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França/ Integração

Associação comemora 60 anos de luta pela integração de estrangeiros à cultura francesa

Dentro de uma pequena sala situada na igreja de Saint-Germain-des-Près em Paris, seis estrangeiros se esforçam para adivinhar o país de origem dos colegas. A tarefa não é fácil: eles podem pertencer a qualquer uma das 85 nacionalidades que frequentam a associação L’ARC (“Amizade e Encontro Cristãos”, na sigla em francês) com o intuito de praticar a língua francesa. Todos são iniciantes e se esforçam para superar os malabarismos da pronúncia correta de palavras como “croissant” ou “royaume”.

Estrangeiros escutam um colega falar em francês
Estrangeiros escutam um colega falar em francês RFI
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A brasileira Cristianne Gama afirma que o trabalho da associação é essencial para integração
A brasileira Cristianne Gama afirma que o trabalho da associação é essencial para integração RFI

 “Eu não sei se todo brasileiro tem esse problema, mas eu tenho muita dificuldade com alguns sons franceses, principalmente com o ‘erre’, que é muito diferente para mim, ele não sai de jeito nenhum. Eu espero que com o trabalho da associação o ‘erre’ finalmente saia”, confessa Cristianne Gama, 35, ex-gerente comercial de São Paulo, que mora atualmente em Paris com o marido francês.

A receita é simples: divididos em mesas com cerca de oito participantes, os “estudantes”, como são chamados independentemente da idade, são guiados por um voluntário francês, que os corrige e os aconselha na pronúncia das palavras. Cada um espera sua vez, fala, escuta e aprende.

O voluntário Jean Pierre e a presidente da associação Marie-Françoise Allouch (à esquerda) ensinam a boa pronúncia à síria Salwa
O voluntário Jean Pierre e a presidente da associação Marie-Françoise Allouch (à esquerda) ensinam a boa pronúncia à síria Salwa RFI

“Para mim está sendo um universo totalmente diferente. Eu nunca tive contato com tanta gente do mundo inteiro. Todo mundo ali para aprender o francês, com sotaques diferentes. É muita história também, tem apresentações, cada um fala um pouco de si, e para mim tem sido muito enriquecedor”.

A L’ARC completou seus sessenta anos em 2017. Ela foi criada em 1957 por um padre que buscava diminuir o preconceito ainda não cicatrizado entre franceses e alemães após o fim da Segunda Guerra Mundial.

De lá para cá, a associação cresceu e se desenvolveu até chegar ao número impressionante de 750 alunos inscritos, dos quais boa parte vem do Brasil. “Atualmente 20% dos nossos estudantes são brasileiros”, afirma Maria-Françoise Allouch, presidente da organização, que atribui o sucesso das aulas gratuitas ao boca-à-boca informal entre os estrangeiros.

Em meio a uma das maiores crises migratórias dos últimos anos, a atuação da organização junto aos estrangeiros tem um valor ainda mais importante. Para Cristianne Gama, o trabalho da L’ARC pode ser resumido em uma palavra: integração.
“O papel da associação é muito importante. Se você vem de uma outra origem, você deve se integrar à nova cultura, e para isso é necessário ser ajudado. Porque sem integração não é possível gerar nada de bom. Por isso o trabalho deles é fundamental”.

Mistura de culturas

Maria-Françoise Allouch ressalta que não existe nenhum requisito para assistir às sessões de conversação, exceto uma taxa anual de dez euros. O resultado é uma grande mistura de cultura, classe social, nível de formação e língua. Em uma mesma mesa, habitantes de Trinidad e Tobago, da Venezuela e do Butão discutem sobre arte, comida, turismo e, claro, a respeito da enorme dedicação que o idioma francês exige de cada um, pouco importa o percurso e a idade.

A colombiana Yolanda (à direita) participa da associação há uma década
A colombiana Yolanda (à direita) participa da associação há uma década RFI

“Faz dez anos que venho quase todos os dias à L’ARC. Cheguei na França há 17 anos, mas comecei a aprender o francês bem tarde e para mim é muito difícil falar bem”, conta Yolanda Uoribe, colombiana de 58 anos. “Graças à associação, hoje eu falo um pouco melhor. Não tenho nenhum amigo francês e em casa só falo espanhol com meus filhos, então venho aqui para encontrar pessoas e praticar”.

