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França/terrorismo

Livro sobre jihadistas franceses desmistifica papel de mulheres no grupo EI

Quem são os jihadistas franceses que integraram o grupo Estado Islâmico e agora estão de volta à França? O novo livro do jornalista da RFI David Thomson, “Les Revenants” (Os que voltaram, em tradução livre), traça um perfil desses jovens que estão de volta ao território francês, muitos deles prontos para cometer um novo atentado. Inclusive mulheres, que assumem um papel estratégico nas ações do grupo, e crianças educadas para matar.

O jornalista francês David Thomson em entrevista à RFI
O jornalista francês David Thomson em entrevista à RFI RFI
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O jornalista é um dos maiores especialistas em terrorismo da França e se tornou uma referência, principalmente por ser um dos únicos que mantém contato com integrantes do alto escalão do grupo terrorista. Ele conheceu suas fontes durante o período em que foi correspondente da RFI na Tunísia, entre 2011 e 2013, em plena ebulição da Primavera Árabe.

Foi nessa época que ele se encontrou com extremistas que se tornaram futuros dirigentes do grupo terrorista. Thomson ganhou a confiança deles e hoje é um dos únicos repórteres no mundo que têm acesso direto ao movimento. O jornalista antecipou, sem ser levado muito a sério, os atentados de 13 de novembro de 2015, que mergulharam Paris no luto.

Em seu livro, ele conta a trajetória de homens e mulheres que largaram tudo na França para se entregar ao Jihad. A maioria deles diz o jornalista, voltou decepcionada com a vida rude nas terras do “Califado”, mas não arrependidos. Eles continuam mais do que nunca fiéis ao Islã radical e representam um desafio para o governo francês. O ex-primeiro-ministro Manuel Valls já disse, em várias ocasiões, que a ameaça terrorista é um problema “de uma geração”.

"Essa é a conclusão que eu chego depois de dois anos e meio de entrevistas com mais de 30 extremistas franceses que voltaram da Síria e do Iraque. Eles se decepcionaram com a realidade, mas a maioria preserva o radicalismo religioso”, explicou Thomson em entrevista à RFI.

A conta de David Thomson no Twitter tem mais de 100 mil seguidores

Um dos depoimentos mais chocantes de seu livro é o de uma mulher que viveu experiências terríveis com o grupo Estado Islâmico na Síria, mas, apesar disso, declarou que um dos dias mais inesquecíveis de sua vida foi o atentado ao jornal satírico Charlie Hebdo, em janeiro de 2015, em Paris. “Ela me contou que um de seus sonhos é que outros atentados como esse sejam cometidos, mas por mulheres”, descreve o jornalista.

Educados para matar

De acordo com o Ministério do Interior francês, cerca de 700 franceses estão atualmente na Síria e no Iraque engajados nas ações do grupo EI. Cerca de 400 crianças também vivem em solo sírio e iraquiano, nascidas nas terras conquistadas pelos terroristas. Os combatentes são incitados a terem filhos e recebem dinheiro e moradia dos dirigentes.

“Qual é o futuro dessas crianças?”, questiona David Thomson. “Muitos nem existem em termos administrativos, e voltando à França, não podem integrar uma escola normal como seus compatriotas, porque muitos foram educados para matar e chegaram a executar prisioneiros”.

Terroristas e subversivas

O papel das mulheres no grupo Estado Islâmico, muitas vezes vistas como vítimas, também foi mal interpretado pela opinião pública, explica Thomson. Segundo ele, as conclusões “foram precipitadas e machistas”.

“Essa visão partia do princípio de que as mulheres, dentro do jihadismo, que é uma concepção radical da religião, estariam necessariamente submissas e submetidas a uma forma de dominação masculina, privadas do livre-arbítrio. O que eu constatei durante as entrevistas é que essas mulheres demonstravam um radicalismo, uma determinação, um fanatismo, muitas vezes superior aos dos homens.” De acordo com ele, em alguns casais, a mulher estava na origem da radicalização e no desejo de cometer atentados.

Fim da euforia

Com o enfraquecimento militar e ideológico do grupo EI, alvo de ataques constantes das forças da coalizão, os simpatizantes dos jihadistas na França, observa David Thomson, tendem a viver na “clandestinidade”. Para o serviço secreto francês, analisa, isso é uma má notícia, já que monitorar as ações desses indivíduos se torna uma tarefa mais difícil.

“Até agora, a atuação de seus membros podia ser considerada como um “livro aberto”. Os membros se comunicavam em plataformas voltadas para o grande público”, diz Thomson. “Um bom exemplo é que todos os participantes dos atentados de 13 de novembro anteciparam nas suas páginas no Facebook tudo o que eles tinham intenção de fazer”, diz. “Agora, o grupo Estado Islâmico está mais discreto por conta do declínio com a perda dos territórios, mas não há um declínio da ameaça”.

Ações contra a radicalização

O governo francês tem adotado uma série de medidas para converter jovens aliciados pelo terrorismo que retornaram ao território, inclusive nas prisões, mas Thomson é cético em relação à iniciativa. “Ninguém sabe exatamente como fazer. São reuniões do tipo Alcoólicos Anônimos, com pessoas que são vítimas de um engajamento sectário. Mesmo se as patologias psiquiátricas devem ser levadas em conta, estamos diante de pessoas com convicções políticas e religiosas, que aplicam literalmente alguns textos tradicionais”, explica. “99% dos muçulmanos vão dizer que esses textos antigos devem ser contextualizados e adaptados à realidade atual, mas os extremistas vão dizer que esses muçulmanos escolhem os textos do Corão para satisfazer os "descrentes", deixando outros trechos de lado para moldar o Islã em função da regras da República francesa”, analisa.

(Com tradução e edição de Taíssa Stivanin)
 

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