França: visita de Macron ao Vaticano gera debate sobre laicidade
Depois de um encontro com o papa Francisco na manhã desta terça-feira (26), o presidente francês, Emmanuel Macron, receberá nesta tarde o título de honra da Basílica de São João de Latrão, em Roma, uma tradição que existe desde o século 17. A decisão gerou críticas da oposição, que questiona o respeito pelo princípio da laicidade na França.
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Os ex-presidentes socialistas François Hollande, Miterrand e Georges Pompidou nunca buscaram o título católico, concedido aos reis franceses e, com o advento da República, aos presidentes. A postura é diferente entre os chefes de Estado de direita: Nicolas Sarkozy, René Coty, Jacques Chirac ou ainda o general Charles de Gaulle aceitaram a homenagem.
Para o cientista político Bruno Cautrès, da faculdade Sciences Po, em Paris, é evidente que Macron considera importante manter boas relações entre a França e a igreja católica. “Sempre existirá essa tensão: é possível ser chefe de um Estado laico, como a República Francesa, que é única, indivisível e laica, como diz a Constituição, e também se relacionar com a igreja”, disse em entrevista à RFI.
Para o eurodeputado do partido Socialista, Emmanuel Maurel, Macron tem uma relação “muito específica com a laicidade” – o presidente francês pediu para ser batizado aos 12 anos e estudou em uma escola jesuíta, como o próprio papa Francisco. Hoje ele se considera agnóstico. Em entrevista à rádio France Inter, Bruno Retailleau, líder do partido de direita "Os Republicanos" no Senado, disse que a visita do chefe de Estado francês ao Vaticano era uma tentativa de “seduzir o eleitorado católico”.
Ao mesmo tempo, ele pediu que o presidente esclareça sua posição sobre a laicidade. “É extremamente importante neste momento, em que devemos falar sobre Islã e República”.
No início de abril, em um discurso realizado durante a Conferência dos Bispos da França, Macron afirmou que desejava melhorar o relacionamento entre a igreja católica e a República francesa, que, segundo ele, sofreu um “baque” depois da adoção do casamento homossexual, em 2013. A declaração suscitou críticas dos partidos de esquerda e de direita. Nesta terça-feira (26), o porta-voz do governo francês, Benjamin Griveaux respondeu às críticas dizendo que o título concedido pelo Vaticano "era perfeitamente laico".
Audiência durou uma hora
A audiência do papa Francisco com o presidente francês Emmanuel Macron na Biblioteca pontifícia do Palácio Apostólico durou quase uma hora na manhã desta terça-feira. Este foi o encontro mais longo do pontífice com um chefe de Estado. Além da longa conversa, chamou atenção o clima cordial e informal entre os líderes com dois beijos na saudação final.
O chefe de Estado francês chegou ao Vaticano acompanhado pela primeira- dama Brigitte e pelos ministros do Interior, Gérard Collomb, o ministro das Relações Exteriores, Jean-Yves Le Drain, e pela delegação francesa.
O papa recebeu o presidente Emmanuel Macron com um grande sorriso. Antes de começar a audiência a portas fechadas, Francisco apresentou um padre da Secretaria de Estado que atua como intérprete, dizendo: " Ele já viveu muito tempo na África". Esta observação do pontífice é significativa, devido às fortes ligações da França com diversos países africanos que nos séculos XIX e XX foram colônias francesas.
A hospitalidade aos imigrantes e a integração social foram os principais temas abordados. A visita presidencial ocorre durante um momento delicado nas relações diplomáticas entre a França e a Itália com troca de acusações entre os dois países por causa da questão dos imigrantes. Durante a sua permanência em Roma o presidente francês não encontrará o primeiro-ministro Giuseppe Conte e nem representantes institucionais italianos “porque é uma visita ao Vaticano e não à Itália”, lembrou a Presidência francesa.
O papa Francisco e Macron conversaram também sobre assuntos gerais como mudanças climáticas e a situação de cristãos no Oriente. Depois da audiência e da saudação aos membros da delegação, houve a troca de presentes. Ao dar o medalhão de São Martinho que doa seu manto aos pobres, o papa Francisco explicou ao presidente francês:
"É uma medalha feita por um artista romano do século passado, ele retrata São Martinho e quer ressaltar a vocação dos governantes em ajuda aos pobres. Somos todos pobres ". O pontífice doou também a Macron seus documentos Evangelii Gaudium, Laudato Sì, Amoris Laetitia, Gaudete e Exsultate e a última Mensagem para o Dia Mundial da Paz.
Macron, por sua vez, trouxe como presente ao Pontífice o livro de Georges Bernanos "Diário de Um Pároco de Aldeia", em uma edição de 1949 em italiano, um documento que o Papa disse que apreciava muito.
(Colaborou Gina Marques, correspondente da RFI em Roma)
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