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França/Eutanásia

Escritora transforma morte em combate pela legalização da eutanásia na França

O livro “Le tout dernier été” (O último verão, em tradução livre), de Anne Bert, que chega às livrarias francesas nesta quarta-feira (4) é um livro póstumo. Mas o calendário de lançamento foi decidido pela própria escritora que morreu, aos 59 anos, três dias antes. Vítima da doença de Charcot, ela recorreu à eutanásia. Como no Brasil, a prática é proibida na França. Anne Bert morreu na última segunda-feira (2) na Bélgica e fez dessa opção um combate político pela legalização da morte assistida em seu país.

A escritora francesa Anne Bert recorreu à eutanásia e morreu na segunda-feira (2), na Bélgica.
A escritora francesa Anne Bert recorreu à eutanásia e morreu na segunda-feira (2), na Bélgica. AFP PHOTO / COURTESY OF THE FAMILY OF ANNE BERT
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“Le tout dernier été”, editado pela Fayard, é uma espécie de epílogo desse combate: “Acabei de encontrar meus assistentes. Estes homens fazem agora parte da minha vida já que eles vão me ajudar a sair dela. Eu os sinto rigorosos, exigentes, prudentes e, sobretudo, empenhados a me dar a mão com suavidade. É uma outra medicina que, consciente que não pode mais curar o corpo, decidiu cuidar da alma”. Assim, delicadamente, Anne Bert conta em seu último livro o caminho que escolheu para abreviar seu sofrimento e “morrer com dignidade”. Um caminho que terminou fora de sua terra natal e desrespeitando as leis francesas.

Condenada pela doença neurodegenerativa que atrofia os músculos, a autora de vários romances eróticos decidiu que não iria terminar seus dias em uma cama, completamente dependente da ajuda de terceiros e de aparelhos. Indignada com a legislação francesa, que penaliza a eutanásia ou o suicídio assistido, ela decidiu mediatizar sua decisão. Mesmo com os movimentos reduzidos – seus braços estavam paralisados, as pernas rígidas e a deglutição comprometida, Anne Bert cobrou um posicionamento dos candidatos à presidência francesa durante a última campanha eleitoral e concedeu até o final dezenas de entrevistas à imprensa na esperança de influenciar o debate e conseguir avanços na legislação francesa.

"Lei francesa é hipócrita"

Em entrevista à RFI, em março de 2017, Anne Bert disse que a lei francesa Claeys-Leonetti sobre o fim de vida “é hipócrita”. O texto, votado em 2015, permite apenas aos doentes terminais em estágio avançado uma sedação profunda até a morte. “Eu escolhi morrer enquanto ainda estou apta. Não quero viver com uma perda total de integridade”, justifica.

Ela lamenta ter tido que se ocupar do procedimento para a eutanásia na Bélgica, onde a prática é legal desde 2002: “Isso não é coisa que deveríamos fazer quando não temos mais esperança de vida. Deveríamos poder nos ocupar de outras coisas que não nossa morte ou nosso enterro”.

Para ela, é insuportável ter que fugir para morrer. A escritora, que milita na Associação pelo Direito de Morrer na Dignidade, não compreende que motivos religiosos impeçam a autorização da eutanásia. Ela ressalta que não defende o uso indiscriminado da prática para os doentes terminais e incuráveis, mas a “possibilidade de escolher” esse direito.

Interpelado por Anne Bert quando candidato sobre o tema, o presidente Emmanuel Macron não se comprometeu, afirmando que questões éticas não são prioritárias. Depois da morte da escritora, o primeiro-ministro Edouard Philippe declarou “respeitar a escolha da escritora, mas salientou ser prudente sobre a questão”.

Situação no Brasil

No Brasil, a eutanásia também é crime. No entanto, devido a uma resolução do Conselho Federal de Medicina, o país autoriza a “ortotanásia”, que é a suspensão do tratamento de doentes em fase terminal, após consentimento dele ou de parentes.

Um projeto de lei sobre a eutanásia tramitou durante 17 anos no Congresso e foi arquivado em 2013, sem nunca ter sido votado. O debate é intenso no país e emperra principalmente, em dois pontos: a Constituição brasileira, que diz que o direito à vida é inviolável, e a religião.

Poucos países no mundo já descriminalizaram a eutanásia e/ou o suicídio assistido. A Holanda foi o primeiro deles, seguida por Bélgica, Suíça, Luxemburgo, Alemanha, Canadá, China, Colômbia e alguns estados dos EUA.

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