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França

Brasileiros desistem de estudar na França após aumento das matrículas nas universidades

O primeiro-ministro francês, Édouard Philippe, anunciou nesta semana que irá aumentar as taxas anuais de matrícula nas universidades do país para estudantes estrangeiros. O acréscimo de 1.500% nos custos do ensino superior prejudicará a permanência e vinda de estudantes brasileiros à França: muitos já começam a desistir de seus projetos de carreira acadêmica no país.

Na França, o valor da matrícula dos estrangeiros nas universidades vai ser 16 vezes maior em 2019.
Na França, o valor da matrícula dos estrangeiros nas universidades vai ser 16 vezes maior em 2019. Captura de vídeo
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“Tendo que pagar esse valor, eu não vou ficar na França”, diz Luísa Guerra, que faz um mestrado em Desenvolvimento Econômico na Universidade Paris 13. Bolsista de um programa da União Europeia, os custos dos estudos da mestranda brasileira foram cobertos até o momento, o que deve mudar em 2019.

O objetivo de Luísa era permanecer na França e realizar um doutorado. Mas, a partir do próximo ano letivo, para se inscrever nas universidades francesas, os futuros doutores estrangeiros terão que desembolsar € 3.770 (R$ 16,3 mil) ao invés de € 380 (R$ 1.646).

Os estudantes estrangeiros de graduação e mestrado também não escaparão do aumento a partir de 2019. De € 170 (R$ 736), a matrícula dos universitários passará a € 2.770 (€ 12 mil). Já a anuidade do mestrado vai passar de € 243 (R$ 1.053) a € 3.770 (R$ 16,3 mil).

É o caso de Jeaninne Santos, que está no terceiro ano da graduação em Artes Plásticas na Universidade Paris 8. A brasileira planejava realizar um mestrado a partir de 2019, projeto que será impossibilitado com o aumento das anuidades. “O valor exigido na matrícula é praticamente o dinheiro que eu uso o ano inteiro para me sustentar”, alega.

O marido de Jeaninne também é universitário e estrangeiro. O casal ainda não sabe como será o futuro deles na França. “Ele está na mesma situação que eu. Estamos com medo. Pensamos em talvez juntar dinheiro para um dos dois poderem continuar os estudos, enquanto o outro vai ter que se virar”, reitera.

Na França, os estudantes estrangeiros têm uma permissão limitada para trabalhar, restrita a 20 horas por semana. A lei estabelece o limite de 964 horas de serviço remunerado por ano. O governo considera que o trabalho, na vida estudantil, deve ser um objetivo secundário, dando prioridade aos estudos.

França é terceira destinação na preferência de estudantes brasileiros

A França é o terceiro país que mais recebe estudantes brasileiros, ficando atrás apenas dos Estados Unidos e de Portugal. De acordo com dados da Embaixada do Brasil em Paris, no ano letivo de 2017-2018, 5.423 estudantes brasileiros estavam matriculados em universidades francesas – um número que deve diminuir drasticamente com o aumento das anuidades.

A carioca Danielle Velasco cancelou os planos de realizar um mestrado na França depois do anúncio do governo francês. Ela está na França dentro do programa Férias-Trabalho, que dá direito aos brasileiros de 18 a 30 anos de morar e trabalhar por até um ano em um país europeu, mas sem possibilidade de renovação.

À RFI, Danielle contou que aproveitou a oportunidade de passar um ano em Paris para aperfeiçoar o francês. No término do visto Férias-Trabalho, ela pretendia voltar para o Brasil e organizar sua vinda como mestranda em uma universidade francesa, mesmo objetivo que tinha o namorado. “Não tem a menor condição de irmos mais. A gente não tem esse dinheiro”, lamenta.

O sentimento de ter os planos subitamente interrompidos é de frustração, afirma a carioca. “Acho muito injusto que, por não ser europeia, eu deva pagar dez vezes mais para ter exatamente a mesma formação, ir às mesmas aulas. Eu escolhi vir para a França porque acreditava que aqui se respeitava a igualdade, a fraternidade. A educação era para todos, mas não vai mais ser. Acredito que eles só vão perder com essa decisão”, avalia.

