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"Se Macron fizer um bom mandato, o Partido Socialista está condenado a desaparecer", diz analista

Após a derrota avassaladora no primeiro turno da eleição francesa, com apenas 6,36 % dos votos para Benoît Hamon, o Partido Socialista (PS) enfrenta a pior crise em quase 50 anos de história.

Benoît Hamon e François Hollande: que futuro para o Partido Socialista?
Benoît Hamon e François Hollande: que futuro para o Partido Socialista? Reuters
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A legenda, fragmentada em diversos grupos, viu esta semana em seu seio o surgimento do movimento Dès Demain, capitaneado pelas prefeitas Anne Hidalgo (Paris) e Martine Aubry (Lille) e pela ex-ministra da Justiça Christiane Taubira. O próprio Hamon anunciou que também vai lançar um movimento no início de julho.

O ex-primeiro-ministro Manuel Valls, que apoiou a candidatura do presidente eleito, Emmanuel Macron, desde o primeiro turno, sentenciou em entrevista que o partido “morreu”.

“Quando uma pessoa fala que uma entidade política está morta, temos a sensação de que ela dramatiza e exagera a situação. Mas, em todo caso, acho que o Partido Socialista está no fim de um ciclo. Ele precisa de um novo projeto, de um novo posicionamento político. Não pode continuar entre correntes políticas que estão em desacordo em temas como a economia e a relação com a Europa”, analisa o cientista político Bruno Cautrès, professor do Instituto de Estudos Políticos de Paris (Sciences Po).

Para o cientista político Laurent Bouvet, autor do livro "La Gauche Zombie" (a esquerda zumbi), “o PS já estava bastante dividido e fragilizado quando Hollande assumiu a presidência”. “O fim desse processo, ao qual assistimos atualmente, foi acelerado pela última eleição. Nos próximos meses e anos, haverá talvez um novo Partido Socialista, com uma nova forma ou várias. Não sabemos ainda exatamente. Mas o que existia até hoje acabou. ”

“Movimentos não significam renovação”

Sobre os movimentos criados por membros do partido, Bouvet diz que há dois aspectos importantes. “O primeiro é que cada um se prepara para o futuro e reúne as suas tropas, tenta ver como vai poder exercer um papel no futuro nesse espaço político à esquerda da maioria presidencial de Emmanuel Macron e à direita da França Insubmissa de Jean-Luc Mélenchon. Então é um espaço reduzido”, analisa.

O cientista político, que é professor na Universidade Paris Saclay, ressalta o segundo ponto interessante: “Vemos que isso acontece sob a forma de movimentos, e não de partidos. Essa evolução vem do exemplo da França Insubmissa, do Em Marcha de Macron, e, em menor medida, da candidatura de Marine Le Pen para além da Frente Nacional. ”

Bouvet lembra que, na eleição presidencial, “esses movimentos venceram contra os partidos tradicionais, principalmente os partidos Socialista, Comunista e Os Republicanos (direita). “Então há uma conjuntura muito favorável aos movimentos. Por isso todo mundo, nesse espaço socialista que se reduz, quer ter seu movimento para tentar se colocar em um momento particular no qual visivelmente os cidadãos tem mais vontade de ouvir falar de movimento do que de partido. ”

Para Cautrès, o problema desses movimentos “é que eles não sinalizam uma renovação”. “São criados por personalidades que não encarnam o espírito renovador. Eles dão mais a sensação de que o partido socialista está se fechando em si mesmo. Mas, sem dúvida, acho que vamos assistir a uma recomposição interna do partido. Os resultados das eleições legislativas nos permitirão saber um pouco mais. Vamos saber quais eleitos vão integrar a maioria presidencial e quais vão ficar de fora.”

Três correntes políticas

Bouvet enxerga três vertentes claras dentro do partido. “Há um grupo que saiu principalmente da esquerda da legenda, que esteve por trás da campanha de Hamon e também do movimento de Hidalgo. O segundo grupo é formado pelos ‘hollandistas’, os herdeiros de Hollande, que foram ministros, como Stephane Le Foll e Michel Sapin, e pelos centristas, com seu chefe, Jean-Chistophe Cambadélis. Eles pretendem apresentar candidatos às eleições legislativas e rejeitaram o programa de Hamon. Eles representam uma vontade de continuar a história do PS.”

