Morte de jornalista reabre ferida dos anos sangrentos na Irlanda do Norte
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O funeral da jornalista Lyra McKee, morta com uma bala perdida durante confrontos entre a polícia e o grupo chamado de Novo Ira, será realizado nesta quarta-feira (24) na Irlanda do Norte. O incidente reabre um capítulo triste da história do Reino Unido.
Vivian Oswald, correspondente da RFI em Londres
A Catedral de Sant'ana, em Belfast, capital da Irlanda do Norte, vai ser palco de uma cena que irlandeses e britânicos não imaginavam ver de novo tão cedo. A jornalista Lyra McKee, de 29 anos, morreu na noite da última quinta-feira (18) em meio a um tiroteio em Londonderry.
Momentos antes de morrer, McKee compartilhou uma foto no Twitter com uma imagem dos confrontos, dizendo: “Derry esta noite. Loucura completa”. Vários atos violentos marcaram aquela noite.
A origem da violência foi a uma operação policial em várias residências nos bairros de Mulroy Park e Galliagh. Segundo a polícia irlandesa, grupos dissidentes preparavam ataques na cidade durante a semana da Páscoa.
As buscas foram mal recebidas pelos locais. Dezenas de explosivos foram lançados contra os agentes e dois carros foram incendiados.
Na terça-feira (23), por meio de um comunicado, o grupo Novo IRA assumiu sua participação no confronto ao "lamentar profundamente" a morte da jornalista. O documento explica que McKee morreu no contexto de “um ataque contra o inimigo”, no momento em que ela estava no lado das “forças inimigas”. A jornalista estava atrás de um carro blindado da polícia.
Tudo isso traz de volta à cabeça de irlandeses e britânicos uma página que parecia virada da sua história, os anos que ficaram conhecidos como “The Troubles" (os problemas).
A comoção da população com a morte de McKee foi imensa. Os seis principais partidos políticos da Irlanda do Norte publicaram uma declaração conjunta após o episódio. A primeira-ministra britânica, Theresa May, confirmou presença no funeral da jornalista.
“The Troubles”: anos problemáticos
Os conflitos na Irlanda do Norte duraram de 1968 a 1998 e mataram mais de 3.500 pessoas. Foi a mais longa campanha militar britânica desde que as tropas foram enviadas à Irlanda do Norte em agosto de 1969 para lidar com os protestos dos separatistas, que queriam deixar o Reino Unido monarquista e se juntar à Republica da Irlanda.
O que havia sido descrito como um movimento temporário de emergência durou 38 anos. Só foi terminar de fato, após o cessar-fogo entre o IRA e os paramilitares unionistas.
O fim das bombas não foi suficiente para diminuir o medo em Belfast, onde muros e cercas com arames farpados ainda recortam parte da cidade de apenas 240 mil habitantes. Separam as áreas onde vivem católicos - ainda em maioria - e protestantes.
Pelas paredes da cidade vê-se que as lembranças dos anos de violência ainda são presentes e atormentam o imaginário coletivo. Pinturas com palavras de ordem ou apenas a menção à memória dos nacionais mortos durante os inúmeros conflitos dentro da província de Ulster não deixam ninguém esquecer.
Como atua o Novo IRA
O novo IRA é uma espécie de nova versão do antigo grupo. A facção, menor do que a original, nunca aceitou o acordo de paz e a entrega das armas, em 2005.
Para os dissidentes republicanos, o governo britânico e seus representantes continuam sendo forças de ocupação, inimigos da sua causa de se separar do Reino Unido e se juntar à República da Irlanda. O grupo também teria sido responsável pela explosão de um carro em janeiro. Não houve feridos.
O que preocupa é se o passado poderá voltar ao presente. A Irlanda do Norte é visto como um pequeno barril de pólvora no quintal da Inglaterra, dentro da União Europeia. A região é uma das mais pobres do bloco.
Impasse no acordo para o Brexit
A Irlanda do Norte é um ponto crucial no acordo para o Brexit. Uma das principais razões para o impasse interno no Reino Unido é a insatisfação generalizada com os termos do chamado “backstop”, uma espécie de plano de contingência para evitar que seja reerguida uma fronteira física entre a República da Irlanda – que faz parte da União Europeia - e a Irlanda do Norte – que pertence ao Reino Unido.
Um dos compromissos definidos em prol da paz, o chamado “Acordo da Sexta-Feira Santa”, prevê a ausência de fronteiras entre o norte e o sul da ilha – que não garante o Brexit negociado pela primeira-ministra britânica.
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