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O Mundo Agora

Eleitores socialistas escolhem "promessa de sociedade utópica" com Hamon

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Foi um azarão que acabou vencendo as eleições primárias do Partido Socialista (PS) francês. Até pouco tempo atrás, ninguém apostava um níquel em Benoît Hamon, da ala esquerdista do partido e crítico feroz do governo. Mas ele esmagou o seu adversário, o ex-primeiro ministro Manuel Valls, com uma promessa tão espetacular quanto demagógica: distribuir uma renda mensal de € 750 para o conjunto dos cidadãos franceses, pobre e ricos, trabalhando ou não, e durante a vida inteira.

Os candidatos François Fillon (esq.) e Benoît Hamon.
Os candidatos François Fillon (esq.) e Benoît Hamon. REUTERS/Pierre Constant/Pool/Philippe Wojazer
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Lanche de graça para todo mundo! A medida engoliria todo o orçamento público da França, mas o candidato não quis nem saber. E os eleitores da base do PS decidiram votar num sonho – a promessa de uma sociedade utópica – e punir a chamada “esquerda de governo” e o balanço – tido como negativo – do presidente François Hollande.

A campanha eleitoral para as eleições presidenciais de maio próximo está afundando numa confusão geral. As primárias do partido da direita (Os Republicanos – LR) já haviam escolhido outro azarão, François Fillon, que misturava um programa de modernização econômica brutal com um posicionamento social e cultural ultraconservador. Só que hoje, Fillon está envolvido num escândalo de nepotismo e desvio de fundos. E já avisou que abandonaria o páreo se fosse indiciado.

Por enquanto, as últimas peripécias favorecem o projeto do candidato sem partido, Emmanuel Macron, antigo ministro do governo socialista, que vende uma imagem de “nem esquerda nem direita”. Macron vem atraindo eleitores da esquerda que consideram Benoît Hamon um irresponsável, e eleitores da direita e do centro que não suportam o conservadorismo imoderado de Fillon. E tudo isso com a Frente Nacional, o partido chauvinista e xenófobo de Marine Le Pen, tentando reeditar na França o sucesso de Donald Trump nos Estados Unidos. Bota confusão nisso!

Na verdade, os azarões estão na moda na Europa e nos Estados Unidos. A Espanha ficou quase um ano sem governo, paralisada pelo sucesso de dois partidos récem-criados. Na Grécia, uma formação de extrema-esquerda simplesmente sepultou os socialistas do Pasok. Na Itália, o centro-esquerda está se fragmentando e abrindo o caminho para o partido do Movimento Cinco Estrelas, que ninguém sabe o que quer. Na Inglaterra, o Partido Trabalhista praticamente se suicidou elegendo um líder sem carisma da esquerda extrema. Enquanto os nacionalistas xenófobos do Ukip convenceram uma maioria de eleitores a abandonar a União Europeia, contra a vontade de todos os partidos de governo. E nos Estados Unidos, um aventureiro se instalou na Casa Branca.

Europa ameaçada de fragmentação

Os próximos meses serão cruciais para o futuro da Europa. Se os partidos ultranacionalistas com programas para expulsar os estrangeiros, fechar as fronteiras e sair da União conseguirem influenciar as eleições na Holanda, na França e na Alemanha, o tempo pode fechar seriamente. Sobretudo se Donald Trump continuar atiçando as divisões no Velho Continente e negociando com a Rússia por cima da cabeça dos europeus.

A fragmentação não ameaça só as instituições europeias. Os eleitorados também estão cada vez mais divididos. Não há dúvida de que os cidadãos estão enraivecidos com as classes políticas tradicionais. A nova revolução econômica global e os novos meios de comunicação e informação tiraram poder dos governos nacionais. Partes imensas da cidadania perderam a confiança nos seus representantes políticos e estão à procura de novidade ou de novos São Sebastiões.

Os demagogos autoritários têm uma autoestrada pela frente. Sobretudo porque, no desespero, quem se sente lesado pela nova matriz econômica e social precisa de bodes expiatórios e começam a culpar os imigrantes e os países pobres que aproveitaram da globalização. Esse clima de raiva geral está também criando uma confrontação interna em cada país entre os grandes centros urbanos, dinâmicos e competitivos, e os grotões sem esperança. Não é a população contra as “zelites”, mas uma metade da população contra a outra metade.

Ainda estamos longe de guerras civis, mas o ambiente está para enfrentamentos pesados. E isto, na Europa, sempre foi uma premissa para confrontos guerreiros. Nada disso é boa notícia, nem para os europeus, nem para o resto do mundo.

*Alfredo Valladão, do Instituto de Estudos Políticos de Paris, faz uma crônica de política internacional às segundas-feiras para a RFI

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