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UE/Brexit

Brexit: Um reino nada unido na berlinda

Nem mesmo Shakespeare em suas tragédias teria conseguido imaginar o destino do Reino Unido. Brexit ou não Brexit, eis a questão. Há apenas três semanas da data marcada para os britânicos deixarem a União Europeia, negociações cruciais se aceleram em Bruxelas.

Apesar de seus símbolos históricos fortes, o Brexit dividiu o Reino Unido e sacudiu a vida dos britânicos que vivem no exterior.
Apesar de seus símbolos históricos fortes, o Brexit dividiu o Reino Unido e sacudiu a vida dos britânicos que vivem no exterior. Fotomontagem: RFI/Letícia Fonseca-Sourander
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Letícia Fonseca-Sourander, correspondente da RFI em Bruxelas

Um dos pontos mais delicados do processo é a garantia dos direitos de um milhão e meio de britânicos que moram em países da UE e dos quase quatro milhões de cidadãos do bloco vivendo no Reino Unido - Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte. Desde o plebiscito, em junho de 2013, quando 52% contra 48% dos britânicos decidiram que o país deveria deixar a União Europeia, muitos expatriados solicitaram uma segunda nacionalidade no continente.

Na Bélgica, estima-se que existam 23 mil britânicos. O medo de perder a cidadania europeia e ser repatriado após o Brexit quadruplicou os pedidos para obtenção do passaporte belga. No total, desde o plebiscito do Brexit, 3.500 pessoas adquiriram a dupla nacionalidade belga; metade das quais pertence à famílias para quem voltar é mais difícil do que foi partir.

Helen Pilkington mora há 16 anos em Bruxelas.
Helen Pilkington mora há 16 anos em Bruxelas. Arquivo Pessoal

Helen Pilkington, professora e dona da academia BePilates, mora há 16 anos em Bruxelas. Quando a família decidiu se estabelecer na Bélgica, seus três filhos – hoje com 26, 25 e 22 anos – eram crianças. “Eles cresceram aqui. Estudaram em escolas belgas e fizeram muitos amigos”, conta.

“Minha filha caçula, que hoje estuda na Universidade de Amsterdam, está com muita raiva”, diz Helen ao explicar porque a filha decidiu obter a cidadania belga. “Nós somos europeus, pagamos nossos impostos e estamos integrados. Não deveríamos estar indo embora. A Bélgica é também nossa casa”, desabafa.

Matthew Scargill teme o impacto do Brexit no custo das universidades.
Matthew Scargill teme o impacto do Brexit no custo das universidades. Arquivo Pessoal

O sonho de Matthew Scargill é estudar medicina na Universidade de Bristol. Apesar de ter nascido e vivido toda sua vida em Bruxelas, Mathew não tem cidadania belga e diz se sentir muito mais britânico. Mas aos 17 anos, seus planos para entrar em uma das mais prestigiosas universidades do Reino Unido não estão nada garantidos. “É assustador”, confessa.

Com o Brexit o valor da anuidade para estudantes britânicos e europeus passaria de £ 9 mil para £ 18 mil ao ano. “Isso seria devastador para a diversidade nas universidades de lá. É um custo muito alto, que poucos podem arcar”. 

Consumo de antidepressivos disparou

Tanto Mathew quanto Helen dizem que os familiares e amigos britânicos estão ansiosos e estressados. Muitos já voltaram para o Reino Unido, enquanto outros preferiram ficar e tentar a dupla nacionalidade. Em caso de um Brexit sem acordo, o governo belga afirmou que todos os cidadãos britânicos que trabalham e moram na Bélgica, mesmo sem a cidadania belga, poderão ficar no país até o final de 2020. A maioria esmagadora é contra o Brexit. A British School of Brussels, onde estuda grande parte da comunidade britânica de Bruxelas, não quis comentar esta tendência. "Como somos politicamente neutros, preferimos não nos envolver", ressaltou Kim Burgess, diretora de Marketing e Comunicação da escola.

A insegurança de não poder prever o futuro não é familiar para os britânicos em geral. Acostumados a projetarem carreira, filhos, casa própria e aposentadoria, o fantasma do Brexit os desestruturou tanto que, nos últimos meses, o consumo de antidepressivos disparou, segundo pesquisas do King's College of London publicadas no British Medical Journal. Outro dado alarmante é a enorme taxa de ausência no trabalho devido ao stress, ansiedade e depressão.

O impacto do Brexit na vida dos britânicos criou uma nova tendência em transtorno de ansiedade: o Strexit, que significa o stress ligado ao Brexit. Para o professor de Psicologia Organizacional da Universidade de Manchester, Cary Cooper, "as pessoas conseguem gerar instabilidade por seis meses, até um ano. Mas a crise do Brexit já dura três anos e parece estar longe do fim". Cooper enfatiza que "se não houver acordo, a população terá dificuldade para levantar a cabeça. É como um divórcio, pode deixar marcas".

Um Brexit sem fim

Mesmo se os líderes europeus conseguirem chegar a um consenso na próxima reunião nos dias 17 e 18 de outubro em Bruxelas, este acordo ainda hipotético deverá ser votado pelo Parlamento britânico, no dia seguinte (19). Em ambos os lados do Canal da Mancha o clima é de apreensão e tensão. No Parlamento Europeu, em Bruxelas, o Brexit tem dominado as discussões dos 751 deputados da casa. O Reino Unido está representado por 73 deputados em quase todas as bancadas.

A deputada britânica Ellie Chowns, do Partido Verde, ainda faz campanha para impedir o Brexit.
A deputada britânica Ellie Chowns, do Partido Verde, ainda faz campanha para impedir o Brexit. Arquivo Pessoal

A deputada britânica Ellie Chowns, do Partido Verde, que foi eleita nas últimas eleições, costuma dizer que "o problema não está na União Europeia, mas no número 10 da Downing Street, em Londres". Lá, na residência oficial do primeiro-ministro britânico, ocupado por Boris Johnson há menos de três meses, crise e caos são palavras recorrentes.

Chowns diz que continua fazendo campanha para impedir o Brexit e promover os valores que a fizeram se engajar politicamente: justiça social e proteção do meio ambiente. "Eu ainda tenho muita esperança", enfatiza. "A maioria dos britânicos agora quer que o Reino Unido permaneça no bloco. A vontade do povo mudou". Chowns espera que haja um novo plebiscito sobre a adesão do país à União Europeia.

O deputado britânico Seb Dance do Partido Trabalhista afirma estar perdendo a paciência diante do impasse do Brexit.
O deputado britânico Seb Dance do Partido Trabalhista afirma estar perdendo a paciência diante do impasse do Brexit. Arquivo Pessoal

Enquanto Ellie Chowns cultiva a esperança, o deputado do Partido Trabalhista britânico, Seb Dance, está perdendo a paciência. "Eu odeio o Brexit! Eu me dedico ao combate da poluição do ar, participo em fazer as leis para implementar os objetivos de desenvolvimento sustentável, sou ambientalista; mas as pessoas não param de me perguntar sobre o Brexit. Eu mal posso esperar para ver um novo plebiscito e pôr um ponto final neste erro colossal!".

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