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Hungria/Ministro

Hungria vê Brasil como parceiro em nova cooperação mundial de líderes conservadores

Depois de passar dois dias na Itália, o ministro das Relações Exteriores brasileiro, Ernesto Araújo, estará em Budapeste nesta quinta-feira (9) para estreitar a cooperação com o governo de Viktor Orbán, o primeiro-ministro nacionalista húngaro malvisto nos países ocidentais por desrespeitar os valores da União Europeia e fazer oposição frontal ao Executivo europeu.

O primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán.
O primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán. REUTERS/Eva Plevier
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Enviada especial da RFI à Budapeste

Ernesto Araújo será o primeiro chanceler brasileiro a visitar a Hungria em 92 anos de relações diplomáticas entre os dois países. Durante sua rápida passagem pela capital húngara, o ministro deverá assinar um acordo bilateral de extradição e discutir detalhes de uma visita do presidente Jair Bolsonaro à Hungria durante o verão europeu (junho a setembro).

A visita de Bolsonaro, ainda sem data prevista, foi anunciada na semana passada pelo presidente da Comissão de Relações Exteriores do Parlamento húngaro, o deputado Szolt Németh, o mesmo que recepcionou o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL) quando ele esteve em Budapeste, em abril. O parlamentar húngaro, um dos políticos de confiança do primeiro-ministro e membro histórico da legenda Fidesz (Aliança dos Jovens Democratas), recebeu a RFI para falar sobre a aproximação com o governo Bolsonaro. Orbán foi o único líder europeu presente na posse do presidente brasileiro, em janeiro, além do chefe de Estado de Portugal.

Nova cooperação

"O governo Bolsonaro tornou-se um importante parceiro na nova cooperação política de líderes conservadores, capaz de dar frutos no futuro", explicou Németh. "É muito importante para nós identificarmos parceiros que têm uma abordagem semelhante para questões políticas fundamentais, especialmente no que diz respeito aos valores conservadores", ressaltou. O deputado citou como exemplo de decisão de Bolsonaro que agradou a Hungria a retirada do Brasil do Pacto Mundial para Migração da ONU, e previu um alinhamento ideológico entre Brasília e Budapeste em outras questões internacionais.

O governo Orbán aplica uma política anti-imigração xenófoba e agressiva. Além de ter rejeitado receber refugiados em seu território, o premiê defende o fechamento total das fronteiras europeias para imigrantes. Assim como Bolsonaro, Orbán exorta valores cristãos tradicionais da família – recentemente, ele baniu os estudos de gênero nas universidades húngaras. O líder nacionalista tem também uma visão arcaica do papel de homens e mulheres na sociedade e governa com um gabinete predominantemente masculino. A Hungria só tem uma mulher no ministério, sem pasta atribuída, e uma secretária de Estado, para a Família e a Juventude.

Abertura para relações externas fora da UE

Há nove anos no poder, Orbán iniciou há algum tempo um processo de abertura das relações da Hungria com outras regiões do mundo, fora das fronteiras da União Europeia. Ele tem intensificado os laços com a China, com países da África e da América Latina, onde inaugurou novas embaixadas. O premiê nacionalista, acusado por opositores, intelectuais e a imprensa independente de liderar um governo corrupto, esteve recentemente em Angola e Cabo Verde, onde discutiu investimentos na indústria hoteleira e projetos de saneamento e purificação de água.

"O Brasil, como integrante da CPLP [Comunidade dos Países de Língua Portuguesa], pode nos facilitar a conexão com os países africanos, nos ajudar a entender melhor essa região do mundo", destacou Németh, "assim como poderemos defender as posições de Bolsonaro em relação a questões regionais dentro da União Europeia". O parlamentar citou "futuros desdobramentos na Venezuela e os casos de Cuba e da Bolívia", sem entrar em detalhes.

O redirecionamento da política externa brasileira, com menos ênfase na cooperação sul-sul, marca dos governos petistas, não é um problema para o partido de Orbán. "Se o Brasil reduzir seu comércio com Angola, ainda estará muito à frente do que poderemos alcançar", avaliou o deputado. A Hungria é um pequeno país, sem peso econômico relevante, com menos de 10 milhões de habitantes.

Németh acrescentou que deseja "trazer o Brasil para a construção de Visegrad", grupo formado por quatro países da Europa Central – Hungria, Polônia, República Tcheca e Eslováquia –, que faz oposição a Bruxelas e tenta aumentar sua influência política ante as potências ocidentais do bloco. "Queremos assinar o maior número de contratos que pudermos e vamos ajudar Bolsonaro a ir à Polônia [governada pelos nacionalistas do partido Lei e Justiça (PiS)], para que o Brasil diversifique suas relações com países europeus, e não fique apenas com Portugal, França e Alemanha", disse o presidente da Comissão de Relações Exteriores do Parlamento húngaro.

