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França

Sob forte polêmica, lei contra a palmada "educativa" pode ser aprovada na França

A Assembleia francesa vota, no próximo dia 29 de novembro, um projeto de lei que causa forte polêmica na França. Apelidado de “lei contra a palmada”, o texto prevê proibir que “violências educativas ordinárias” sejam utilizadas contra as crianças.

Projeto de lei pretende proibir violências consideradas "ordinárias" na França, como palmadas e tapas.
Projeto de lei pretende proibir violências consideradas "ordinárias" na França, como palmadas e tapas. godzimama.com
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Apesar do viés pedagógico do projeto de lei - que não prevê nenhuma punição aos pais que recorrerem a violências consideradas “leves” para corrigirem os filhos -, a questão provoca um intenso debate na França. Na Assembleia francesa, deputados da direita e extrema direita denunciam a intenção de ingerência do Estado na vida das famílias.

De autoria da deputada centrista Maud Petit, o projeto de lei pretende inserir no artigo 371-1 do Código Civil sobre a autoridade parental “um conjunto de direitos e deveres com a finalidade de proteger a criança”. O texto prevê que pais não devem utilizar métodos para corrigir ou educar os filhos tais como “violência física, verbal ou psicológica, castigos corporais ou humilhações”.

Essa não é a primeira vez que “a lei da palmada” é proposta na França. Uma emenda ao Código Civil foi votada em dezembro de 2016, antes de ser censurada em janeiro de 2017 pelo Conselho Constitucional.

Toda a violência contra a criança já é proibida por lei, mas, no país, existe uma jurisprudência que admite o “direito de correção”. Em outubro de 2014, um julgamento em segunda instância inocentou um pai que agrediu o filho com uma baguete e pontapés nas nádegas. A corte considerou que a força utilizada foi controlada e apropriada à criança, com o objetivo de educá-la e sem consequência corporal ou psicológica.

Lei da palmada: exagero ou necessidade?

Para a terapeuta francesa Isabelle, mãe de um menino de 4 anos, criar uma lei contra violências ordinárias é exagerado. “Não defendo os maus-tratos contra crianças, nem sou fã do direito de correção. Mas, para mim, uma palmada na bunda não é algo que deva ser gerenciado por uma lei”, afirma, em entrevista à RFI.

Segundo ela, a medida vai mais culpabilizar mais os pais do que instrui-los contra as violências educativas. “Acredito que é preciso fazer um trabalho de acompanhamento junto às famílias. Elas precisam conversar sobre essa questão. Há muita gente que não sabe como fazer com os filhos, acontece comigo também. As mães têm momentos de desespero com suas crianças e isso é completamente normal e humano”, avalia.

A linguista brasileira Fernanda mora em Paris e é mãe de um menino de três anos. Para ela, a palmada como medida educativa é injusta. “Existem outras maneiras de educar a criança sem a força. Por mais que seja um tapinha simbólico, vem de alguém que é muito maior e que tem muito mais força, então é algo que coage a criança”, afirma.

No entanto, ela observa que, na cultura francesa, a palmada não é considerada grave. “Na visão da maioria dos pais e mães franceses com quem eu conversei sobre o assunto, esse tipo de recurso não é visto como agressão, mas realmente como uma medida educativa. Não vou dizer que, como mãe, a gente não corra esse risco. Mas eu sou contra. Prefiro conversar com meu filho e estipular regras. Há outras formas de lidar com uma situação antes de chegar a um ponto de gritar ou bater em uma criança”, diz.

Limite da violência ordinária

A psicóloga e psicopedagoga Florence Millot acredita que é importante debater com mães e pais sobre as violências educativas contra as crianças, lembrando que esse tipo de recurso como forma de educar ou corrigir “nunca é inofensivo”. No entanto, teme as consequências da lei contra violências consideradas “ordinárias”.

“Não sabemos qual é o limite dessas violências: uma mãe que grita com o filho? Todos os dias vemos uma mãe que grita com o filho, que faz uma pequena chantagem, que tem vontade dar uma palmada na criança para acalmá-la”, avalia.

Millot ressalta que “o ser humano não pode agir sempre dentro da bondade”. “Somos seres ambivalentes, nossos sentimentos estão sempre entre o amor e o ódio. Quando um filho que está gritando contra os pais, e que eles não têm direito de fazer mais nada, como reagir? A educação dos filhos não é preto no branco”, analisa.

Segundo a psicóloga, “todos os pais sabem que é incorreto bater em seu filho”, mas criar uma lei, sem um verdadeiro sistema de acompanhamento das famílias, pode gerar ainda mais conflito. “Se houver a educação dos pais sobre a importância de não agredir os filhos, eles poderão se abrir e tentar gerenciar o problema. Mas, ao aprovarem uma lei dizendo que é um crime dar uma palmada no filho, corre-se o risco que isso continue acontecendo nas famílias, mas sem que os pais reconheçam e sem que eles aceitem falar sobre isso.”

Por isso, para Millot, é preciso primeiramente uma conscientização da sociedade sobre a questão. Depois, a educação dos pais sobre para não recorrer às violências ordinárias como forma de correção ou educação dos filhos. “A criação de uma lei é extremamente culpabilizante para os pais que, por um lado, se veem diante de uma proibição, e por outro, não têm ajuda para saber como gerenciar certas situações nas famílias”, conclui.

54 países têm “lei contra a palmada”

O projeto de lei em debate na Assembleia francesa também prevê o lançamento de campanhas de sensibilização e ações de acompanhamento de pais e filhos. Se a lei for aprovada, a França se tornará o 55° país a proibir completamente castigos corporais contra as crianças.

A Suécia foi o primeiro país a tomar uma decisão neste sentido. Estudos recentes mostram que nos países onde as violências ordinárias foram proibidas por lei, houve uma forte mudança de mentalidade sobre a educação dos filhos.

No Brasil, a “Lei da Palmada” ou a “Lei do Menino Bernardo”, sancionada pela ex-presidente Dilma Rousseff, completou quatro anos em outubro passado. Em julho deste ano, o então candidato à presidência Jair Bolsonaro prometeu revogá-la caso fosse eleito.  

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