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"Carne Fraca"

"O Brasil deve esclarecer o que é fraude e o que é sanidade animal", diz lobista

O lobista Jogi Humberto Oshiai, especialista em políticas e negociações comerciais nas instituições europeias, reconhece que o escândalo revelado pela Operação Carne Fraca da Polícia Federal “é uma catástrofe” para o setor do agronegócio brasileiro. Com trinta anos de experiência em Bruxelas, ele afirmou em entrevista à RFI Brasil que o escândalo chega em má hora, mas considera a fraude nos frigoríficos “localizada”.

O consultor Jogi Humberto Oshiai atua como lobista nas instituições da União Europeia em Bruxelas.
O consultor Jogi Humberto Oshiai atua como lobista nas instituições da União Europeia em Bruxelas. Arquivo Pessoal
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A Comissão Europeia pediu nesta segunda-feira (20) ao Brasil que retire da lista de estabelecimentos autorizados a exportar para o bloco os frigoríficos envolvidos no escândalo da carne estragada. Das 21 empresas citadas nas investigações, quatro tinham permissão de exportar à União Europeia. Entretanto, a Comissão confirmou à RFI que, “neste estágio, não existe nenhum alerta específico das carnes brasileiras nos mercados europeus”.

RFI Brasil – O senhor trabalha há vários anos em Bruxelas defendendo os interesses de clientes brasileiros privados e institucionais, sobretudo do setor do agronegócio, e já trabalhou inclusive na missão do Brasil na União Europeia até 2006. Como o senhor avalia a repercussão da Operação Carne Fraca na Europa?

Jogi H. Oshiai – Era tudo o que o nosso setor não necessitava no momento, especialmente em função da crise econômica e política no Brasil. Há anos, o setor pecuarista vem lutando contra adversidades para desenvolver e manter o nome do Brasil entre os principais produtores e exportadores de proteína animal de qualidade e segura do ponto de vista alimentar. Todos nós do setor passamos um fim de semana terrível em função dessa catástrofe, que poderia, talvez, ter sido evitada.

RFI Brasil – O senhor representa alguma empresa citada no esquema ou já representou no passado?

Jogi H. Oshiai – Atualmente não represento nenhuma das empresas denunciadas, mas confesso ter trabalhado com algumas delas no passado e tenho orgulho de continuar colaborando com alguns amigos e colegas que ainda trabalham, por exemplo, na BRF-Brasil Foods e na JBS. Junto com a Minerva Foods, essas empresas empregam os melhores profissionais do setor em nível nacional e mundial.

RFI Brasil – Adianta minimizar a gravidade do escândalo como tentam fazer o presidente Michel Temer e o ministro Blairo Maggi, da Agricultura, ao afirmar que o número de empresas implicadas é pequeno?

Jogi H. Oshiai – Eu acredito que com a ajuda de especialistas é possível separar o joio do trigo, para que o nosso governo possa informar aos nossos parceiros comerciais, em breve e de maneira oficial, que a Operação Carne Fraca não revelou problemas de sanidade animal ou de saúde pública. É um problema de fraude muito localizada. As empresas do setor agropecuário são fiscalizadas e auditadas pelos governos importadores e clientes. Os fiscais da direção europeia de segurança alimentar e veterinária (Food and Veterinary Office - FVO), com sede em Dublin, vão ao Brasil e auditam as empresas brasileiras por amostragem. A FVO dita padrões sanitários para o mundo. O Brasil está habilitado para exportar. Pelo que eu pude apurar neste fim de semana em Bruxelas, estamos falando de uma agulha no palheiro.

RFI Brasil – As autoridades europeias não estariam diante de um fato consumado, uma vez que o esquema investigado é antigo?

Jogi H. Oshiai – O Brasil é o primeiro exportador mundial de carne bovina e de aves, e o quarto de suínos. Eu acredito que isso só se tornou possível devido ao desempenho excepcional do setor exportador, e de empresas que conseguiram ao longo de anos obter o crédito e a confiança dos consumidores e importadores, não somente europeus mas do mundo todo. Apesar dessa crise, muitas vezes o poder de decisão é relegado a alguns indivíduos que, motivados por interesses próprios, sequer têm consciência que podem criar uma crise dessa dimensão, a ponto de colocar em questão o sistema produtivo e também as instituições. Não é preciso ir muito longe de Bruxelas. Basta lembrar o caso do John Dalli, que era comissário europeu da Saúde e também se envolveu em fraude e foi demitido [em 2012, depois de uma suspeita de corrupção ligada ao setor do tabaco].

RFI Brasil – Os europeus têm interesse em abafar eventuais descuidos nos controles sanitários?

Jogi H. Oshiai – O interesse de países produtores como a França e a Irlanda é aumentar a gravidade das denúncias para pedir a suspensão das importações brasileiras. As pressões sobre a Comissão Europeia são muito fortes para que sejam adotadas medidas duras contra o Brasil. Mas se formos observar essa crise do lado da Comissão, que é o braço executivo do bloco, eu acredito que eles têm uma tendência de tomar muito cuidado com qualquer medida que venha a ser tomada. Eu recordo que crises no setor de proteína animal abalam o consumo de todas as carnes e de seus subprodutos. A lei de mercado é respeitada no bem e no mal, para evitar grandes perdas financeiras e isso implica empresas brasileiras e europeias. O Brasil deve dar esclarecimentos sobre o que é fraude e o que é sanidade animal.

RFI Brasil – A Europa também enfrenta há alguns anos vários escândalos de carne contaminada. Tivemos o Carrefour na França denunciado por vender carne vencida e a crise da carne de cavalo, apresentada como bovina em congelados. É um setor propenso às irregularidades e à corrupção?

Jogi H. Oshiai – O setor de carnes não é diferente de qualquer outra indústria. Mas tem a peculariedade de ser muito sensível por estarmos falando de alimentação de seres humanos. Então, qualquer coisa que venha afetar essa cadeia produtiva tem um impacto muito grande na mídia. Temos presenciado irregularidades e corrupção nesse setor na Europa, como você citou, e também no Brasil – a máfia do filé foi um deles –, mas também temos fraudes no setor automobilístico, como o escândalo dos carros a diesel da Volkswagen, que também afeta o consumidor. Nem por isso os consumidores deixaram de comprar carros, especialmente da Volkswagen. Eu acredito que existam irregularidades e corrupção no setor de carnes, mas temos de aproveitar essas experiências negativas para transformá-las em ações positivas, inclusive para criar mais credibilidade e uma melhor imagem do Brasil no exterior. O Brasil tem um problema político. Como temos uma liderança no país que não tem se comportado adequadamente, todos os setores produtivos pagam por isso. Temos de mudar o Brasil.

RFI Brasil – O vegetarianismo está aumentando na Europa, o que deve colocar os produtores de carne em dificuldades. Como o senhor vê o futuro das exportações brasileiras de carne bovina e de aves?

Jogi H. Oshiai – Modismo como o vegetarismo existirá sempre e ele é mal utilizado, inclusive com a colaboração de pessoas públicas importantes como o cantor Paul McCartney. Há alguns anos, ele foi até o Parlamento Europeu para discursar sobre o movimento “Dont’t eat meat monday”, em português “Não coma carne na segunda-feira”. No entanto, a meu ver, os consumidores europeus e de outros países não deixarão de consumir proteína animal. Grandes indústrias e universidades europeias estão pesquisando maneiras de aumentar a utilização de proteína de insetos. Mas, entre um bom bife de qualidade brasileira e um inseto, suponho que os consumidores de países desenvolvidos irão ainda privilegiar por muito tempo as carnes.
 

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