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França/ protestos

Paradoxo francês: sindicatos podem bloquear o país, mas têm fraca adesão de trabalhadores

Os protestos contra a reforma trabalhista proposta pelo governo do presidente francês, François Hollande, se intensificam. Sindicalistas interrompem o acesso às refinarias e mais de um terço dos postos de combustíveis está sem abastecimento. Greves atingem os transportes ferroviários e aéreo e a paralisação afeta até as centrais nucleares, responsáveis por mais do 80% da energia elétrica da França. Um paradoxo, porém, marca o sindicalismo francês: apesar de terem a força de bloquear o país, os sindicatos têm cada vez menos associados, tanto no setor público quanto no privado.

Um membro do sindicato da CGT em frente de uma empresa PSA durante manifestação contra reformas da lei de trabalho, em 26 de maio, em Valenciennes (norte da França).
Um membro do sindicato da CGT em frente de uma empresa PSA durante manifestação contra reformas da lei de trabalho, em 26 de maio, em Valenciennes (norte da França). FRANCOIS LO PRESTI / AFP
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A taxa de sindicalização francesa é a segunda mais baixa da Europa, atrás somente da Eslovênia, segundo dados de 2013 da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico). Apenas 7,7% dos funcionários franceses são filiados a algum sindicato, índice bastante inferior ao encontrado em países europeus como a Alemanha (18,1%) e, ainda mais, nos nórdicos como Suécia (67,7%) e Finlândia (69%).

Porém, os números por si só não significam que a representatividade dos sindicatos na França seja fraca. A discrepância se explica pelo fato de que, no país, os sindicatos negociam coletivamente os acordos com o patronato, em nome de todos os empregados – uma vitória é beneficiada por todos, e não apenas pelos sindicalizados, como ocorre na Alemanha. Na Bélgica e nos países escandinavos, até o acesso à seguridade social é mais amplo se o empregado for sindicalizado – um incentivo que inflama o número de adesões. A legislação da França, ao contrário, não incita o sindicalismo.

“A sindicalização nunca foi de massa na França e raramente passou de 20%. A particularidade francesa é que os sindicatos jamais precisaram de uma quantidade muito elevada de militantes, mas sim de um grupo de militantes suficientemente determinados para motivar a massa de trabalhadores por causas específicas, quando é necessário”, explica o historiador Stéphane Sirot, especialista no sindicalismo francês da universidade Cergy-Pontoise. “Ao contrário dos países escandinavos, na França o sindicalismo é marcado pelo engajamento”, observa o pesquisador. Ele ressalta que essa nuance se exprime até nos termos utilizados para designar os militantes: na França, são “aderentes”, o que pressupõe um atuação mais militante, e, nos países nórdicos, são “filiados”.

Discurso radical impacta nas adesões

O sindicalismo francês, entretanto, tem sofrido as consequências de não modernizar o discurso e cultivar a luta de classes, considerada ultrapassada por muitos empregados. A postura combativa dos sindicalistas é uma marca que, mais uma vez, mostra que permanece forte, no atual debate sobre a reforma trabalhista. A pouca flexibilidade nas negociações e o radicalismo das posições dos líderes de classe cansa uma parcela dos franceses.

Essa é uma das razões pelas quais a CGT, o maior e mais antigo sindicato francês – mas também o mais contestador – perde filiados para a CFDT, mais moderada e aberta a acordos com o patronato. Há 60 anos, a CFDT tinha 3 milhões de filiados, e hoje não passa de 680 mil.

Na Alemanha, negociações são mais fáceis

Já na Alemanha, a negociação é mais fluida por ser o primeiro passo para promover mudanças. Eventualmente, pode haver confrontação quando uma das partes não fica satisfeita – enquanto que, na França, todas se colocam primeiro na defensiva, em uma relação de forças que vai forjando o futuro acordo. Além disso, ressalta Sirot, os líderes sindicais alemães têm mais poder dentro das empresas e um peso considerável no conselho de administração, algo que não ocorre na França, onde o poder se mede pela capacidade de mobilizar os trabalhadores.

Militância sindical em queda em toda a Europa

Apesar das diferenças, a queda da militância sindical é um fenômeno que se repete em quase todos os países desenvolvidos. Em 30 anos, de 1980 a 2012, conforme a OCDE, o índice médio passou de 33% para 17%.

As mudanças no mercado de trabalho ajudam a compreender essa erosão – hoje, menos pessoas têm contratos fixos de trabalho, uma situação que não estimula o sindicalismo. É no setor público que mais empregados se motivam a aderir à representação de classe.

A migração em direção a sociedades mais individualizadas também impactou nesse processo: as pessoas têm cada vez mais dificuldade em pensar coletivamente, em oposição à logica sindical. A própria economia globalizada é menos propícia para a sindicalização, destaca Sirot.

A emergência de movimentos “cidadãos” e independentes, como Nuit Debout na França ou Indignados na Espanha, demonstra que a população também está em busca de outras formas de representação, distinta de governos, partidos e entidades de classe. “O papel dos sindicatos poderia ser o de traduzir o que esses movimentos querem exprimir. Mas é algo muito, muito difícil. Os líderes sindicais bem que tentaram ocupar esse espaço na Nuit Debout [em Paris], porém a comunicação entre os dois lados ainda não foi muito bem estabelecida”, constata o historiador.
 

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