Paradoxo francês: sindicatos podem bloquear o país, mas têm fraca adesão de trabalhadores
Os protestos contra a reforma trabalhista proposta pelo governo do presidente francês, François Hollande, se intensificam. Sindicalistas interrompem o acesso às refinarias e mais de um terço dos postos de combustíveis está sem abastecimento. Greves atingem os transportes ferroviários e aéreo e a paralisação afeta até as centrais nucleares, responsáveis por mais do 80% da energia elétrica da França. Um paradoxo, porém, marca o sindicalismo francês: apesar de terem a força de bloquear o país, os sindicatos têm cada vez menos associados, tanto no setor público quanto no privado.
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A taxa de sindicalização francesa é a segunda mais baixa da Europa, atrás somente da Eslovênia, segundo dados de 2013 da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico). Apenas 7,7% dos funcionários franceses são filiados a algum sindicato, índice bastante inferior ao encontrado em países europeus como a Alemanha (18,1%) e, ainda mais, nos nórdicos como Suécia (67,7%) e Finlândia (69%).
Porém, os números por si só não significam que a representatividade dos sindicatos na França seja fraca. A discrepância se explica pelo fato de que, no país, os sindicatos negociam coletivamente os acordos com o patronato, em nome de todos os empregados – uma vitória é beneficiada por todos, e não apenas pelos sindicalizados, como ocorre na Alemanha. Na Bélgica e nos países escandinavos, até o acesso à seguridade social é mais amplo se o empregado for sindicalizado – um incentivo que inflama o número de adesões. A legislação da França, ao contrário, não incita o sindicalismo.
“A sindicalização nunca foi de massa na França e raramente passou de 20%. A particularidade francesa é que os sindicatos jamais precisaram de uma quantidade muito elevada de militantes, mas sim de um grupo de militantes suficientemente determinados para motivar a massa de trabalhadores por causas específicas, quando é necessário”, explica o historiador Stéphane Sirot, especialista no sindicalismo francês da universidade Cergy-Pontoise. “Ao contrário dos países escandinavos, na França o sindicalismo é marcado pelo engajamento”, observa o pesquisador. Ele ressalta que essa nuance se exprime até nos termos utilizados para designar os militantes: na França, são “aderentes”, o que pressupõe um atuação mais militante, e, nos países nórdicos, são “filiados”.
Discurso radical impacta nas adesões
O sindicalismo francês, entretanto, tem sofrido as consequências de não modernizar o discurso e cultivar a luta de classes, considerada ultrapassada por muitos empregados. A postura combativa dos sindicalistas é uma marca que, mais uma vez, mostra que permanece forte, no atual debate sobre a reforma trabalhista. A pouca flexibilidade nas negociações e o radicalismo das posições dos líderes de classe cansa uma parcela dos franceses.
Essa é uma das razões pelas quais a CGT, o maior e mais antigo sindicato francês – mas também o mais contestador – perde filiados para a CFDT, mais moderada e aberta a acordos com o patronato. Há 60 anos, a CFDT tinha 3 milhões de filiados, e hoje não passa de 680 mil.
Na Alemanha, negociações são mais fáceis
Já na Alemanha, a negociação é mais fluida por ser o primeiro passo para promover mudanças. Eventualmente, pode haver confrontação quando uma das partes não fica satisfeita – enquanto que, na França, todas se colocam primeiro na defensiva, em uma relação de forças que vai forjando o futuro acordo. Além disso, ressalta Sirot, os líderes sindicais alemães têm mais poder dentro das empresas e um peso considerável no conselho de administração, algo que não ocorre na França, onde o poder se mede pela capacidade de mobilizar os trabalhadores.
Militância sindical em queda em toda a Europa
Apesar das diferenças, a queda da militância sindical é um fenômeno que se repete em quase todos os países desenvolvidos. Em 30 anos, de 1980 a 2012, conforme a OCDE, o índice médio passou de 33% para 17%.
As mudanças no mercado de trabalho ajudam a compreender essa erosão – hoje, menos pessoas têm contratos fixos de trabalho, uma situação que não estimula o sindicalismo. É no setor público que mais empregados se motivam a aderir à representação de classe.
A migração em direção a sociedades mais individualizadas também impactou nesse processo: as pessoas têm cada vez mais dificuldade em pensar coletivamente, em oposição à logica sindical. A própria economia globalizada é menos propícia para a sindicalização, destaca Sirot.
A emergência de movimentos “cidadãos” e independentes, como Nuit Debout na França ou Indignados na Espanha, demonstra que a população também está em busca de outras formas de representação, distinta de governos, partidos e entidades de classe. “O papel dos sindicatos poderia ser o de traduzir o que esses movimentos querem exprimir. Mas é algo muito, muito difícil. Os líderes sindicais bem que tentaram ocupar esse espaço na Nuit Debout [em Paris], porém a comunicação entre os dois lados ainda não foi muito bem estabelecida”, constata o historiador.
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