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Um pulo em Paris

Marielle, Bolsonaro e revisionismo: franceses incrédulos com extrema direita

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Uma exposição de oito fotografias do velório da vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ), assassinada em março passado no Rio de Janeiro, está em cartaz até o dia 28 de outubro na estação Pontchaillou do metrô de Rennes, cidade do oeste da França. Nesse momento em que a extrema direita ameaça se impor no Brasil, o fotógrafo francês Guy Pichard, 33 anos, autor das imagens, diz que seu trabalho assume uma relevância maior.

Plataforma da estação de metrô em Rennes com exposição de fotos do velório de Marielle Franco.
Plataforma da estação de metrô em Rennes com exposição de fotos do velório de Marielle Franco. Foto: © Guy Pichard
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As imagens fazem parte de uma mostra de trabalhos de 13 fotojornalistas selecionados pelo Clube da Imprensa da Bretanha e são exibidas em várias estações de metrô de Rennes.

Guy Pichard contou à RFI que o que viu na Cinelândia, no dia 15 de março, quando o corpo de Marielle foi velado na Câmara Municipal do Rio, o emocionou de uma maneira inédita, mesmo sendo um estrangeiro que tem um olhar externo em relação à problemática brasileira atual. Para o fotógrafo, a morte de Marielle não representou unicamente um assassinato político.

“Tudo o que eu vi ali tinha uma dimensão social. Não foi só uma política mulher que mataram, foi um símbolo. Havia uma onda de emoção como eu nunca vi em minha vida, em lugar nenhum do mundo. Aqueles milhares de cariocas que foram à Cinelândia para gritar seu desespero e sua tristeza foi algo muito forte”, contou Pichard.

Na avaliação do francês, o assassinato de Marielle agravou a fratura existente entre o poder e a população.

“Marielle Franco fazia essa conexão entre o poder e as pessoas. Ao matá-la, romperam essa ligação. Ela vinha do povo e trabalhava para o povo, o que é raro na política, e o fato de terem cortado brutalmente esse laço aprofundou a fratura e provocou aquela tristeza. Creio ter entendido que ela era muito próxima de seus eleitores”, explicou o fotógrafo.

Pichard ficou indignado quando soube esta semana do episódio em que a placa de rua em homenagem à ex-vereadora foi arrancada no centro do Rio por dois candidatos do partido de Jair Bolsonaro (PSL) aos legislativos estadual e federal. “Não consigo imaginar como isso pode acontecer e ficar por isso mesmo. Acho escabroso. Talvez por isso a minha exposição tenha alcançado tanta repercussão nesse momento no Brasil”, disse Pichard.

O francês possui uma coleção de fotografias sobre quilombolas na Bahia que nunca conseguiu exibir ao público. De sua experiência com o tratamento dado às minorias no país, à população frágil no campo, ele pensa que os brasileiros não fizeram seu dever de memória em relação ao fim da escravidão nem ao fim da ditadura militar (1964-1985).

“A sociedade brasileira ainda é marcada pelas cicatrizes da escravidão e do período militar. O que faz Bolsonaro nesse momento, o revisionismo [a reinterpretação dos fatos históricos relacionados ao regime militar, no caso] é algo condenado na França, na Alemanha e em outros países da Europa. Existem penas previstas contra isso”, destaca o fotógrafo.

A legislação francesa prevê pena de até cinco anos de prisão em regime fechado contra a prática do revisionismo. Diversas pessoas foram condenadas nos últimos anos por negar ou reinterpretar, por exemplo, atrocidades do nazismo.     

Depois de Rennes, a exposição com fotos do velório de Marielle Franco ainda vai seguir para Brest e outras cidades na região. Quanto a Pichard, ele pretende retornar em breve ao Brasil para outros trabalhos.

Votação em Paris

Domingo é dia dos expatriados brasileiros vivendo na França votarem no primeiro turno das eleições presidenciais, entre 8h e 17h pelo horário local, em um espaço alugado pelo Consulado do Brasil em Paris, no 2° distrito da capital. Cerca de 11.030 eleitores estão regularmente inscritos para o pleito, que só terá esse local de votação em todo o território.

Os brasileiros em trânsito na cidade não poderão votar, apenas quem transferiu o título de eleitor até o mês de maio de 2018 e teve a transferência validada pelo Tribunal Superior Eleitoral. Os eleitores devem se apresentar com o título mais um documento brasileiro com fotografia ou baixar o e-título no aplicativo do celular.

É proibido fazer manifestação em favor de candidatos dentro do local de votação. As pessoas podem exibir broches de seu candidato ou outro sinal discreto de preferência partidária. Os eleitores também estão proibidos de levar o telefone celular para a cabine, filmar ou fazer selfies no momento de inscrever o voto na urna eletrônica.

Quem não puder votar deve justificar depois das eleições. É possível votar no primeiro turno e não votar no segundo e vice-versa, pois cada turno é considerado uma eleição independente.

Extrema direita no poder preocupa imprensa francesa

A imprensa francesa está bastante preocupada com a possibilidade de Bolsonaro ser eleito na presidência. A principal manchete da edição de fim de semana do Le Monde, que não é um jornal de esquerda como dizem e acreditam erroneamente muitos brasileiros, declara que a extrema direita está às portas do poder no Brasil.

O diário apresenta três páginas de análise, reportagens no país e conclui que o candidato do PSL – “nostálgico da ditadura” – lidera as pesquisas por ter conseguido o apoio das Igrejas Evangélicas, cada vez mais influentes no país, de grandes proprietários de terras detentores do agronegócio e do empresariado, que quer tirar proveito das medidas ultraliberais que o economista Paulo Guedes estuda aplicar, caso Bolsonaro seja eleito.

O jornal Libération, este sim um jornal de esquerda, ressalta que o discurso violento de Bolsonaro, "que dá carta branca à polícia e ao Exército para disparar contra supostos delinquentes", convence as classes médias ou pobres exaustas da insegurança vivida no cotidiano. E as classes mais ricas têm sede de vingança do PT, além de buscar vantagens financeiras no novo contexto.

O maior jornal econômico francês, Les Echos, entrevistou empresários franceses instalados no Brasil. Conscientes dos efeitos negativos do populismo nacionalista que levaram à Segunda Guerra Mundial, os franceses sabem aonde esse tipo de retórica pode chegar. “O voto em Bolsonaro é um voto de revolta”, diz um entrevistado. Um voto emocional, sem nenhuma racionalidade.

Os brasileiros querem continuar acreditando num salvador da pátria, constata a imprensa francesa, por mais ilusório que isso pareça.

O discurso virulento de Bolsonaro e a incitação ao ódio diversas vezes manifestada pelo candidato seriam provavelmente submetidos à Justiça francesa e punidos. Num país que respeita a pluralidade na política e onde o debate acontece de maneira civilizada, é chocante ver um candidato à presidência se comportar dessa forma. A líder da extrema direita francesa, Marine Le Pen, fica no chinelo perto de Bolsonaro.

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