“Se não está contente, vai embora”

O anúncio do governo francês revoltou os estudantes franceses da Escola Normal Superior (ENS), prestigiada instituição de ensino superior na França. Nesta sexta-feira (23), eles realizam um debate sobre a questão.

A brasileira Roberta Estimado, uma das organizadoras do evento, conversou com a RFI. “Somos absolutamente contra qualquer tipo de cobrança e discriminação”, frisa, lembrando um antigo projeto dos estudantes da ENS que defende o fim de qualquer tipo de anuidade na instituição.

A jovem explica que a ENS já promove uma diferenciação entre estudantes estrangeiros e franceses. “Temos um estatuto dentro da instituição que estabelece que somos inferiores aos estudantes franceses que passaram pelo mesmo concurso que nós. Temos menos direitos e privilégios que eles só porque somos estrangeiros. Estamos cansados de sempre sermos deixados de lado. Várias vezes escutamos: ‘se não está contente, vai embora’.”

Para Roberta, com o aumento das anuidades, o governo francês coloca em prática o projeto de elitização do estudo superior francês. “São fascistas, xenófobos, e querem que só gente rica venha estudar aqui”, contesta.

O movimento tem agora o objetivo de se unir a estudantes estrangeiros de outras universidades. A partir da semana que vem, outros atos e debates serão realizados em conjunto com outras instituições de ensino superior.

Carta ao primeiro-ministro

A jornalista gaúcha Augusta Lunardi não é mais estudante, mas expressou sua revolta com a decisão do aumento das anuidades em uma carta aberta ao primeiro-ministro francês, Édouard Philippe, publicada na quinta-feira (22) pelo jornal Le Monde. “Você conhece a realidade de um estudante estrangeiro na França?”, questiona.

Há seis anos, Augusta chegou a Paris, onde realizou seus estudos superiores. “Admirava a França por sua liberdade, sua fraternidade, mas sobretudo por sua igualdade. Se pude estudar aqui e me tornar jornalista, foi graças ao sistema universitário francês. Um sistema público, universal e de qualidade. Você talvez não saiba, senhor primeiro-ministro, o que é ser um estudante estrangeiro na França. Você não conhece a nossa realidade”, escreve a gaúcha.

Na coluna, a jornalista conta sua experiência como estudante na Faculdade de Informação e Comunicação da Universidade Paris 8. “50%, 60% da minha turma era formada por estrangeiros. Não eram ricos, eram pessoas de países em desenvolvimento. Fiquei pensando em todos os meus colegas que chegaram da Argélia, da Síria, e me deixou extremamente triste não saber o que vai acontecer com os estudantes estrangeiros no futuro”, declarou, em entrevista à RFI.

Augusta conta que ainda tem muitos amigos fazendo mestrado e doutorado nas universidades francesas e que não poderão pagar o montante que será exigido a partir de 2019. “Como pode um governo atacar pessoas já tão fragilizadas? É absurdo visar estudantes estrangeiros. Se fosse eu, hoje, na universidade, não teria como continuar meus estudos”, observa.

O texto teve uma imensa repercussão na França, chegou a estar entre as publicações mais lidas no site do jornal Le Monde na quinta-feira. No entanto, Augusta diz que, até o momento, não recebeu nenhum retorno do primeiro-ministro, mas vai insistir para receber uma resposta.

“No começo, não achei que Édouard Philippe fosse ler minha carta. Depois, diante de toda a repercussão, fiquei pensando que ele pode, sim, ter lido. Ele não se pronunciou até agora, mas o que eu espero é que ele volte atrás sobre esta medida”, afirma a jornalista que pretende contatar um assessor do premiê em busca de uma resposta. “Não vou desistir. Agora vou até o final”, promete.

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