dominados, pela exclusão social e geográfica”, escreveu Edouard Louis. “A razão de meu choque é meu ódio à violência do mundo social e suas desigualdades. Mas também, e sobretudo, porque esses corpos das fotos se parecem com os corpos de meu pai, meu irmão, minha tia”.

“Bárbaros e estúpidos”

O escritor critica o fato de que, desde o nascimento do movimento, vários especialistas e políticos minimizaram a importância dos protestos. Os manifestantes foram chamados de “bárbaros”, “estúpidos”, “irresponsáveis” – como se as classes populares não soubessem protestar, apenas grunhir, como animais, de acordo com a análise de Edouard Louis.

“Fenômeno normal de percepção diferencial da violência: uma grande parte do mundo político e midiático quer nos fazer acreditar que violência não são as milhares de vidas destruídas e reduzidas à miséria pela política, mas alguns carros queimados”, continuou. “É necessário nunca ter conhecido a miséria para achar que uma pichação em um monumento é mais grave do que a impossibilidade de se alimentar ou de alimentar sua família”.

Movimento permite transição de linguagem

Para o romancista, enquanto os "coletes amarelos" falam de “fome, precariedade, vida e morte”, os políticos e uma parte dos jornalistas respondem que “os símbolos da República foram vandalizados”. Ele também lembra que, quando abordou o racismo e a homofobia em seus livros, foi acusado de estigmatizar a França, mas que, agora, as mídias evocam esses mesmos assuntos para criticar os manifestantes. Incluindo, segundo Edouard Louis, jornalistas que “nunca fizeram nada pelas classes populares”.

“Ainda que existam gestos racistas e homofóbicos no seio dos "coletes amarelos", desde quando os jornalistas e políticos se importam com o racismo e com a homofobia?”, questiona. “Eles, por acaso, abordam as violências policiais que afetam todos os dias os negros e árabes da França? Quando as classes dominantes e certas mídias falam de homofobia e racismo, eles estão dizendo ‘Pobres, calem a boca’.”

Edouard Louis argumenta que o movimento dos "coletes amarelos" ainda está se construindo, com uma linguagem crua e volátil, que precisa ser modificada e aperfeiçoada. Para ele, é preciso parar de dizer que as pessoas sofrem “por causa da imigração e da vizinha que recebe ajudas sociais” e começar a entender que o problema “são os governantes”, “o sistema de classe”, “[o presidente francês] Emmanuel Macron e [o primeiro-ministro] Edouard Philippe”.

Por fim, o autor diz que é preciso que o movimento continue, “porque ele encarna algo justo, urgente, profundamente radical, e porque os rostos e vozes que habitualmente estão condenados à invisibilidade se tornam enfim visíveis e são ouvidos”.

Fuga de classe

Em 2014, o jovem Édouard Louis emergiu na cena literária francesa com seu “O fim de Eddy”, que acaba de ser traduzido para o português no Brasil. A obra foi vencedora de prêmios e provocadora de polêmicas. O autor retraça com uma delicada violência textual as diversas agressões – sociais, emocionais, físicas – que sofreu em sua cidade e em sua casa quando criança.

Seu único desejo era fugir e sua única saída foi a literatura. “Eddy” gerou questionamentos a respeito da forma como seu autor retratava “os pobres” da França, mas permanece sendo um importante retrato das complexidades do mundo capitalista atual e das divergências de classe no país. Édouard Louis era um “transclasse” – não havia nenhuma identificação com o corpo social no qual ele havia nascido.

Mas antes dele, em 2009, o sociólogo Didier Eribon já havia percorrido o mesmo caminho duas vezes: o de partir do lugar de agressão e o de voltar. Retours à Reims (“Retorno a Reims”, em tradução livre) é uma mistura de literatura e pesquisa científica social, onde o autor revisita sua cidade natal e seus traumas, superados mas nunca esquecidos, ligados à origem social humilde.

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