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França/Educação

Piketty denuncia "extrema segregação social" nas escolas francesas

O renomado economista Thomas Piketty, autor do best-seller "O Capital no Século 21", realizou um novo estudo que já tem forte repercussão na França. Dados analisados pelo especialista em desigualdade, divulgados quarta-feira (6) no jornal Le Monde, apontam uma "inacreditável segregação escolar" nos anos finais do ensino fundamental na França.

O economista francês Thomas Piketty, autor do best-seller "O Capital no século 21"
O economista francês Thomas Piketty, autor do best-seller "O Capital no século 21" fr.wikipedia.org
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Em sua nova pesquisa, Piketty analisa a diversidade social nos colégios de Paris. De acordo com a divisão do sistema educativo francês, os colégios são estabelecimentos que recebem exclusivamente crianças e adolescentes do 6° ao 9° ano, com idades que variam de 10 a 14 anos.

Depois de estudar os 175 colégios existentes na capital, Piketty constatou que a quase totalidade dos alunos socialmente desfavorecidos, ou seja, filhos de trabalhadores de baixa renda, desempregados ou inativos, estudam em estabelecimentos do sistema público. Já os colégios particulares, frequentados pela classe média e famílias ricas, recebem apenas 1% de estudantes com poucos recursos financeiros.

Esse quadro, na avaliação de Piketty, demonstra a existência de "uma extrema desigualdade social nas escolas". "Os colégios particulares praticam uma exclusão social quase completa das classes desfavorecidas", diz o economista. Piketty assinala um agravante: em Paris, 30% dos alunos do 6° ao 9° ano estão em escolas particulares.

Essa situação, que pode parecer óbvia e próxima do cenário brasileiro, é relativamente nova na França. No pós-guerra e até a década de 80, a escola pública era frequentada pela maioria dos franceses, sem distinção de renda dos pais. Porém, uma reforma adotada em 1977, destinada a democratizar o ensino, acabou gerando insatisfação entre as famílias mais instruídas, defensoras do sistema de educação tradicionalmente elitista. A classe média e alta passou a pensar que o ensino público "nivelou o ensino por baixo".

Contribuinte francês financia escola particular

Outro aspecto bem diferente do Brasil é que os colégios particulares na França são fortemente subsidiados pelo Ministério da Educação. Eles nem custam tão caro, mas só são frequentados por alunos escolhidos a dedo pelos diretores.

Foi a partir da década de 90 que os colégios particulares, a maioria ligados ao ensino de uma religião, se tornaram redutos de alunos franceses bem-sucedidos, embora na prática nem todos sejam tão bons alunos assim. O que é certo é que as escolas particulares têm poucos alunos pobres, negros e descendentes da imigração. Nos últimos 15 anos, o medo do declínio social, alimentado pela crise econômica, aumentou a angústia dos pais, que buscam no ensino privado uma garantia de sucesso dos filhos na vida adulta.

A França, que durante tanto tempo fabricou a "igualdade republicana", tornou-se nas últimas décadas uma usina de desigualdades. O sistema de ensino, ultraelitista, só faz agravar as diferenças. Todo ano, 250 mil jovens são expulsos do sistema escolar sem diploma, segundo dados oficiais.

Solução radical

Diante dessa constatação, Piketty propõe uma solução radical. O economista sugere ao governo que obrigue os colégios, públicos e particulares, a receber de 10 a 20% de alunos de famílias de baixa renda. Uma versão mais leve desse sistema de cotas propõe um mix de 5 a 25%. A proposta provoca calafrios em famílias e diretores do sistema privado, acostumados a escolher livremente os seus alunos.

Para muita gente, Piketty aponta um problema crucial. Alguns colégios públicos se tornaram "guetos", com até 60% de alunos de famílias modestas. A ideia das cotas pode parecer ultrapassada, dos tempos soviéticos, mas na opinião de alguns educadores é a única forma de trazer de volta a diversidade social à escola francesa.

A ministra da Educação, Najat Vallaud-Belkacem, respondeu às críticas do economista com um artigo publicado nesta quarta-feira (7) no Le Monde. Em seu texto, ela afirma ser "impossível impor a diversidade social de forma autoritária nos colégios". Segundo Belkacem, "instaurar um sistema de cotas, com um terço de alunos pobres, um terço de classe média e um terço de privilegiados nos colégios, seria uma quimera".

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