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Um pulo em Paris

Carências no sistema de moradia popular também provocam mortes na França

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A tragédia com o antigo prédio da Polícia Federal no centro de São Paulo expõe as falhas do poder público nas políticas de habitação social no Brasil, que não dá conta de atender as necessidades das famílias de baixa renda. Em proporções menores, os franceses também enfrentam carências e presenciam dramas nessa área.

Um prédio do sistema habitacional HLM em Montfermeil, na periferia norte de Paris.
Um prédio do sistema habitacional HLM em Montfermeil, na periferia norte de Paris. (Photo : AFP)
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Fazendo um paralelo com o que aconteceu esta semana em São Paulo, esse tipo de tragédia é mais frequente na França em hotéis alugados pelos serviços sociais das prefeituras e do Estado para instalar imigrantes, enquanto eles aguardam uma decisão sobre seus pedidos de asilo ou a deportação.

Nos últimos anos, também aconteceram incêndios em prédios residenciais de um único dono e hotéis vetustos de proprietários que exploram os pobres. Eles alugam quartos por dia ou por semana, num sistema de alta rotatividade. Esses rentistas são chamados de "comerciantes do sono".

Durante muito tempo, o poder público se acomodou diante da escassez de moradias sociais e adotou essa solução de alugar pequenos hotéis de 40, 50 quartos, para abrigar famílias carentes, em um sistema que custa uma fortuna aos cofres públicos. É nesse tipo de imóvel, onde geralmente a ocupação supera a capacidade, que acontecem as tragédias.

O pior incêndio dos últimos 70 anos em Paris aconteceu em um hotel onde moravam famílias africanas instaladas no local pelos serviços sociais da prefeitura. O hotel Paris-Opera pegou fogo na madrugada de 15 de abril de 2005, no 9° distrito da capital, numa região turística onde ficam as grandes lojas de departamento e a Opera. Vinte e quatro pessoas morreram, incluindo 11 crianças. Além das vítimas fatais, 54 pessoas ficaram feridas. O hotel tinha capacidade para acolher 62 pessoas, mas, quando o fogo começou, 78 estavam no estabelecimento. O Paris-Opera não tinha saída de emergência.

Acesso de raiva provoca incêndio

O incêndio foi provocado por um acesso de raiva da namorada do porteiro da noite, que era filho do gerente. Num ataque de agressividade porque o namorado estava bêbado e se drogando às 2h da madrugada, a mulher jogou as roupas dele no chão, perto de uma mesa onde várias velas estavam acesas. Em seguida, ela foi embora e nem viu o fogo se alastrar.

Esse caso foi julgado em 2016 e três pessoas foram condenadas. A mulher que provocou o incêndio, Fatima Tahrour, pegou 3 anos de prisão. O porteiro, Nabil Dekali, recebeu pena de dois anos de detenção, por ter demorado a chamar os bombeiros. O gerente do hotel, Rachid Dekali, foi condenado a três anos de reclusão.

Aumento da pobreza favorece ocupações

Com o aumento da pobreza nos últimos anos, além do desemprego elevado, muitos franceses perderam a capacidade de pagar um aluguel. Aqueles que não conseguem sustentar um teto acabam nos "squats", termo em inglês usado pelos franceses para falar das ocupações, como a do edifício que desabou após o incêndio no Largo do Paissandu. A França tem ocupações em praticamente todo o país, mas é mais comum encontrar os "squats" nas periferias de grandes cidades.

Em Paris, a situação é particular porque existem muitos imóveis antigos, às vezes desocupados aguardando uma decisão judicial ou que foram interditados por insalubridade, em bairros menos cotados, sobretudo na zona norte da capital. Esses prédios "abandonados" acabam sendo invadidos por imigrantes, sem-teto ou simplesmente pessoas sem renda suficiente pagar um aluguel.

Franceses passam anos na fila de espera da moradia popular

Atualmente, 1,4 milhão de famílias aguardam na lista de espera por um apartamento no sistema de habitação popular, aqui chamado de HLM, iniciais de Habitação de Locação Moderada. Essa espera costuma ser longa e pode durar de dois a dez anos.

Para ter direito a uma habitação social, o candidato precisa ter renda máxima de € 12 mil por ano (R$ 51 mil), um teto que pode aumentar substancialmente dependendo do número de pessoas que trabalham na família. O valor do aluguel, parcialmente subsidiado pelo Estado, é calculado em função da renda familiar e do número de menores em casa. Outros benefícios distribuídos pela Caixa de Abono Familiar completam o dispositivo para o pagamento de aluguel.

Os conjuntos habitacionais HLM foram construídos de forma maciça nos anos 1960, principalmente nas periferias. Na época, a França acolhia milhares de imigrantes que vinham trabalhar no país num período de forte crescimento econômico. Alguns edifícios eram enormes, abrigavam até 4 mil pessoas, formando guetos de estrangeiros pobres. Além de criar um grave problema de exclusão da sociedade francesa, os HLM populosos foram mal conservados.

Nos últimos dez anos, o governo mudou o conceito de construção social para edifícios menores, espalhados no parque residencial privado, além de investir em reformas nos HLM deteriorados. A prefeitura de Paris, por exemplo, constrói atualmente 7.500 moradias populares por ano; o Estado, 130 mil em todo o país. Mesmo assim, os especialistas são unânimes em afirmar que esse esforço é insuficiente.

Cerca de 4 milhões de franceses moram em imóveis precários

A Fundação Abbé Pierre, uma entidade criada por um padre morto em 2007 e que até hoje é uma personalidade de referência na área social, publica todo ano um relatório sobre as condições de moradia no país. O último levantamento, divulgado em dezembro passado, apontava 4 milhões de pessoas morando em condições precárias na França e 12 milhões em situação de fragilidade. Os "frágeis" são locatários inadimplentes, que passam o inverno sem aquecimento por falta de dinheiro para pagar a conta de energia ou vivem em espaços reduzidos superlotados.

Em dez anos, entre 2002 e 2012, dobrou o número de sem-teto na França. Eles eram 143 mil pessoas no final de 2017.

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