Já, segundo o cientista político, “o terceiro grupo é representado pelos socialistas que se aliaram ou que querem se aliar à maioria presidencial de Macron, seja se filiando diretamente à legenda A República em Marcha ou, como Manuel Valls, sem se apresentar sob a etiqueta do partido”.

Eleições legislativas

Sobre as eleições legislativas, que acontecem de 11 a 18 de junho, os dois cientistas políticos preveem um resultado catastrófico para os socialistas.

“É uma situação muito difícil. A legenda está deixando o governo e, ao mesmo tempo, está dividida. Além disso, não encontra o seu lugar atualmente, entre a dinâmica centrista de Macron e a forte dinâmica de esquerda da França Insubmissa. As eleições se anunciam, sem nenhuma dúvida, como o pior resultado do partido. Ele deve eleger menos deputados que em 1993, quando caiu a 52 cadeiras”, diz Cautrès.

Para Bouvet, “o PS deve sofrer uma derrota histórica. “A referência é a eleição 1993, no final do período de François Mitterrand, quando o partido ganhou menos de 60 cadeiras, que é seu recorde para baixo na Quinta República. Agora é possível que haja ainda menos eleitos. Seria outra derrota histórica, após a presidencial, que teve o resultado mais baixo desde 1969 (5,01%).”

Futuro da legenda

Com o fracasso eleitoral e as divisões internas, qual seria o futuro do PS? “Ainda é muito cedo para saber. Estamos em uma fase de decomposição e deslocamento do partido. Uma hipótese é que ele se transformará em vários partidos ou movimentos que reclamem a herança do PS. Podemos ter um pequeno partido com seu grupo parlamentar no interior da maioria presidencial. Podemos ter, no exterior, uma legenda que guarda a herança do financiamento, que seja ligado aos ecologistas, como no caso de Hamon, e que represente um pequeno partido entre a República em Marcha e a França Insubmissa. Mas seriam estruturas pequenas”, opina Bouvet.

Para Cautrès, tudo vai depender da performance do novo presidente. “Se Macron tiver grandes dificuldades para realizar seu programa, isso daria uma margem de manobra ao PS, que deve encarnar, ao mesmo tempo, o realismo econômico e a esquerda. Se Macron for bem-sucedido, então, sem dúvida, o PS está condenado a desparecer.”

Sobre o papel do presidente Hollande, que passa a faixa para Macron neste domingo (14), Cautrès opina que “ele vai, sem dúvida, tomar distância do partido porque ele não pertence completamente a essa família política no senso mais estrito do termo". “Ele continua socialista, sem dúvida, do ponto de vista da sua orientação política. Ao mesmo tempo, ele foi presidente da República com um balanço de governo que deixou muitas divisões internas. Não acredito que ele vá assumir um papel importante.”

Manuel Valls

A respeito da possível exclusão de Valls do partido, por tentar se candidatar pela legenda de Macron,  Bouvet opina que seria uma decisão equivocada. “O problema da exclusão é que o partido já está muito fraco, acaba de sofrer a derrota presidencial e deve sofrer outra grande derrota nas eleições legislativas", diz.

Ele acredita que "excluir membros para manter uma pureza ideológica ou uma rigorosa coerência interna é um mau sinal". "Significa que é um partido obrigado a se separar de grandes figuras para continuar a existir e provar a sua identidade. Isso não faz o menor sentido para os franceses. Porque um partido aos olhos da população são as pessoas que fazem parte do partido. Ou seja o PS é Manuel Valls, Gérard Collomb, Jean-Yves Le Drian... Falo daqueles que apoiaram ou que dizem que apoiarão Macron. Se todas essas pessoas deixam o partido, não haverá mais PS. A legenda são pessoas que a compõem, que o fazem viver, que o fazem existir. Se essas grandes figuras e os militantes deixarem o partido, ele acaba."

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