Como entender a confusa eleição legislativa na Itália?
Os italianos vão às urnas neste domingo (4) renovar a Câmara de Deputados e o Senado, nas eleições mais incertas de sua história recente. Mas se há o risco de a Itália não conseguir formar um governo depois dessa votação, por que ela é importante? A RFI enumera algumas das razões.
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Uma campanha eleitoral virulenta e anti-imigração, extrema-direita ganhando espaço, italianos cansados de sua classe política e da crise econômica e grandes possibilidades que essas eleições não definam nenhum governo. Esses são os principais fatos em torno da confusa votação deste domingo.
Coalizões e um único partido isolado
Três blocos dominam a preferência dos italianos. Em primeiro lugar, com cerca de 40% das intenções de votos, está a coalizão da direita e da extrema-direita, que reúne quatro partidos, entre eles, a Força Itália, de Silvio Berlusconi, e a Liga, do eurocético Matteo Salvini. Em seguida, o antissistema Movimento 5 Estrelas (M5S), o único partido isolado, chega com 29% da preferência.
Em terceiro lugar, está a coalizão de centro-esquerda, liderada pelo Partido Democrático (PD) do desgastado Matteo Renzi, com cerca de 26% das intenções de voto. Atualmente no poder, a centro-esquerda deve desmoronar e não deverá obter percentuais necessários para formar o executivo.
A grande surpresa poderá ser a lista Mais Europa, encabeçada pela histórica líder do partido radical e ex-ministra das Relações Exteriores, Emma Bonino. Ela é a única figura que pode dar, neste momento, uma sobrevida à esquerda.
Berlusconi onipresente
Aos 81 anos, "Il Cavaliere" - como é chamado pelos italianos - Silvio Berlusconi ensaia um retorno ao governo. O mais curioso é que, mesmo sendo o líder do partido Força Itália, Berlusconi está inelegível até 2019 devido sua condenação por fraude fiscal.
A proibição não impediu, no entanto, o ex-homem forte da política italiana a liderar a corrida do Força Itália. Ontem, dia de "silêncio eleitoral", depois do fim oficial da campanha, "Il Cavaliere" mostrou que continua o mesmo: não hesitou em fazer um "inocente" passeio pelas ruas de Nápoles, onde conversou e fez selfies com eleitores.
Caso a Força Itália receba o maior número de votos, Berlusconi designou Antonio Tajani para chefiar o governo. Mas o conservador, que é presidente do Parlamento Europeu, já declarou que não está preparado para deixar o cargo.
Extrema-direita de vento em popa
Como nas últimas eleições francesas, alemãs ou austríacas, o discurso xenófobo e racista foi liberado durante a campanha eleitoral na Itália. A imigração massiva e a recente morte de uma jovem italiana, cujo principal suspeito é um imigrante africano, endossaram o tom.
Resultado: A Liga, partido da extrema-direita, ganhou força sob a coordenação de Matteo Salvini, de 44 anos. O líder prometeu, se eleito, expulsar 600 mil imigrantes e fechar as fronteiras da Itália
Em contrapartida, a ascensão da extrema-direita culminou em um obscuro episódio. No dia 3 de fevereiro, Luca Traini, de 28 anos, ex-candidato da Liga às eleições locais de Macerata, no centro do país, percorreu as ruas da cidade durante duas horas, alvejando imigrantes africanos. Seis pessoas foram feridas a tiros.
O ato ganhou apoio de milícias neofascistas do país, apesar dos apelos contra o racismo do presidente Sergio Matarella. A Liga, que é aliada da Força Itália de Berlusconi, tem sozinha 13% das intenções de voto.
Movimento 5 Estrelas: um óvni político
Criado há menos de dez anos pelo humorista Beppe Grillo, o Movimento 5 Estrelas (M5S), hoje liderado por Luigi Di Maio, de 31 anos, é um verdadeiro fenômeno. Único partido a não participar de uma coalizão nestas eleições, a sigla antissistema pode obter 28% dos votos, tornando-se o maior partido da Itália.
A particularidade de ser "um óvni político", como especialistas o classificam, é que o MS5 atrai o eleitorado jovem. A juventude italiana considera que os partidos tradicionais não correspondem a suas expectativas. Tentanto atrair essa parcela da população, a sigla também se recusa a seguir os mesmos códigos políticos dos outros partidos e investe em sua presença nas redes sociais.
A aparência de Luigi de Maio é um catalisador de votos. Sempre vestido de forma impecável e elegante, conquistou a simpatia de boa parte dos italianos. A facilidade de comunicação e seus ares de "bom moço" também agradam uma parcela mais madura do eleitorado.
Alta abstenção
Como o voto não é obrigatório na Itália, as previsões de participação nesta eleição são baixas. Sobretudo entre os jovens de 18 a 24 anos, que têm direito a votar somente para a Câmara dos Deputados.
Além disso, as últimas sondagens falam de um percentual de abstenção de mais 30%, o que equivale a cerca de 16 milhões de eleitores. Já os indecisos são quase 10 milhões de eleitores, resignados ou sem esperança, que poderão determinar vitórias e derrotas partidárias.
Mas, se nenhum cenário concreto se desenhar após as eleições, o presidente da Itália, Sergio Mattarella, manterá temporariamente o governo atual primeiro-ministro, Paolo Gentiloni, de centro-esquerda.
A Câmara dos Deputados e o Senado se reunião em 23 de março para eleger seus dois presidentes. Apenas a partir desta data Mattarella deve iniciar as consultas para a formação do novo governo, que precisará, necessariamente, da maioria no Parlamento.
A Itália aprendeu a viver na incerteza: foram mais de 60 governos desde o início da República, em 1946.
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