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França/Sexo neutro

Pela primeira vez, França registra pessoa de "gênero neutro"

Há 64 anos ele tem um nome masculino. Mas ele não é um homem. Também não é mulher. Pela primeira vez na França uma pessoa sem aparelho genital completo conseguiu que a justiça reconhecesse o sexo neutro como um gênero. A decisão foi anunciada nesta quarta-feira (14).

"Não se trata de reconhecer a existência de um 'terceiro gênero', mas de reconhecer a impossibilidade de atribuir um determinado gênero à pessoa", explicou o magistrado francês.
"Não se trata de reconhecer a existência de um 'terceiro gênero', mas de reconhecer a impossibilidade de atribuir um determinado gênero à pessoa", explicou o magistrado francês. pixabay.com
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O tribunal de primeira instância da cidade de Tours, no centro da França, ordenou ao cartório local a alteração da certidão de nascimento desta pessoa intersexual. No nascimento, ela foi registrada como sendo do gênero masculino, mas obteve, com essa decisão, a mudança de gênero para "neutro", de acordo com o procurador-adjunto Joel Patard.

De acordo com o jornal 20 Minutes, que a entrevistou, a pessoa nasceu, segundo seu médico, com uma "vagina rudimentar", um "micropênis", mas sem testículos. "Na adolescência, compreendi que não era um garoto. Não tinha barba, meus músculos não cresciam... Ao mesmo tempo, era impossível acreditar que eu me tornaria uma mulher. Bastava me olhar no espelho para saber", confessou ao diário.

Sexo atribuído era "pura ficção"

Essa foi a primeira vez que uma jurisdição francesa autorizou uma pessoa a sair do sistema binário masculino/feminino. "O sexo que o foi atribuído no nascimento aparece como pura ficção (...) imposta durante toda sua existência", escreveu o juiz em sua sentença, à qual o jornal 20 Minutes obteve acesso. "Não se trata de reconhecer a existência de um 'terceiro gênero', mas de reconhecer a impossibilidade de atribuir um determinado gênero à pessoa", explicou o magistrado em sua decisão.

Temendo que a decisão levasse a um debate social sobre o reconhecimento de um terceiro gênero, a procuradoria de Tours recorreu do julgamento. "Apelamos da decisão não por um espírito desenfreado de oposição, mas apenas para conhecer a posição e outro nível judicial, e porque, por mais compreensível que seja, a solicitação não deixa de contradizer o corpo legislativo da regulamentação vigente", explicou o promotor.

Segundo o jornal, o caso "já é um avanço para a causa das pessoas intersexuais que lutam para que sua existência seja reconhecida na sociedade".

"Você não tem sexo"

Ao 20 Minutes, o indivíduo, que pediu anonimato, contou que quando tinha 12 anos, seu pai explicou que ele não era "normal". "Ele me disse: 'você não tem sexo.'" De fato, o intersexuado não teve puberdade. "Eu não tenho testículos, nenhum hormônio masculino no corpo. E nenhum feminino. Então, eu não mudei. Sou uma criança que cresceu sem as transformações da adolescência", relata.

Ainda assim, o indivíduo foi criado como um menino. "Mas, crescendo, percebi que as pessoas me consideravam cada vez mais como uma garota. Isso me desestabilizava completamente e eu não tinha mais coragem de sair na rua. Foi terrível porque eu não compreendia, nesse momento, que eu era uma pessoa intersexuada", diz.

Quando tinha 35 anos, os médicos o prescreveram testosterona. "Minha aparência se masculinizou, foi um choque. Eu não me reconhecia. Isso me fez tomar consciência de que eu não era nem um homem e nem uma mulher."

Vida de casal

As pessoas intersexuadas apresentam anomalias no sistema reprodutor, cuja ocorrência é pouco avaliada, mas que não necessariamente prejudica sua orientação sexual. Ao jornal, o indivíduo contou que se casou e adotou um filho. "Sim, pude ter uma vida de casal. Mas sempre tive consciência do caráter artificial da minha postura de homem. Eu não sou um homem!", protesta.

Aos 64 anos, a pessoa de sexo neutro diz que, apesar de ter construído sua vida, nunca estaria em paz sem o reconhecimento de seu gênero. "Vou continuar minha mesma vida, fazendo as mesmas coisas", declarou. Para o intersexuado, é em seu interior a principal mudança. "Pela primeira vez, tenho a impressão de ser reconhecido pela sociedade como sou, sem ser obrigado a interpretar um papel. Até então, não era assim que acontecia", conclui.

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