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Eleições 2018/ Brasil/ França

Por que o Brasil não forma uma frente republicana contra a extrema direita?

Intelectuais e políticos franceses de diversas tendências já mostraram preocupação em relação à ascensão da extrema direita no Brasil e muitos se perguntam por que não se forma uma frente republicana para combatê-la. Deputados dos partidos tradicionais da direita e da esquerda francesa, entrevistados pela RFI nesta quarta-feira (24) na Assembleia Nacional, falam sobre as eleições brasileiras de 2018.

Olivier Faure, líder do Partido Socialista (PS) francês, que apela para a formação de uma frente republicana no Brasil contra a extrema direita.
Olivier Faure, líder do Partido Socialista (PS) francês, que apela para a formação de uma frente republicana no Brasil contra a extrema direita. Thomas Samson / AFP
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Políticos de seis partidos franceses assinaram o manifesto "pela defesa da democracia no Brasil - e não a Jair Bolsonaro”. Um deles é o deputado Olivier Faure, presidente do Partido Socialista (PS). Segundo ele, o que o Brasil vive hoje é “inacreditável”.

“Depois de ter colocado nas nuvens o Partido dos Trabalhadores, o Brasil está hoje a um passo de dar o poder a um partido de extrema direita. Esta situação é extremamente grave, principalmente num país da América Latina, onde se tem a lembrança do que foram os regimes de extrema direita [nos anos 60 e 70]”, analisa Faure.

Ele lembra que, na França, em 2002, seu partido se uniu ao partido tradicional de direita, Reunião Para a República (RPR), para apoiar o candidato Jacques Chirac contra Jean-Marie Le Pen, da extrema direita. Em 2017, o PS apoiou Emmanuel Macron, de centro, contra Marine Le Pen, filha de Jean-Marie, também de extrema direita, líder do Agrupamento Nacional (RN, em francês), ex-Frente Nacional (FN).  

“Então o que nós, socialistas franceses, fizemos a cada desafio deste tipo, é a frente republicana, a vontade de dizer que, qualquer que seja a nossa divergência, há um adversário irredutível, que supõe que esqueçamos todas as nossas divergências para apoiar aquele ou aquela que pode ganhar as eleições face à extrema direita”, aponta.

Para sua colega de partido, a deputada Valérie Rabault, quando se tem a extrema direita em vias de chegar ao poder “não se pode ter escrúpulos para fazer a escolha, mesmo que isso acarrete custos políticos para o partido”.

“A República, para mim, está acima da divisão direita versus esquerda e ela deve sempre ser preservada”, diz a deputada.

“A Rosa e o Resedá”

Questionada se ela gostaria de dar um recado para os políticos brasileiros, tanto de esquerda como de direita, Rabault citou um poema de Louis Aragon (1897-1982), “A Rosa e o Resedá”, “que diz que na vida é preciso sempre priorizar seus combates”.

O poema conta a história de uma Bela que é encarcerada numa torre (uma metáfora para a República francesa) e tem dois guerreiros tentando salvá-la: a Rosa (que representa o comunismo) e o Resedá (que representa o catolicismo). A poesia, escrita em 1943, época em que a França estava ocupada pelos nazistas, é um chamado à unidade na Resistência, acima das divisões políticas e religiosas.

Em 2017, o candidato da direita, François Fillon, declarou apoio a Emmanuel Macron no dia mesmo do resultado do primeiro turno (como fez Benoît Hamon, do PS), mas este não foi o posicionamento oficial de seu partido. Segundo o deputado republicano Éric Diard, houve duas tendências, a que seguiu Fillon e apoiou Macron e a que se absteve.

Diard (LR) disse que ele mesmo preferiu não recomendar o voto em Macron porque, com o descrédito de muitos na política tradicional, era capaz de os franceses fazerem o inverso. São o que ele chama de “gauleses refratários”.  

Ele vê o povo brasileiro também muito desiludido: “Então nós chegamos nestas eleições brasileiras, onde um candidato muito populista, um extremista, vai ganhar porque encarna uma rejeição da política por parte dos brasileiros. É triste”, comenta.

“População desnorteada”

Para seu colega de partido, Philippe Gosselin (LR), que fez parte da corrente que apoiou Macron logo após o resultado do primeiro turno, “contra Marine Le Pen”, “vemos [no Brasil] uma população que está completamente desnorteada, que acredita estar buscando as respostas a estas questões votando no candidato populista [Jair Bolsonaro]”.

Segundo Gosselin, “há muita inquietação sobre o posicionamento do Brasil no cenário internacional e sobre o posicionamento interno do Estado”. “Eu vejo um risco de isolamento em relação ao resto das Américas e também da Europa se o candidato populista ganhar”.

Para a historiadora Juliette Dumont, uma frente republicana à francesa não acontece no Brasil por fatores como o sistema partidário brasileiro, que seria menos ideológico e exigiria menos disciplina de seus membros: “Na França, é muito difícil compreender um partido como o MDB, que fazia alianças com o PT e o PSDB”.

Outros fatores são: a crise institucional e moral, com “interesses pessoais que passam à frente de qualquer convicção, como no caso de João Dória e de tucanos históricos que apoiam Bolsonaro” e a emergência de bancadas fortes no Congresso, “principalmente as bancadas BBB – bíblia, bala e boi, que são transpartidárias”, entre outros.

Ainda assim, há quem sonhe com esta união dos partidos tradicionais contra Bolsonaro. É o caso de Faure: “Eu desejo aos brasileiros esta mobilização, que permitirá dar um sinal ao resto do mundo. [O Brasil] não é o único país que está ameaçado pela extrema direita, e se vê que o contágio é possível”.

“Então, por todas estas razões, porque nós somos amigos do Brasil, porque nós amamos o Brasil, nós desejamos o melhor para o Brasil, esperamos que as forças republicanas, as forças do progresso possam se juntar para dizer não à extrema direita. No pasarán!”, completa.

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