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Preconceito sexual

Sexismo no trabalho: um problema vivido por 80% das mulheres na França

Preconceito, brincadeiras machistas, comentários misóginos... o sexismo que beira o assédio sexual nas empresas preocupa as autoridades na França. Um colóquio, realizado nesta quinta-feira (11) em Paris, com presença da ministra dos Assuntos Sociais, Marisol Touraine, e da secretária de Estado encarregada dos Direitos das Mulheres, Pascale Boitard, discute como educar os franceses a respeitar a igualdade entre os sexos nos locais de trabalho.

Sexismo no trabalho ainda é muito frequente na França em todos os setores de trabalho.
Sexismo no trabalho ainda é muito frequente na França em todos os setores de trabalho. pixabay.com
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Ele está presente em todos os setores e em todos os ambientes de trabalho: das salas de reunião às máquinas de café. O sexismo nas empresas atinge as mulheres em geral, pouco importa o cargo que ocupam, o salário que recebem ou a idade. Muitas relatam que a forma como os colegas se dirigem a elas já demonstra o preconceito: "ma petite" (minha pequena), "ma chérie" (minha querida), "ma poule" (minha galinha), "cocotte" (gatinha), "Barbie", em referência à boneca. Outros relatos denunciam comentários sobre a aparência física das colegas. Ou observações menosprezantes: "Você, como mulher, deveria ter um senso artístico mais apurado", relatou uma francesa entrevistada pelo jornal Libération.

A secretária-geral do Conselho Superior de Igualdade Profissional Entre Mulheres e Homens (CSEP), Brigitte Grésy, vem propondo a discussão da questão desde 2009, quando publicou o livro "Petit Traité Contre Le Sexisme Ordinaire" (Pequeno Tratado Contra o Sexismo Ordinário, tradução livre). Para ela, a questão está longe de ser irrelevante, mas não é mais abordada devido a uma negação sobre a existência desse problema. "Enquanto o racismo e a homofobia são condenados nas empresas e são noções relativamente consensuais, a palavra sexismo quase nunca aparece. Podemos dizer que um homem é machista, mas a discussão para por aí. No fundo, utilizamos termos populares e não jurídicos para fazer vistas grossas", escreve na obra.

Sexismo faz parte do dia a dia das francesas

Tratados muitas vezes como "uma brincadeira", a subestimação, os comentários degradantes em relação ao sexo ou a aparência das colegas, considerados muitas vezes como "um elogio", continuam banalizados ou minimizados nas empresas francesas. Mas pesquisas mostram que o sexismo faz parte do dia a dia das mulheres: segundo um relatório do Conselho Superior da Igualdade Profissional, 80% das trabalhadoras do país confrontam regularmente atitudes ou decisões sexistas nas empresas. Pior ainda, 93% delas dizem se sentir diminuídas, menos eficazes ou perder confiança em si mesmas ao passar por esse tipo de situação.

"É muito difícil de trabalhar em tal contexto. Temos realmente o sentimento de que nosso trabalho vale menos do que o de um homem. Parece que temos a obrigação de ter que trabalhar duas vezes mais para provar o contrário para eles", diz Sophia, de 27 anos.

Para Laure Ignace, jurista da Associação Europeia Contra às Violências Feitas às Mulheres no Trabalho (AVFT), o maior problema é que a grande frequência deste tipo de comportamento no cotidiano das mulheres acaba gerando tolerância por parte delas. "Os propósitos misóginos e sexistas constituem um terreno favorável ao assédio sexual, que começa com comentários impróprios ou observações sobre a aparência física ou a forma como se vestem", ressalta, em entrevista ao jornal.

O que fazer em caso de sexismo?

"Muito frequentemente, as vítimas praticam a negação, a fuga, a eufemismo, as vistas grossas e se dizem: 'isso acontece porque querem me testar, querem me desafiar'", analisa Grésy. Para ela, a melhor forma de resolver o problema é a educação dos funcionários. "É preciso conscientizar, sensibilizar. E não somente os homens, mas as mulheres também!", adverte a militante.

A luta contra a misoginia chega lentamente às empresas. Para estimulá-las, informações de como lidar com esse problema foi integrado a uma espécie de "cartilha de deveres" distribuída pelo governo francês, que recompensa as companhias mais virtuosas.

O grupo de recrutamento Ranstad, por exemplo, baniu as brincadeiras sexistas sob pena de multa e decidiu formar seus gerentes. "Na teoria, todo mundo se opõe ao sexismo", observa Aline Crépin, encarregada de responsabilidade social da empresa. "Mas, na prática, fazer encenações durante as formações nos permitiu confrontar nossos próprios estereótipos e, assim, descontrui-los", declarou ao Libération.

"A palavra sexismo deve ser integrada ao Código do Trabalho. É preciso que os juízes tomem essa decisão e os empregados também", ressalta Grésy. Atualmente, a legislação francesa fala discretamente sobre a questão em uma emenda sobre o diálogo social e o emprego, instituída em 2015. Mas a inflexibilidade ainda reina para aplicá-la no mundo do trabalho.

Já o Comitê Econômico e Social Europeu (Cese) destaca que o sexismo não é um problema apenas na França. A instituição quer convencer a Organização Internacional do Trabalho (OIT) a estabelecer uma norma sobre o problema, um desafio que deve ser cumprido até 2018. Um primeiro avanço pode ser comemorado: no próximo mês de outubro, a OIT anunciou vai reunir um grupo de especialistas para começar a tratar deste problema.

"Sofremos em silêncio"

O Libération traz depoimentos de mulheres francesas que vivenciaram seximo no trabalho. Em nenhum dos casos, os agressores parecem nem mesmo se dar conta da humilhação a qual submetem suas colegas.

"O presidente da minha empresa, ao passar por meu escritório, me encara com insistência depois me pergunta se eu emagreci. No lugar de mandá-lo para o inferno, eu respondo que não. Ele diz: 'Você pode se levantar para que eu veja?'. É a mesma pessoa, que certo dia, quando eu abria as janelas para arejar meu escritório, me perguntou se eu estava no cio. São tantos comentários impróprios sobre as mulheres aos quais somos testemunhas sem poder reagir! Há um sentimento de diminuição, de isolamento entre as mulheres, que temos a impressão que se denunciarmos essas situações e comentários, vamos comprometer nossas carreiras. Então, sofremos em silêncio", diz Cécile, de 35 anos, empregada de uma empresa de comunicação.

"Meu chefe estava em meu escritório quando um de meus colegas vem avisá-lo que uma candidata para um estágio o aguarda para uma entrevista. Sua resposta foi: 'Espero que ela seja gostosa!". Também já ouvi: "Não tem café para a reunião com o diretor? Vamos pedir para uma mulher fazer". Ou, quando tive problemas em um projeto, me disseram: 'Olha o que acontece quando se passa um trabalho sério para uma mulher!'. Outro episódio ainda que presenciei foi quando uma colega, engenheira, atravessou o escritório carregando uma bandeja com xícaras de café. E nosso diretor técnico lançou: 'Finalmente você encontrou um trabalho a sua altura. A função de garçonete é o máximo que podemos esperar das mulheres'", relata Amaury, de 35 anos, funcionária pública.

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