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França

Ministro francês anuncia “guerra” contra glifosato e reforça debate contra agrotóxico da Monsanto

A condenação da Monsanto, na semana passada, a pagar uma multa milionária a um americano que desenvolveu um câncer devido ao glifosato, reacendeu o debate na França contra esse agrotóxico. O ministro da Transição Ecológica, Nicolas Hulot, evocou “o começo de uma guerra” contra a substância, que poderá ser utilizada até 2021 nas plantações francesas, segundo engajamento anunciado pelo atual governo.

O Roundup, que contém glifosato, é um dos pesticidas mais utilizados no mundo.
O Roundup, que contém glifosato, é um dos pesticidas mais utilizados no mundo. AFP/Philippe Huguen
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A decisão do júri de São Francisco, que condenou a Monsanto a pagar quase US$ 290 milhões ao jardineiro californiano Dewayne Johnson - que desenvolveu um câncer devido ao contato com o pesticida Roundup - entusiasmou os ecologistas europeus. Em novembro do ano passado, a União Europeia renovou por mais cinco anos a prolongação da licença do herbicida no bloco, provocando a ira dos ambientalistas. Segundo a OMS, o glifosato é um “provável cancerígeno”, de periculosidade 4, em uma escala de 1 a 5.

Na França, o combate é liderado pelo ministro da Transição Ecológica, Nicolas Hulot. A principal batalha dele acontece dentro do próprio governo. O ecologista trava uma queda de braço com o Ministério da Agricultura – mais precisamente contra o ministro Stéphane Travert -, contrário à inserir a proibição do glifosato na lei francesa até 2021.

Por outro lado, o presidente Macron se comprometeu, em maio, a banir a substância dentro desse prazo de três anos, segundo ele, “logo que alternativas forem encontradas”. Assim, na Assembleia francesa, um grupo de trabalho tem a complicada tarefa de discutir soluções para o rápido fim da utilização do glifosato na França.

“Tomamos uma primeira decisão na França, mas ela é apenas o começo de uma guerra que vamos realizar juntos para reduzir massivamente as moléculas mais perigosas”, afirmou Nicolas Hulot no sábado (11) à BFMTV sobre o compromisso firmado por Macron. Para ele, não são mais necessárias demonstrações sobre o perigo do glifosato “porque, enquanto esperamos, esses venenos farão efeito e a quantidade de vítimas será excessiva”, advertiu.

Uma declaração considerada exagerada por Franck Garnier, presidente da filial francesa do grupo Bayer, proprietário da Monsanto. Em entrevista à rádio Europe 1, no domingo (12), ele ratificou o discurso da gigante alemã que “o uso correto” do Roundup não representa risco à saúde. “O termo ‘guerra’ é forte e eu considero inapropriado. Eu falaria muito mais do trabalho que devemos fazer em cooperação. Diria também que nós somos parte da solução” declarou, em referência às “medidas alternativas” à agricultura sem o glifosato, sobre as quais diz que a Bayer trabalha “intensamente”.

Já a eurodeputada Karima Delli, do partido Europa Ecologia Os Verdes, acredita que o ministro francês da Transição Ecológica deve ser mais categórico sobre o fim do uso do glifosato na França. “Sugiro que Nicolas Hulot diga concretamente: ‘agora é preciso probir’. Isso quer dizer que necessitamos definir uma data e um plano de ajuda que convença os agricultores que há alternativas para substituir o glifosato. Mas para isso é preciso que o ministro bata o martelo e que se aja rapidamente contra essa substância”, declarou em entrevista à rádio France Inter, nesta segunda-feira (13).

Segundo ela, é preciso conscientizar os trabalhadores rurais que há soluções não-químicas para suas plantações. “O problema é que aprisionamos nossos agricultores em um sistema que depende do glifosato há cerca de 30 anos, convencendo-os de que essa substância era eficaz, fácil e barata, em detrimento de nossa saúde e nosso futuro. Por isso é preciso ajudá-los a encontrarem novas técnicas e materiais para alternativas menos químicas”, salienta.

Contra o glifosato na França

Dezenas de casos similares ao do jardineiro americano Dewayne Johnson existem na França. Entre os mais conhecidos estão o da família Grataloup, de Vienne, no sudeste. O casal Sabine e Thomas acusa a Monsanto de ser a responsável pelas malformações do filho Théo, de 11 anos, que nasceu com graves problemas no esôfago e na laringe.

Sem saber que estava grávida, Sabine matava as ervas daninhas do espaço de equitação da família com o produto Glyper, da mesma gama do Roundup da Monsanto. Nove meses depois, Théo nascia e ia direto para a mesa de operação para que os médicos separassem seu sistema respiratório do digestivo. Com apenas 11 anos, o garoto já passou por 53 cirurgias, tem dificuldade para se alimentar e falar.

Outro caso emblemático é o do agricultor Paul François, da cidade de Bernac, no oeste do país. Ele foi o primeiro francês a processar a Monsanto depois de sofrer uma grave intoxicação com o herbicida Lasso, que utilizava em suas plantações de milho. Em 2012, os tribunais franceses determinam - e volta a confirmar em 2015 - que a gigante deve pagar € 50 mil a François. Mas, até hoje, o agricultor não embolsou um centavo do montante, já que a empresa tenta esgotar todos os recursos possíveis.

“Tenho sorte que minha saúde vai melhor hoje, mas há dias que não posso trabalhar, há dias que tenho que ser internado. Mas enquanto eu tiver energia, vou continuar lutando pelos outros e contra a Monsanto”, diz à RFI o agricultor que chegou a enfrentar o coma várias vezes devido à intoxicação. A saga é contada em seu livro “Um agricultor contra a Monsanto”, publicado em outubro de 2017.

Já o herbicida mais utilizado no mundo, é tema de uma obra que virou documentário na França, “Le Roundup face à ses juges” (O Roundup diante de seus juízes, tradução livre), da jornalista e diretora francesa Marie-Monique Robin. Em entrevista à RFI, ela comemorou a vitória de Dewayne Johnson nos Estados Unidos – onde mais de 5 mil pessoas processam a Monsanto em casos similares ao do jardineiro californiano.

“Essa primeira condenação é muito importante para abrir um caminho a essas milhares de pessoas de utilizaram herbicidas à base de glifosato e que hoje sofrem com câncer no sistema linfático (…) não apenas nos Estados Unidos, mas também na Argentina, no Brasil, na França, enfim, em todos os países em que essa substância é utilizada e onde muitos sofrem as consequências disso”, afirma.

Glifosato será proibido no Brasil

O glifosato é o agrotóxico mais utilizado no Brasil, principalmente nas plantações de soja. No início deste mês, a 7ª Vara da Justiça Federal do Distrito Federal deu o prazo de 30 dias para a suspensão do registro de produtos que utilizem três substâncias presentes em agroquímicos: o glifosato, abamectina e tiram. Segundo a juíza Luciana Raquel Tolentino de Moura,“está mais que suficientemente demonstrada a toxidade desses produtos para a saúde humana”.

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) tem o prazo até o final do ano para realizar uma nova avaliação dessas substâncias. No entanto, a Advocacia-Geral da União (AGU) já tenta derrubar a decisão. O próprio ministro da Agricultura Blairo Maggi anunciou que o governo vai tentar revertê-la antes da próxima colheita porque, segundo ele, “todo o sistema de plantio direto é baseado no glifosato” e suspendê-lo seria “um retrocesso ambiental gigantesco”.

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