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O Mundo Agora

Às vésperas da presidencial, partidos franceses estão estilhaçados

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Eleições primárias da direita e da esquerda: nas últimas semanas a França vem dando um show de democracia à “americana” para escolher os candidatos das duas famílias políticas tradicionais à próxima eleição presidencial. Só que as “primárias” não batem muito bem com a cultura política dessa Quinta República fundada pelo general de Gaulle em 1958. Um regime híbrido, que mistura presidencialismo com parlamentarismo. E cujo funcionamento depende de um presidente quase monárquico, com força suficiente para garantir uma maioria parlamentar obediente.

Os sete candidatos socialistas à eleição presidencial francesa debateram na noite deste domingo (15)
Os sete candidatos socialistas à eleição presidencial francesa debateram na noite deste domingo (15) REUTERS/Bertrand Guay/Pool
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A implosão da autoridade do presidente François Hollande e sua decisão de não pleitear um segundo mandato desarrumou tudo. A tal ponto, que muitos já estão preocupados: será que a França vai ficar ingovernável? A Grécia, a Espanha e a Itália já vivem com arranjos políticos precários de curto prazo. Uma pequena maioria de eleitores britânicos votaram para sair da União Europeia, deixando os políticos numa sinuca.

O populismo nacionalista e xenófobo está tomando conta da agenda em vários países da Europa central e começa a crescer até na Europa do Norte. Por enquanto, a âncora da construção europeia, da paz e da cooperação econômica e política no Velho Continente é o dito “casal franco-alemão”. A Alemanha de Angela Merkel ainda segura o rojão, mas se a França descambar é a Europa inteira que ameaça ir para ralo.

As primárias francesas, longe de serem um claro avanço democrático, são muito mais a imagem de um sistema exausto. Sem grandes líderes incontestes, sem grandes visões políticas e sem autoridade para enfrentar as reformas necessárias para tirar o país de uma crise que não acaba mais, os principais partidos estão estilhaçados em várias correntes internas que só vêm complicar ainda mais a fragmentação política do país.

Enfrentamentos fatricidas

Os enfrentamentos fratricidas são de tal ordem que não havia jeito de escolher um candidato consensual sem apelar para o voto dos simpatizantes. O problema é que o azedume interno é tão forte que vai ser difícil para o futuro candidato socialista, e para o já escolhido representante da direita republicana, François Fillon, obter o apoio ativo de seus próprios partidários. Enquanto isso, o partido da extrema-direita xenófoba e anti-europeia, a Frente Nacional de Marine Le Pen, já crava 25% nas sondagens, e é quase certo que “Marine” chegará ao segundo turno das eleições presidenciais – apesar de também amargar divisões internas cada vez mais pesadas.

Ninguém – por enquanto – acredita que ela possa angariar a maioria dos votos: Le Pen não é Trump. A Frente Nacional faz parte do panorama político francês há décadas. Tempo suficiente para criar muitas inimizades e anticorpos. Mas se ela conseguir juntar 35 ou 40% dos votos no segundo turno vai ser muito difícil para o presidente-eleito governar o país.

Na verdade, a eleição mais importante dentro desse quadro político esfacelado não é a o voto para presidente, mas sim o pleito, logo após, para eleger a Assembleia Nacional. Pela primeira vez, a Frente Nacional poderá obter uma bancada significativa frente a uma esquerda e uma direita fracionadas e divididas. Basta lembrar que além do candidato socialista, ainda estarão no páreo um representante da extrema-esquerda, Jean-Luc Melanchon e um jovem candidato surpreendente, Emmanuel Macron, de centro-esquerda liberal.

François Fillon deve ser eleito

Olhando para a sociologia eleitoral francesa, só Macron tem, por enquanto, uma pequena chance de enfrentar Le Pen no segundo turno. Mas o mais provável será que o líder da direita, François Fillon acabe chegando lá e sendo eleito. Mas se não tiver maioria numa Assembleia ultra-esfacelada com quem vai governar? A Espanha passou um ano sem governo. A Bélgica quase dois. Mas Paris é outro bicho.

Uma França desgovernada, com uma população enraivecida pela crise e a ameaça terrorista, desencantada com a Europa, atiçada pela propaganda chauvinista e xenófoba, pode ser o estopim que explode a União Europeia. São décadas de paz e prosperidade econômica no Velho Continente que estão suspensas nos estertores da Quinta República francesa agonizante.

*Alfredo Valladão, do Instituto de Estudos Políticos de Paris, faz uma crônica de política internacional às segundas-feiras para a RFI

 

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