Apesar do posicionamento hostil à Comissão Europeia e da defesa de um funcionamento do bloco baseado na soberania dos Estados membros, e não de um sistema federalista mais integrado, a Hungria é favorável à conclusão do acordo comercial Mercosul-União Europeia. "A agricultura húngara também tem interesses para harmonizar e os detalhes não são secundários, mas apoiamos globalmente esse acordo", afirmou o deputado.

Analistas húngaros minimizam importância de relação com o Brasil

O cientista político Róbert László, do think tank Political Capital, de Budapeste, confirma que Orbán busca formar uma coalizão de parceiros fora da base ocidental.

"Ele precisa substituir os aliados europeus por outros, externos à UE. Os principais aliados de Orbán são a Rússia, a China, a Turquia e mais recentemente o Cazaquistão. Ele se volta para esses novos ditadores porque esses dirigentes são muito mais calculistas do que os europeus e nunca questionam o papel da Hungria no bloco", resume László. Orbán é motivado a buscar novas parcerias por questões de segurança política e econômica, completa o cientista político.

O jornalista Gábor Horváth, editor-chefe do jornal húngaro independente Népszava, também não dá muita importância a essa aproximação de Orbán com o Brasil de Bolsonaro. "Orbán tenta construir alianças ideológicas. É fácil com o Brasil porque o país está longe, mas já é mais difícil com [Matteo] Salvini [ministro do Interior e vice-primeiro-ministro de extrema direita da Itália] e outros movimentos populistas da Europa, em que todos querem liderar", analisa Horváth. Segundo o jornalista, Orbán adora futebol e deve ter na cabeça a ideia de "assistir a um jogo de futebol no Maracanã".

"Temos espaço para trabalhar", diz embaixadora

A embaixadora do Brasil na Hungria, Maria Laura da Rocha, espera que "o novo entendimento" entre os dois países ajude a ampliar os investimentos. Atualmente, a Hungria é o 15° parceiro europeu do Brasil, com trocas comerciais de US$ 500 milhões. "É uma pauta que não é diversificada e muito modesta, temos um espaço para trabalhar", diz a embaixadora.

"A Hungria é um país que tem muito a nos oferecer na área de tecnologia e inovação. Eles têm um modo de fazer as coisas interessante para o Brasil. A OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico] reconhece a competência da Hungria, por exemplo, na área de startups", enfatizou a diplomata. Ela também destaca o importante intercâmbio universitário entre os dois países e a colaboração no Fórum Mundial de Ciências.

A embaixadora brasileira afirma entender algumas posições do governo húngaro críticas à União Europeia. "A Hungria não quer uma Europa de duas velocidades, com os mais ricos à frente e os outros vindo atrás, no vácuo", explica.

O ministro Flavio Goldman, conselheiro na embaixada, destaca que o governo brasileiro não deu sinal até agora de que irá privilegiar as relações com Hungria, Itália ou Polônia em detrimento de outros parceiros europeus.

"O Brasil não vai canalizar as relações com o bloco europeu via esses países. A Hungria é um país pequeno. O governo tem dito que suas relações comerciais não serão pautadas por ideologia", enfatiza a embaixadora Maria Laura.

A embaixadora do Brasil na Hungria, Maria Laura da Rocha.
A embaixadora do Brasil na Hungria, Maria Laura da Rocha. Foto: RFI

Em março, o governo Orbán publicou uma resolução, assinada pelo próprio primeiro-ministro, propondo parâmetros de “refundação das relações Brasil-Hungria”. No documento, Orbán dá instruções a vários ministros para elevar o nível das relações bilaterais, com prioridade em algumas áreas: aprofundar a cooperação em tecnologia da informação e telecomunicações, educação, indústria aeroespacial, tecnologias agrícolas e soluções digitais.

A Hungria também se propõe a identificar barreiras tarifárias e não tarifárias no comércio bilateral, aumentar os investimentos húngaros no Brasil e avaliar a possibilidade de se criar um fundo de pesquisa, desenvolvimento e inovação para gestão de recursos hídricos e tratamento de esgoto numa parceria com o estado de São Paulo. Para agilizar essa agenda, Orbán decidiu aumentar o quadro de funcionários da embaixada húngara em Brasília.

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