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Estudantes ocupam prédio da Sorbonne sob ameaça de repressão policial

Diversas faixas na entrada, pichações nos muros, carteiras e cadeiras dispostas aqui e ali, uma dispensa e uma cozinha improvisadas. Os sinais deixam claro a todos os visitantes que o centro Tolbiac, um dos anexos da prestigiosa universidade Sorbonne de Paris, está “ocupado” e funciona de maneira diferente há várias semanas. A RFI conversou com os manifestantes para entender suas reivindicações.

Entrada do centro Tolbiac ocupado
Entrada do centro Tolbiac ocupado Marcos Lucio Fernandes
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Para os estudantes matriculados, o local está “bloqueado”, o que significa que eles oficialmente não têm aulas. Mas os manifestantes argumentam que as portas da instituição de ensino nunca estiveram mais “abertas” do que agora – o que é verdade no sentido de que qualquer um, aluno ou não, entra e participa como quiser do movimento, seja como voluntário, seja como beneficiário dos vários seminários, conferências e ateliês oferecidos pelos organizadores do protesto.

A ocupação começou no dia 26 de março, em resposta ao projeto de lei do governo Macron que pretende alterar as condições de ingresso às universidades francesas. Para os opositores, a proposta vai fazer com que a inscrição se transforme num processo seletivo discriminatório e baseado em critérios que só vão aumentar ainda mais as desigualdades sociais da França. Mas dentro da lógica da “convergência de lutas” entram na pauta da ocupação outras reivindicações como uma reforma do ensino superior, uma recepção mais ativa e humanitária dos migrantes, e, um pouco mais utópica, uma sociedade menos individualista e “privatizada”.

Desde que começou, a ocupação passou por vários episódios conflituosos. Já no dia 28 de março, a sala da União dos Estudantes Judeus da França foi encontrada destruída. “Nossa sala foi atacada, um armário foi jogado ao chão, nas paredes estava escrito ‘Morte à Israel’”, declarou a estudante Sacha Ghoslan, que prestou queixa contra os manifestantes. No dia 6 de abril, cerca de 25 pessoas tentaram entrar na ocupação com tacos de baseball e garrafas para expulsar os estudantes. No dia 8, os seguranças do local encontraram cinco coquetéis molotov na universidade – mesma data em que os ocupantes se recusaram a dialogar com o deputado Buon Tan, do partido da República En Marche, que compareceu ao local.

Anfiteatro do centro Tolbiac vazio
Anfiteatro do centro Tolbiac vazio Marcos Lucio Fernandes

Nesta quinta-feira (12), o clima descontraído, entre rodas de conversa, tarefas de limpeza e refeições compartilhadas, não deixou transparecer a tensão que ronda a ocupação desde o anúncio do presidente da Universidade, Georges Haddad, de que ele enviaria forças policiais ao local para retirar os manifestantes. Isso sem falar nos ataques de militantes da extrema-direita que tentaram invadir e desmantelar a ocupação na noite de 6 de abril. Os estudantes entrevistados afirmam não ter medo, mas nenhum deles quis mostrar o rosto para as fotos, nem revelar o nome.

“Se a polícia vier, e ela com certeza virá, veremos o que acontece. Me oponho à decisão de Haddad, acho hipócrita que ele tenha se eleito prometendo nunca enviar policiais à Universidade, e que agora ele ceda à pressão do governo”, diz Sophie*, de 20 anos, que prefere não se identificar como “estudante” por acreditar na mistura social e profissional proposta pela ocupação. “O status de estudante quase não existe mais, a maioria tem que trabalhar”.

Para Sophie, a ideia da ocupação, além de se posicionar contra a reforma do ingresso à universidade, é mostrar que o ensino superior pode e deve ser feito seguindo outra lógica. “Certos cursos podem parecer estranhos na universidade, apesar dela ser um lugar de produção intelectual, e esse também é nosso objetivo: mostrar que há outros tipos de saberes. Tivemos aqui formações para participar de manifestações, de primeiros socorros, de produção de cartazes. Isso tudo é saber, diferente daquele que nos é imposto”, afirma.

Estudantes se alimentam em Universidade ocupada
Estudantes se alimentam em Universidade ocupada Marcos Lucio Fernandes

“As pessoas acham que não temos mais aula porque não há o esquema universitário hierárquico de um professor que transmite um saber que você recebe. É muito mais horizontal, mais diversificado, é por isso também que lutamos. Não queremos uma universidade que nos impõe um só tipo de saber”.

