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Jogos Olímpicos/ Paris 2024

Olimpíada de Paris promete revigorar departamento mais pobre da França

A França comemora a confirmação, pelo COI (Comitê Olímpico Internacional), de que os Jogos Olímpicos de 2024 serão realizados em Paris. As competições esportivas vão se espalhar por lugares míticos da capital francesa, como a Torre Eiffel e o Grand Palais. Uma parte importante das instalações, porém, vai ultrapassar as fronteiras parisienses e ser construída em Seine-Saint-Denis, o departamento mais pobre da França.

Vila Olímpica da Paris 2024 vai ser instalada em Saint-Denis.
Vila Olímpica da Paris 2024 vai ser instalada em Saint-Denis. Divulgação/ ©Paris 2024-TVK-Horoma
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Foi nessa região, ao norte e nordeste da capital, que se concentraram as revoltas de jovens em 2005, um episódio que escancarou a tensão social nas periferias francesas. Desde então, o terrorismo também assombra o departamento. A cidade de Saint Denis voltou às capas dos jornais internacionais em 2015, quando os autores dos atentados ao Bataclan e o Stade de France se refugiaram em um apartamento situado na localidade, usado para a organização dos ataques.

Os Jogos de 2024 prometem revigorar a região. O comitê organizador vai aproveitar o Stade de France, construído para a Copa do Mundo de 1998, para as provas de atletismo e as cerimônias de abertura e encerramento. Em torno dele, ficarão as instalações de outros cinco esportes (natação, polo aquático, tiro, badminton e vôlei).

Em Saint-Denis, serão construídas a piscina olímpica e a Vila Olímpica, com até 5 mil habitações, das quais cerca de 40% devem ser destinadas à população de baixa renda, após as competições. Em Dugny, se instalarão os jornalistas do mundo inteiro que virão cobrir os Jogos. Todo o complexo olímpico se estende ao longo de um raio de 10 quilômetros.

 

Silvia Capanema, franco-brasileira que ocupa uma das cadeiras de conselheira departamental (equivalente a deputada estadual) em Seine-Saint-Denis, comemora particularmente os projetos que serão realizados ao norte, em uma das áreas mais carentes do departamento. “Muita coisa já tinha sido feita em torno do Stade de França, na época da Copa. A região norte é a que mais precisa – é lá que ficam as moradias mais populares e onde os investimentos são mais necessários”, ressalta Capanema. A rede do metrô será ampliada e a nova estação vai receber mais três linhas, uma obra que os habitantes aguardavam há anos.

Influência nos jovens

Capanema nota que os governos locais ficaram empolgados com a notícia, mas a população encara a realização dos jogos com mais cautela: prefere verificar que as promessas serão de fato cumpridas antes de festejar a vinda da Olimpíada. Ela lembra que o departamento é marcado por uma forte presença jovem – 25% dos habitantes têm menos de 26 anos. Por isso, a esperança é de que a Olimpíada representem uma influência positiva sobre essa população.

“Se os jovens forem realmente beneficiados por projetos que os incluam, os Jogos podem ter uma influência boa. Mas se não for assim, o risco é que eles se voltem contra as instituições públicas, como a gente viu no Brasil e em outros lugares, onde os grandes eventos foram vistos com críticas e desconfiança, porque serviram para desvios de verba e para enriquecer determinados grupos”, avalia a conselheira. “Se a população não se sentir incluída, pode haver um efeito contrário, de gerar revoltas, manifestações e vandalismo.”  

Gentrificação leva moradores para periferias ainda mais distantes

Já o historiador especialista nos Jogos Olímpicos Patrick Clastres, professor da Universidade de Lausanne, adverte que, com os Jogos, Saint-Denis entrará na mira do setor imobiliário. A realização do evento vai gerar uma melhora dos serviços públicos em geral e a consequência imediata será a elevação dos preços dos imóveis e do custo de vida.

“Eu resumo o impacto em uma palavra: gentrificação. Os preços sobem e as populações locais acabam sendo empurradas para outros bairros, ainda mais longe, causando a elas ainda mais dificuldades do que tinham antes. Foi isso que aconteceu em Barcelona, em Pequim, no Rio e até em Londres, com a revalorização de zonas à beira do rio Tâmisa, depois das Olimpíadas”, explica o especialista em história esportiva. “A grande dificuldade do poder público francês será lutar contra essa tendência, com uma política rígida de habitações sociais para o legado dos Jogos.”

Chance de mudar a imagem da França

O professor também nota que o modelo adotado pelo COI, baseado no trabalho de voluntários, costuma gerar frustrações: sem recursos para comprar ingressos, a população local acaba participando dos Jogos apenas indiretamente, na forma de mão de obra gratuita. “Organizar um espetáculo que será assistido pelos outros tem um efeito miragem que é cruel para essas pessoas, com um forte risco de desilusão”, afirma.

Clastres ainda observa que, ao contrário dos que se pensa, as Olimpíadas não trazem lucros bilionários para a cidade organizadora. As vantagens duram não mais do que dois anos, já que os empregos criados são temporários e o turismo gerado não será maior do que o habitual em uma grande cidade como Paris. Ele vê, porém, uma oportunidade de ouro nas mãos dos franceses: a de reconstruir a sua imagem no mundo. “A França será capaz de mostrar uma nova cara? Não somos só a proibição do véu islâmico, nem só o terrorismo ou as periferias em chamas. Somos um país de diversidade, de democracia, de liberdade e de direitos e coim uma juventude extremamente criativa. É preciso apenas acompanhar a juventude de Seine Saint Denis nessa criatividade, sem contos de fadas.”

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