E se os transportes públicos fossem gratuitos nas grandes cidades? A ideia parece insustentável do ponto de vista econômico, mas metrópoles como Paris e Essen, na Alemanha, analisam implantá-la. Na capital francesa, os habitantes com mais de 65 anos e de baixa renda ficarão isentos do pagamento da rede de ônibus e metrôs a partir de junho.
Na França ou na Alemanha, o principal objetivo do projeto é diminuir a poluição: a medida incitaria os motoristas a deixar os carros em casa e a adotar o transporte público. Na avaliação da prefeita socialista de Paris, Anne Hidalgo, trata-se também de promover mais justiça social, ao viabilizar acesso universal a um serviço que, para muitos, representa um peso considerável no orçamento. Atualmente, o bilhete único mensal na região de Paris custa 75,20 euros.
“Há pessoas que têm dificuldades de conseguir emprego porque não tem acesso aos transportes. A mobilidade deveria ser considerada um serviço de primeira necessidade”, explica o secretário municipal dos Transportes, Christophe Najdovski. “É uma questão econômica, mas também social, ambiental, humana. Temos que permitir que todos sejam móveis, em especial nas grandes cidades.”
Resta a questão delicada do financiamento. O transporte público na região parisiense custa € 10 bilhões por ano, dos quais 28% são bancados pelos usuários – ou seja, seriam € 2,8 bilhões a menos para manter e melhorar a rede. A prefeitura parisiense encomendou um estudo sobre o tema para especialistas franceses e estrangeiros, que responderão se é possível ampliar a medida. Ao lado de Paris, a Alemanha estuda a aplicação da gratuidade em cinco cidades do país, como Essen e Bonn.
Na capital da Estônia, é grátis
O transporte gratuito já é uma realidade na capital da Estônia, Talin, e em dezenas de cidades do mundo. Nas pequenas, até 200 mil habitantes, muitas prefeituras conseguem proporcionar a gratuidade em toda a rede. É o caso de mais de 30 localidades francesas. Já nas metrópoles, como a capital da Noruega, Oslo, apenas algumas linhas ou certos horários dispensam o pagamento.
Talin adotou a medida por referendo, em 2013, e afirma ter conseguido compensar a perda financeira com a elevação da arrecadação na zona urbana. A gratuidade dos transportes fez a população crescer 6%, alega a prefeitura.
Na visão do economista Yves Crozet, especialista em transportes, essa solução é adaptada apenas para as cidades pequenas, com linhas e número de usuários limitados. Nestes casos, a gratuidade chega a sair mais barato, com a economia de custos de venda e controle de passagens.
Mas, para financiar a medida nas metrópoles, só haveria duas soluções: elevar os impostos ou adotar um pedágio urbano para os veículos, a exemplo de Londres e Estocolmo. No caso da região parisiense, os 4 milhões de carros teriam de pagar cerca de € 60 por mês de pedágio para compensar a gratuidade dos transportes.
“Em resumo, a gratuidade só faz sentido quando o transporte coletivo é um fracasso, ou seja, quando há muito poucos usuários, como os estudantes, os idosos e os que não têm carro. Mas quando você precisa desenvolver os transportes públicos, investir, evidentemente a gratuidade se torna um problema a longo prazo”, afirma Crozet, professor da Universidade de Lyon.
Impacto negativo na política de mobilidade
Apesar de popular, a medida conta com pouco apoio junto a especialistas em mobilidade. O urbanista Frédéric Héran, da Universidade de Lille 1, argumenta que, em vez de incitar os motoristas a abandonar os carros, a proposta induz os ciclistas a aposentar as bicicletas. Depois, são os pedestres que prefeririam andar de ônibus e metrô, em vez de caminhar. Os jovens seriam os primeiros a ceder à “tentação”. Héran chama atenção para o aumento dos custos ligados a um problema de saúde pública: o sedentarismo.
“O potencial do uso da bicicleta em Paris é gigantesco: apenas 4% dos parisienses usam esse meio de transporte cotidianamente. Transformar o transporte gratuito significaria limitar esse potencial. Seria uma pena”, explica Héran. “Sem contar que hoje as pessoas são cada vez mais sedentárias: se elas pudessem ao menos se exercitar um pouco para ir ao trabalho, seria uma ótima ideia. Mas essa medida faria elas ficarem ainda mais sedentárias – e precisamos promover o contrário.”
Ampliação da rede ainda mais difícil
A questão da perda da qualidade também preocupa. Com mais usuários, os custos de manutenção se elevam, ao mesmo tempo em que as receitas, caem. Aumentar a rede se torna uma missão delicada.
A equação fica ainda mais complexa num momento em que a região parisiense se organiza para investir 50 bilhões de euros em transportes, para ampliar a rede de metrôs nas periferias, dentro do megaprojeto Grand Paris.
No Brasil, cerca de 15 cidades disponibilizam transporte grátis – a maioria tem no máximo 50 mil habitantes.
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