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Fato em Foco

Praticantes de MMA se mobilizam para legalizar a luta na França

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O sonho do deputado federal brasileiro José Mentor, de proibir as transmissões de lutas de MMA pela televisão, se realiza diariamente na França. O país não apenas restringe a veiculação dos combates como impede qualquer tipo de competição de MMA em território nacional. A interdição foi estabelecida no início dos anos 2000 por um governo de direita e é mantida pelo atual governo de esquerda – unindo opositores no esporte preferido da política francesa: a interferência estatal nos mais improváveis setores da sociedade.

Um combate em São Paulo: cena impossível na França atual
Um combate em São Paulo: cena impossível na França atual Jason Da Silva-USA TODAY Sports
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Como de costume, faltou combinar com os russos, no caso, os milhares de fãs que buscam escolas para praticar o esporte e os próprios lutadores profissionais franceses, que saem do país para poder competir. A proibição do MMA na França foi determinada pelo então ministro dos esportes Jean-François Lamour. Não há uma lei específica para impedir a prática, mas o governo utiliza uma recomendação do Conselho Europeu, emitida em 1999, para impedir qualquer competição. A recomendação, que não é seguida por nenhum outro país do continente, diz que "a violência e os atos bárbaros e selvagens cometidos em nome do esporte não possuem valor social em uma sociedade civilizada que respeita os direitos humanos". Apesar da popularização do esporte nos últimos anos e inclusive da constituição de uma Comissão Nacional de MMA, a atual ministra, Valérie Fourneyron, deixou claro no ano passado que ninguém deve alimentar esperanças. Se depender dela, o esporte continuará na obscuridade.

O movimento pela liberação do MMA ganha músculos diariamente em lugares como o Clube Lagardère, localizado em Paris a três quadras da Torre Eiffel. Ali, o multicampeão Bertrand Amoussou treina 200 praticantes que pagam cerca de 400 euros por mês para se iniciar no esporte, em um dos locais mais valorizados da cidade. A intenção, segundo Amoussou, é justamente mostrar que a luta não é praticada apenas pelos moradores da periferia, o que teria estigmatizado o esporte no início. Amoussou foi campeão europeu de judô, quatro vezes campeão do mundo de jiu-jitsu e o primeiro e único francês a vencer o Pride FC, competição disputada no Japão e que está nas origens do MMA. Hoje, é o principal militante da causa. Ele explica como construiu sua carreira fora da França: "Todos os lutadores franceses lutam fora. Não é preciso ir aos EUA ou Japão, em toda a Europa é permitido. Mas não pode lutar aqui. Nenhuma lei proíbe, mas se tentarmos criar um evento, a polícia acaba com ele alegando perturbação da ordem pública. É a justificativa que eles encontram, já que o Ministerio não quer autorizar."

Contra os golpes no solo

O governo se apega a dois pontos específicos para impedir a prática: o formato de gaiola do ringue, o que seria um atentado à dignidade humana, e o fato de a luta permitir golpear o adversário no chão. Para Amoussou, as teses não se sustentam: "Eles não tem conhecimento do combate no solo. Acham que se o lutador está no chão, é porque perdeu a luta. Eles não compreendem a dimensão do combate em solo do MMA. Isso mostra bem a ignorância das pessoas que tomam as decisões", dispara. Apesar de tudo, ele é otimista com o avanço verificado nos últimos anos: "A mentalidade evoluiu muito. Estou nessa briga há 10 anos e foi muito complicado no início, quando chamavam de "free fight" e nós passávamos por bestas selvagens. A tendência agora se inverte. Os artigos que começam a sair falam que todos os golpes são permitidos, mas também dizem que trata-se de uma verdadeira disciplina de combate, um esporte que evouluiu. Mas nos últimos seis anos, com todos os ministros do esporte, mesmo que a discussão tenha avançado, nunca chegamos a um acordo. É preciso educar."

Paralelamente à proibição, surgem rumores de competições ilegais. Uma delas, amplamente divulgada em vídeo na internet, se tornou uma espécie de lenda fundadora do MMA francês. Em 2003, Damien Riccio desafiou e venceu o brasileiro Robin Gracie na cidade de Perpignan, em uma luta violenta e sem juíz. O embate inaugurou uma rivalidade entre os grupos dos dois lutadores, com insultos pela internet. Dois meses depois da luta, em um episódio que tem diferentes versões, os Gracie – baseados em Barcelona – teriam retornado a Perpignan e promovido um quebra-quebra no bar em que Riccio trabalhava. O francês acabou ficando famoso e fazendo carreira no Reino Unido e no Japão.

Driblando a proibição

Enquanto assistem ao MMA se tornar uma febre no Brasil e nos Estados Unidos, os franceses buscam brechas legais para acompanhar os combates. Depois que o Conselho Superior do Audio-Visual impediu os canais de televião locais de continuar a transmitir as lutas, em 2006, os espectadores recorrem a uma emissora de Luxemburgo, a RTL9, que pode ser sintonizada facilmente na França e que veicula lutas gravadas nas noites de sábado. Os que preferem entrar no ringue podem participar de competições de uma variação do MMA, uma luta em que o golpe sobre o adversário no chão não é permitido. É essa técnica alternativa que leva dezenas de jovens à academia de Didier Paingris, a Associação de Pesquisa em Cultura, Artes Marciais e Saúde, localizada no norte de Paris.

Paingris, que se formou na Ásia e faz parte de uma tradicional dinastia de lutadores franceses, diz que o MMA, ao integrar diferentes lutas, possui inclusive um aspecto multicultural a ser explorado no ensino: "O MMA vai ajudar o aluno na compreensão de como o outro se alimenta, o que ele pode me acrescentar, são questões que serão abordadas a partir da prática do MMA. Tem um lado cultural, tem um lado nutricional e um lado de laço social. É o encontro com o outro: a luta americana, a luta brasileira, a luta chinesa. E corresponde também a um modo de sociedade que está mudando, muito ligado à internet."

Para o mestre Paingris, que formou os quatro filhos em artes marciais, o esporte se torna perigoso para as crianças apenas quando não há uma regulamentação clara: "A televisão vai fazer ele ter vontade de praticar, mas é preciso existir um sistema educativo que acompanhe as crianças, justamente para explicar a elas que o esporte não é simplesmente se estapear. Isso também aconteceu no início do boxe tailandês aqui na França."

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