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França/Eleições

Análise: sem preparo para governar, Le Pen faz autossabotagem em debate

A virulência do debate de quarta-feira (3) entre os candidatos ao segundo turno da eleição presidencial francesa, Emmanuel Macron, de centro, e Marine Le Pen, da extrema-direita, surpreendeu telespectadores e especialistas em estratégia e comunicação política. A líder da Frente Nacional impôs uma discussão agressiva que se voltou contra ela.

O cientista político Jean Petaux (esquerda) e o especialista em comunicação Philippe Moreau Chevrolet.
O cientista político Jean Petaux (esquerda) e o especialista em comunicação Philippe Moreau Chevrolet. Fotomontagem arquivo pessoal e reprodução vídeo
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Le Pen deu um tiro no pé. Para a maioria dos analistas, a candidata da extrema-direita demonstrou seu completo despreparo para governar o país. Quando todos esperavam que ela iria aproveitar o debate para esclarecer pontos de seu programa e se mostrar à altura de ocupar o Palácio do Eliseu, Le Pen ofereceu aos franceses duas horas e meia de um espetáculo furioso, no limite do constrangimento. Seu desempenho foi considerado tão ruim que ela acabou atraindo todas as críticas. Já o adversário foi poupado.

"A estratégia adotada por Le Pen foi surpreendente. Podemos supor que ela ficou com medo diante de um obstáculo e concluir que ela não tem o nível necessário para a função presidencial", avalia Philippe Moreau Chevrolet, fundador da agência de consultoria política MCBG e professor da Escola de Comunicação da Universidade Sciences Po de Paris.

Na opinião do especialista, "Le Pen se sabotou ao vivo diante de 16 milhões de telespectadores", dando um indício de que não está preparada para ser presidente. "Pode ser que o partido questione a liderança da candidata no final do processo eleitoral", acrescenta.

Jean Petaux, professor de ciências políticas na Universidade Sciences Po de Bordeaux, nota que Le Pen escolheu a estratégia da ruptura desde o primeiro minuto do encontro. "Ela quis colocar Macron contra a parede, com o objetivo de fazê-lo perder a cabeça, mas não deu certo, o resultado se voltou contra ela", analisa.

A presidente afastada da Frente Nacional atacou Macron do começo ao fim do duelo. Além de acusá-lo de "candidado da globalização selvagem, da 'uberização', da precariedade, da brutalidade social, do roubo econômico das grandes empresas, do esfolamento da França pelos interesses econômicos, filhote do presidente François Hollande", a candidata criticou a personalidade de Macron e seus hábitos. O centrista, constantemente interrompido e ironizado pela rival, conseguiu manter o sangue frio, se defender e, sobretudo, destacar a superficialidade do programa de Le Pen.

Em várias ocasiões, Macron disse que ela só falava "besteiras". "Você não tem um projeto para a França. Seu projeto é baseado no medo e em mentiras. Você é um parasita do mesmo sistema que denuncia", disse o centrista, fundador do movimento Em Marcha!.

Le Pen recua e adota estilo radical do pai

Para os dois especialistas ouvidos pela RFI, Le Pen retornou às raízes familiares nessa reta final da campanha. "Ela teve toda a responsabilidade pela agressividade que se viu na TV e se recusou a explicar seu programa, como fazia o pai dela [Jean Marie Le Pen, que perdeu a eleição de 2002 para Jacques Chirac]", comentou Petaux. "Ficou claro que havia um candidato com capacidade para governar e outro com perfil de líder da oposição", conclui o cientista político.

Chevrolet concorda com essa análise. "Ela abordou o debate se apresentando como uma opção antissistema, bem radical, em tom sarcástico, de desprezo, em uma estratégia típica do velho partido criado pelo pai dela. No final, virou um debate entre dois candidatos que se desprezam", observa o diretor da consultoria MCBG.

Chevrolet salienta uma contradição maior no campo extremista. "Le Pen passou os últimos meses construindo a imagem de uma candidata serena, notável, capaz de transformar a Frente Nacional em um partido 'frequentável'. A gente esperava que ela fosse aproveitar a ocasião para demonstrar que tinha capacidade de administrar serenamente assuntos importantes e, talvez, governar o país. Aconteceu o contrário. Ela se mostrou muito parecida com seu pai. No final, não se sabe o que ela pensa, o que ela propõe. Seu nervosismo e sua agressividade provocam muita preocupação", destaca Chevrolet.

Crítica a Macron

O consultor condena Macron por ter entrado no jogo da adversária, ao responder a cada uma das acusações, "quando não é possível vencer Le Pen no enfrentamento". Para sorte do centrista, a agressividade da rival "foi totalmente ineficaz", de acordo com o cientista político de Bordeaux. "Se ela tivesse se controlado, poderia ter incomodado Macron muito mais", assinala Petaux.

O professor considera que Le Pen se colocou em uma situação desfavorável que "pode comprometer a eleição de uma grande bancada de deputados nas legislativas do mês de junho", o que já era visto como provável no atual cenário de divisão da sociedade francesa. "A Frente Nacional não vai eleger tantos deputados quanto imagina", aposta.

Apesar do duelo televisivo indigesto, Chevrolet prefere permanecer otimista. "A vantagem de Macron é que ele é suficientemente neutro para figurar como o menor denominador comum democrático da sociedade francesa", pondera. "Se ele não cair na armadilha de se fechar na gaiola de ouro do Palácio do Eliseu, talvez consiga sanear a paisagem política e promover uma recomposição das forças. A França poderá, então, recomeçar do zero. É isso que os franceses desejam e existe uma pequena esperança que aconteça", conclui.

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