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"Moradia para todos é uma guerra política", diz urbanista João Whitaker em Paris

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Ele foi secretário de Habitação durante a gestão de Fernando Haddad na prefeitura de São Paulo. Além disso, é urbanista e professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. João Whitaker já deu aulas e conferências em universidades francesas e participa agora em Paris do colóquio La ville durable, moteur de transformation sociale (Cidade Sustentável, Motor de transformação social, em português). Ele participou nesta quarta-feira (30) do RFI Convida.

O urbanista e professor da USP, João Whitaker, nos estúdios da RFI em Paris.
O urbanista e professor da USP, João Whitaker, nos estúdios da RFI em Paris. RFI/Élcio Ramalho
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A questão da habitação está no coração de toda a discussão urbana, não só das grandes cidades europeias, mas em todo o mundo. "Se tornou um problema mundial", afirma João Whitaker. A ponta de lança desse debate, segundo ele, teria a ver com a "informalidade e a precariedade urbanas ligadas à falta de moradia".

"Em todos os grandes centros, sobretudo do 3° mundo, a regra é a informalidade e precariedade. Isso aparece tanto nos Estados Unidos, onde a probreza urbana está explodindo, quanto aqui na Europa, nas grandes cidades", diz o urbanista, que acredita que este será o grande tema urbano do próximo século: "A própria ONU já indicou isso", lembra.

"A cidade sustentável, tema do colóquio do qual participo, é o quanto ela pode sê-lo se ela não conseguir generalizar o acesso à infraestrutura, aos bens e aos equipamentos urbanos", diz Whitaker.

Cenário no Brasil

João Whitaker aponta um "gap" entre a percepção do meio acadêmico e teórico, de que não haverá "futuro urbano adequado" se não houver " distribuição homogênea de infraestrutura para todos", e a prática. "Na realidade, nós temos ainda uma lógica de produção das cidades que é excludente, sobretudo na América Latina", explica.

"Neste colóquio em Paris, vim dizer que esta é uma guerra política", pontua o urbanista. "Mesmo se tecnicamente temos as receitas, precisamos ser capazes de implementá-las politicamente. E implementar estrutura para todos na cidade, na América Latina e no Brasil, significa enfrentar privilégios", afirma.

"Significa, por exemplo, colocar o transporte público para todos em detrimento do carro. A gente recebe uma oposição muito forte a isso. Acho que a maior transformação é ter governos que possam fazer isso por mais de quatro anos e uma sociedade que aceite que a cidade seja democrática", diz Whitaker.

Para o especialista, a lógica das políticas urbanas no Brasil é segregadora no seu início. "São Paulo, assim como toda cidade brasileira, foi organizada em torno de zonas exclusivamente residenciais, bem-equipadas em infraestrutura, que pedem normalmente um terreno mínimo de 250 metros quadrados. Você nunca vai ter uma adensamento, como na Europa, das regiões já equipadas com infraestrutura urbana", explica.

"No Brasil, há uma inversão desses valores. Os ricos se acaparam dos bairros mais bem estruturados. A lógica com que se produz a cidade é aquela na qual nunca se pensa que ao produzir grandes prédios de alto padrão, você terá gente que virá trabalhar. Gente que vai servir os moradores. É um direito poder trabalhar perto de onde se mora. Mas, no Brasil, a casa grande ficou longe da senzala", afirma.

Desabamento do prédio no Largo do Paissandu, em São Paulo

João conta que, enquanto era secretário de Habitação do ex-prefeito Fernando Haddad, chegou a verificar o edifício. "Era um exemplo típico daquele imbróglio jurídico-administrativo brasileiro, porque era um prédio de propriedade da União. Portanto, se a União não se mexesse, não teríamos autoridade para mandar tirar as pessoas de dentro", contextualiza o urbanista.

"Ele era ocupado por um movimento nem tão organizado assim, de difícil diálogo. Era um caso à parte. Até por causa disso, teve problemas", avalia. O urbanista lamenta o processo de criminalização dos habitantes do edifício Wilton Paes de Almeida. "Uma parte desses grupos que ocupam fazem extorsões das pessoas muito pobres que ficam lá dentro, mas é a minoria da minoria. Deve ser 1% ou 2% [dos movimentos pró-moradia]. A maioria dos prédios ocupados é ocupada por movimentos muito organizados", completa.

*Para ouvir a entrevista na íntegra, clique na foto acima ou assista o vídeo abaixo:

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