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França

Pena de € 90 mil a jovens pobres que moraram em imóvel vazio comove a França

O caso é o mais grave e o mais longo envolvendo ocupação de imóveis desabitados em Paris. Depois de quase oito anos de idas e vindas na justiça, oito franceses foram condenados a pagar € 90 mil (R$ 322 mil) por ter morado 15 meses em um imóvel desocupado na capital francesa.

Fachada do imóvel na rua de Sèvres, 7° distrito de Paris, ocupado pelo grupo de estudantes de 2008 a 2009.
Fachada do imóvel na rua de Sèvres, 7° distrito de Paris, ocupado pelo grupo de estudantes de 2008 a 2009. Rémi Déprez
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O grupo não imaginava o pesadelo que viveria ao decidir invadir um prédio no luxuoso 7° distrito de Paris. Oito estudantes em condições precárias utilizaram o local como moradia durante pouco mais de um ano, entre abril de 2008 e junho de 2009, uma solução temporária devido à dificuldade de alugar imóveis em Paris, um célebre problema da cidade.

Na capital francesa, além da severa lista de exigências das imobiliárias e a oferta escassa, o preço dos alugueis são altíssimos, entre € 24 e € 34 por metro quadrado (R$ 85 e R$ 212 por metro quadrado), dependendo do bairro. Contraditoriamente, Paris conta com cerca de 100 mil imóveis vazios, de acordo com dados do Instituto Nacional da Estatística e dos Estudos Econômicos (Insee). O mesmo organismo contabiliza, por ano, 200 mil pessoas em busca de moradia em Paris.

Ao se deparar com as dificuldades e ao tomar conhecimento do imóvel vazio, o grupo decidiu ocupar o prédio de cinco andares e 250 metros quadrados que há sete anos não era habitado. "Estávamos todos na mesma situação. Éramos estudantes, sem emprego, sem dinheiro, sem fiador. Eu, por exemplo, trabalhava meio período como vigia de hoteis e não tinha dinheiro nem para pagar um quarto para estudante", conta Rémi Déprez, 32 anos, um dos jovens condenados.

À RFI, Déprez contou que o grupo descobriu que a proprietária do edifício é uma belga que morava em um monastério em Bruxelas. Iludidos, na época em que chegaram ao local, os estudantes imaginaram que a dona do imóvel seria uma religiosa que não se incomodaria ao compartilhar seu bem com jovens pobres.

Proprietária é dona de imóveis milionários

O grupo começou a ter a dimensão da personalidade da dona do prédio, Clothilde Queru-Montanari, quando ela deu entrada no processo de expulsão e exigiu uma indenização de € 250 mil (R$ 895 mil). Longe da imagem da religiosa bondosa, os estudantes descobriram que a proprietária é uma mulher riquíssima, dona de vários imóveis, inclusive de um hotel na periferia nobre de Paris, avaliado em milhões de euros e desocupado há 32 anos.

Depois de terem suas contas bancárias bloqueadas e esvaziadas a mando da justiça, os jovens devolveram € 20 mil (R$ 71 mil). "Nos encontramos com ela várias vezes. É uma pessoa extremamente agressiva, que vem de uma antiga família burguesa e não compreende as dificuldades alheias. Nos tratou de comunistas, disse que os sindicalistas e os imigrantes são 'o diabo'", relata.

Não satisfeita, a mulher recorreu onze vezes da decisão da justiça, obstinada em receber a indenização de € 250 mil, sem jamais justificar o porquê do imóvel permanecer vazio. "Desde a primeira audiência, propusemos pagar o valor avaliado do aluguel do prédio, de € 200 a € 300 [R$ 716  a R$ 1.074] por pessoa e por mês. O preço não era alto porque o local, quando chegamos, não estava em condições de ser habitado. Para morar lá, nós mesmos fizemos várias reformas no encanamento, no sistema de eletricidade, pintamos as paredes, etc. Mas ela nunca aceitou nossas propostas e não quis negociar. Nos disse que não precisava de dinheiro, mas nos faria pagar até o último centavo do que devíamos", relembra Déprez.

Caso encerrado

O caso teve forte repercussão nas mídias francesas e comoveu a opinião pública. Nem a mediação de personalidades políticas do país, entre eles, o então prefeito da capital francesa, Bertrand Delanoë, obteve sucesso junto à belga. Em maio deste ano, um tribunal de Paris decidiu encerrar o caso exigindo a indenização final de € 90 mil.

De acordo com Déprez, os jovens agora tentam negociar o pagamento da indenização por parcelas. Segundo ele, a mulher exige na justiça esvaziar novamente as contas bancárias do grupo, como aconteceu em 2009. "Vamos pagar a indenização, mas não podemos ficar 'no zero' novamente. Temos obrigações, impostos para pagar, uma vida", diz o militante que hoje aluga um apartamento no norte de Paris com a namorada e é pai de uma bebê.

Para conseguir quitar a soma exigida, outros quatro jovens que ocuparam temporariamente o imóvel também doaram suas economias ao grupo. Duas organizações, a Jeudi Noir e a Fondation France Libertés, realizam uma coleta de dons online. Enquanto isso, o imóvel da rue de Sèvres continua desabitado, agora há 17 anos.

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