A realidade de Yolanda é a mesma da maioria dos membros: a associação preenche a ausência de contato com pessoas com quem praticar o francês, já que, sem falar a língua e com medo de ser julgados pelos erros e pelo sotaque, eles acabam não socializando com franceses.
“Eu assisto televisão e leio artigos em francês, o tempo todo. Mas em casa, com amigos e com a família, só falo em árabe. Então venho aqui para praticar e encontrar pessoas”, diz Salwa, síria de 62 anos que se viu obrigada a deixar seu país com o marido após o início dos conflitos no Oriente Médio.

Boa influência

Mais do que ensinar a língua francesa, a L’ARC oferece a seus membros a possibilidade de reconstruir a autoestima e ter coragem para enfrentar a difícil realidade de viver em um país diferente. É o caso de Samer, sírio de 40 anos que, como Salwa, fugiu da guerra em sua terra natal passando pelo Líbano, Jordânia e Argélia antes de aterrissar em Paris.

O sírio Samer encontrou na L’ARC uma chance de reconstruir o futuro
O sírio Samer encontrou na L’ARC uma chance de reconstruir o futuro RFI

Ele conta com orgulho que, desde sua primeira participação no grupo de conversação, há dois anos, já fez duas apresentações diante dos colegas sobre a história da Síria e seus monumentos, que foram destruídos, em boa parte, pelo grupo Estado Islâmico.

“As pessoas agora só conhecem a Síria por causa da guerra, mas ela já foi uma destinação turística. Antes dos conflitos começarem eu era um guia. Agora trabalho num hotel em Paris, o que não é muito diferente. Quando cheguei, não conseguia falar direito, mas a associação me ajudou bastante”, reflete.

“Samer é o melhor exemplo da extraordinária influência da L’ARC. Há dois anos, mal entendíamos o que ele dizia. E agora vemos um progresso formidável”, afirma Marie-Françoise Allouch. Mas a eficácia do aprendizado na associação tem seus limites. “Você fala tão bem quanto escreve?”, pergunta o voluntário Jean Pierre a Samer. “Não”, responde o sírio, rindo.

Família alternativa

Jean Pierre participa semanalmente, todas as sextas-feiras, há sete anos. Como a maior parte de seus colegas, ele está na casa dos setenta anos e parece se beneficiar das atividades da L’ARC tanto quanto os estrangeiros. “É uma associação maravilhosa que nos traz muita satisfação.

Ela me dá a oportunidade de conhecer pessoas do mundo todo, jovens e nem tão jovens assim. A maioria dos meus amigos têm a minha idade, então estar perto de pessoas mais novas me faz bem, é como reviver um pouco minha juventude”, declara.

Essa situação específica e delicada para ambas as partes – de um lado, estrangeiros sem amigos num país desconhecido, do outro, voluntários da terceira idade que procuram ocupar o tempo e ter contato com uma realidade diferente – produz uma relação que se aproxima do elo familiar.

Juntos, os membros da associação se ajudam mutuamente, organizam festas para sair da rotina pedagógica e viajam para destinações turísticas da França, como a Normandia.

Choque cultural

No meio de etnias tão diversas, pequenos conflitos entre os membros por vezes pipocam nas conversações. “Em geral, tudo corre bem, porque os estudantes são tímidos, não falam bem o francês. Às vezes, estrangeiros de países diferentes sobem um pouco o tom e nesse momento o voluntário deve mudar a conversa, falar de outro assunto, menos delicado”, afirma Marie-Françoise.

“Na L’ARC, de uma maneira geral, evitamos falar de dois assuntos: política e religião”, declara Jean Pierre. “Há alguns anos, estávamos falando dos atentados e isso criou uma enorme polêmica entre um americano e um iraquiano e eu fui obrigado a intervir.

Aconteceu a mesma coisa quando havia um turco e um curdo. Por vezes, as paixões da pessoa passa por cima do interesse geral. Da mesma forma, eu evito falar de futebol, a menos que tenha um brasileiro na mesa”, brinca.

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