Universidade alternativa

O modelo da “universidade ocupada” de Tolbiac parece funcionar, mesmo para quem não está satisfeito com a ausência de aulas oficiais e preocupado com as provas de fim de semestre, como Arthur*, de 20 anos, estudante de Cinema na Sorbonne. “Até que as atividades propostas pelos manifestantes são interessantes, a organização é bem feita, mas o que me incomoda de verdade é a instabilidade quanto às aulas e às notas. Tem gente que se esforça para estar aqui, para ter um diploma, e eles estão atrapalhando isso. Concordo com as ideias, mas sou contra a ocupação. Se continuar assim, o que fazemos? Aprovamos todo mundo? A ideia de dar a nota mínima a todos é estúpida”, critica o aluno, que faz alusão à sugestão dos protestantes de que todos fossem aprovados com uma nota média.

O estudante de Cinema Arthur é contra a ocupação
O estudante de Cinema Arthur é contra a ocupação Marcos Lucio Fernandes

Mas a obtenção de um diploma e a manutenção do sistema de atribuição de valores é, para Philippe*, de 22 anos, estudante de Geografia, uma das coisas às quais a manifestação faz oposição. Segundo ele, as notas são como “o salário” do aluno, uma espécie de recompensa. “Aqui na ocupação as pessoas aprendem, leem livros, produzem. É a primeira vez que alguns fizeram as tarefas de casa para outras pessoas. Essa experiência permite a conexão com coisas da vida concreta, do cotidiano, e acaba com essa lógica burguesa das universidades, porque os alunos do ensino superior são pessoas que foram selecionadas, de uma certa forma. Não devemos fazer oposição ao projeto de lei, por princípio, mas a uma ordem social”, argumenta.

Onda da extrema-direita

Philippe estava presente no dia do ataque de militantes da extrema-direita, quando, segundo ele, cerca de 20 pessoas tentaram agredir e expulsar os manifestantes da ocupação à força. “Eles atiraram objetos e bombas de gás contra nós. Em resposta, os ocupantes da universidade atiraram objetos de volta, para que eles partissem, porque não sabíamos quantos eram, se queriam entrar, e com a experiência de Montpellier estávamos bastante inquietos. Os estudantes reagiram muito bem e não houve feridos”, conta.

O estudante de Geografia Philippe presenciou o ataque de militantes da extrema-direita
O estudante de Geografia Philippe presenciou o ataque de militantes da extrema-direita Marcos Lucio Fernandes

O caso, como lembra Philippe, não é o primeiro na França: aconteceu também em Montpellier no dia 22 de março. A participação de professores num dos ataques contra os estudantes grevistas chocou os franceses. “Os militantes fascistas são profundamente reacionários, os protestos e a defesa dos direitos de minoria é uma coisa que os enlouquece. As manifestações estudantis são próximas dos movimentos pela igualdade de gênero, LGBT, antirracista, então eles utilizam o pretexto da obstrução das aulas para atacar o que eles queriam desde o início: as pessoas da esquerda”.

Nova página na história

A importância da ocupação e o que ela representa hoje na França, quando diversas greves acontecem por todo o país e o espírito de Maio de 1968 tem sido referenciado, é a razão por trás das tentativas de repressão do movimento. Essa é a lógica de Simon*, de 20 anos, estudante de História. “O fato de que hoje querem enviar a polícia e de que fascistas nos atacaram mostra que o que está sendo feito aqui tem um impacto. É porque algo de importante está acontecendo aqui que eles tentam nos reprimir”.

Pierre*, também de 20 anos e estudante de História, compartilha a tese do amigo. “Se eles nos atacam é porque eles têm medo da gente e do nosso movimento e porque temos ganhado visibilidade na França”, afirma. Mas apesar da grandeza que as manifestações têm tomado, Pierre permanece cético quanto a um novo “Maio de 1968”.

Simon e Pierre acreditam que na importância do movimento para mudar a história da França
Simon e Pierre acreditam que na importância do movimento para mudar a história da França Marcos Lucio Fernandes

“Maio de 1968 e abril de 2018 podem se parecer em alguns aspectos, mas estamos falando de duas épocas diferentes, com mentalidades diferentes. Os modos de mobilização eram outros, também”. Pierre tem razão: boa parte das ações estudantis organizadas hoje contam com o apoio da internet e das redes sociais. No Facebook, os manifestantes usam diversas páginas para criar e compartilhar eventos, comunicados e informações sobre a vida nas universidades ocupadas.

Retorno às raízes de manifestação francesas ou criação de um novo modo de mobilização: para os ocupantes da unidade Tolbiac esse não é o foco da manifestação. Mais importante é poder escrever um novo capítulo na história da França e ter o reconhecimento da luta que estão levando adiante. “Tem muitas informações falsas sobre as ocupações. Nos retratam como selvagens, violentos, utópicos e sonhadores. Mas nunca como vários indivíduos que tentam refletir juntos a problemas graves da sociedade”, critica Philippe.

*Os nomes foram alterados a pedido dos entrevistados.

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